Hospitais privados perdem rentabilidade com pandemia, mas ampliam capacidade de resposta

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Além das transformações nos protocolos de segurança e de adaptações no cuidado de pacientes de Covid-19 conforme as descobertas de como combater o vírus avançavam, em 2020 os hospitais também tiveram que aprender a lidar com uma queda expressiva em sua margem de rentabilidade. Levantamento feito pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) – que reúne 118 instituições, responsáveis por 21,46% do total das despesas assistenciais na saúde suplementar brasileira em 2020 –, aponta que a taxa média de ocupação de leitos em sua rede caiu quase dez pontos percentuais, de 76,9% em 2019 para 67,59% no ano passado. O adiamento de procedimentos e cirurgias eletivas, além de uma mudança no perfil de internações, levou esses hospitais a registrarem uma queda na margem ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 8,04%, bem abaixo da média observada, sendo o mês de abril de 2020 o pior de toda a série, com resultado negativo de 5,3%.

Distribuição de cirurgias eletivas programas e realizadas no mundo
Março a maio de 2000


Fonte: André Medici com dados COVIDSurg Collaborative 2020.

O economista André Medici, coeditor do Observatório Anahp 2021, lançado ontem (26/5), aponta que a perda de cirurgias eletivas foi um desafio para as redes hospitalares em todo o globo. De março a maio do ano passado, estima-se que apenas 25,5% de cirurgias eletivas programadas no mundo foram realizadas. De acordo à CovidSurg Collaborative, na América Latina foram canceladas cerca de 5,6 milhões de cirurgias nesse período, das quais 52,8% foram no Brasil. De acordo ao Ministério da Saúde Brasileiro, ilustra Medici, somente o sistema público registrou uma queda de 61,4% no número dessas cirurgias entre março e junho de 2020 em relação à média dos cinco anos anteriores. Tamanho impacto foi sentido no caixa. “Nos Estados Unidos, a American Hospital Association (AHA) estima que a perda financeira no setor hospitalar foi de US$ 323 bilhões, com mais da metade dos hospitais fechando o ano com margem negativa”, diz, ressaltando que essas perdas são maiores que a ajuda oferecida pelo governo daquele país. O Cares Act promulgado pelo Congresso dos EUA em março de 2020 previu US$ 130 bilhões para financiamento dos hospitais, e outros US$ 145 bilhões a serem disponibilizados até 2025. “Mesmo com o avanço da vacinação no país, o setor hospitalar prevê novas perdas financeiras em 2021, ainda que em menor proporção”, afirma Medici. 

Hospitais recuperam rentabilidade 
margem Ebitda (%) em hospitais Anahp


Fonte: Sinha/Anahp.

No Brasil, entre os hospitais associados à Anahp, a fotografia é mais positiva, com uma gradual recuperação da margem de rentabilidade a partir do segundo semestre de 2020, chegando no primeiro trimestre deste ano à média observada antes da pandemia. Os sinais de recuperação chegaram, segundo a Associação, com a volta gradual dos procedimentos eletivos, mesmo frente à intensidade da segunda onda de Covid-19 registrada nos últimos meses. Medici ressalta que a eletividade de determinados procedimentos não significa que estes seja opcionais, e que em alguns casos a demora em sua realização pode levar a uma condição potencialmente fatal, de acordo à doença.  “Até aqui, apesar de não ter havido uma boa administração dos aspectos básicos de segurança pandêmica colocados no mundo inteiro, há áreas do SUS que foram bem, e da rede privada também”, diz. A melhora no ritmo de imunização e a manutenção dos cuidados para controlar o contágio são importantes para mitigar postergação de tratamentos e o agravamento de doenças, o que seria prejudicial tanto para o paciente quanto para o equilíbrio financeiro do sistema suplementar de saúde. Cabe destacar que operadoras de planos de saúde representam uma importante fatia do faturamento dos hospitais.

Evolução de dados de Covid-19, em %
(em hospitais associados à Anahp)


Fonte: Sinha/Anahp. *Taxa de natalidade representa o percentual de óbitos com diagnóstico de Covid-19 em relação ao número de pessoas infectadas pela doença nos hospitais Anahp.

Medici considera que uma terceira onda da pandemia no Brasil não deverá ter mesmo impacto da segunda, que levou o número de mortes por Covid-19 registrado até abril a superar a totalidade de 2020. “Com a vacinação avançando, uma nova onda de contágio não deverá se estender”, diz, apontando ainda o melhor preparo dos hospitais para lidar com esse demanda.  Na avaliação de Medici, entre os aprendizados observados nos hospitais ao redor do mundo com a crise sanitária de Covid-19 está uma melhora na capacidade de resposta com uma adequação de processos burocráticos para compras e contratações; descentralização dos processos de gestão clínica; lideranças mais colaborativas, além de um aprimoramento na atenção primária à saúde, especialmente com a ampliação da telemedicina – características que devem se tornar permanentes, mesmo com o fim da pandemia. Entre os pontos a melhorar, ele aponta a gestão de insumos e uma maior integração da atenção pública e privada, “colocando os pacientes no centro do processo”.

 


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