Horizonte dos juros nos EUA e Brasil foi a tônica do debate no VIII Seminário Anual de Política Monetária

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A pressão inflacionária que acomete o mundo e deixou os bancos centrais da principais economias atrás da curva, ao subestimarem sua persistência e reagirem lentamente, foi a tônica do debate no VIII Seminário Anual de Política Monetária do FGV IBRE, promovido ontem (25/5) em parceria com o Valor Econômico e moderação de Alex Ribeiro, repórter especial do jornal. Seja para a economia americana, seja para a brasileira, a pergunta dominante foi até onde os bancos centrais poderão elevar a taxa de juros para domar a inflação.

No caso dos Estados Unidos, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, considera que essa subestimação inicialmente se deu pela incredulidade de uma reversão do cenário pré-pandemia do país, que até a chegada da Covid-19 viveu uma década de juros baixos. O diagnóstico é reforçado por análise do ex-vice-presidente do FED Donald Cohen, citada por Senna, de que a ação do BC americano se deu apoiada na interpretação de que a estagnação secular seria algo que duraria para sempre. “Na estratégia traçada pelo banco em dezembro de 2020, que ficou conhecida como inflação pela média, o FED se comprometeu em explicar como reagiria a um undershooting da inflação, abaixo de 2%, mas não sinalizou preocupação com o contrário, de pressões inflacionárias se tornarem persistentes”, ilustra. Diante dos primeiros sinais de manutenção da alta de preços, o FED optou por manter a aposta de que era um fenômeno transitório, que não justificava iniciar uma política monetária apertada sob risco de abortar a recuperação econômica. “Isso talvez seja a justificativa para o começo da história, mas depois o FED realmente ficou para trás”, reconhece Senna, lembrando que até dois meses atrás o banco ainda mantinha sua política expansionista, comprando papéis em mercado, mesmo com a inflação superando os 6%. “O FED agora se corrigiu, o discurso é outro. Mas ainda levanta polêmica sobre sua firmeza, diante da necessidade de um aperto monetário mais forte. A estimativa mais recente do FED para a inflação do ano que vem, de 2,7%, é baixa. E ao mesmo tempo o banco não consegue passar a mensagem ao mercado de que, para isso acontecer, é preciso juros reais positivos”, diz. 

Para os economistas, os dados referentes ao mercado de trabalho, como aumentos nominais de salário na casa dos 6% ao ano, são o principal termômetro da necessidade desse ajuste mais forte, frente a uma inflação nuclear que roda na faixa de 4% a 6%, como lembra Senna. “Os Estados Unidos são um gigante do consumo, e o que comanda a inflação são os salários. Esse é um tipo de inflação que só é possível de ser controlada colocando a política monetária em território restritivo”, reforça o ex-presidente do BC brasileiro Affonso Celso Pastore, sócio da AC Pastore & Associados. “O que é território restritivo? Depende da taxa neutra de juros - aquela que produz, simultaneamente, igualdade entre poupança e investimento, entre PIB atual e potencial, e a igualdade entre inflação e a meta”, ilustra, divergindo, entretanto, da definição do FED para essa taxa, de 2,5%, no que foi apoiado por Senna e Loyo. Pastore reforça que o tamanho dos estímulos fiscal e monetário operados nos Estados Unidos colaboraram para a desancoragem das expectativas, e terá seu preço nesse processo de ajuste. 

Para Eduardo Loyo, diretor do BTG Pactual, o maior receio diante da ação do FED - comum nos demais BCs - é o de que, depois de atrasar no diagnóstico do problema, passe a  atrasar a mensagem da necessidade desse aperto mais forte, por cuidado de não assustar o mercado com a perspectiva de recessão à frente.  “Temo que, como o mundo quis acreditar em hipóteses mais benignas para o tamanho do choque inflacionário, sua persistência, a gente agora enverede também em interpretações benignas convenientes a respeito dessas variáveis e comece a argumentar que qualquer mexidinha no juro faz um efeito gigantesco com a atividade, e que qualquer mexidinha com a atividade vai fazer milagres de desinflação, portanto não é preciso causar um sacrifício tão grande em termos de atividade”, diz. “Não é que essas coisas não possam ser verdade, mas é preciso ter cautela.” 

Loyo considera que alimentar a ideia de que é possível conduzir um processo desinflacionário sem sacrificar a atividade gera uma ambição exagerada sobre o que a política monetária pode entregar. “Política monetária não costuma funcionar assim. O fato de que a economia americana entre em algum momento em desaceleração ou tecnicamente em recessão não significa que a política monetária esteja errada”, afirma. “Não estamos somente diante da tarefa de desinflar a inflação porque esta se consolidou num patamar mais alto; nem só pelo aperto de hiato produto. Estamos lidando com um gigantesco choque adverso de oferta”, diz. Loyo apontando que, nesses casos, a função da política monetária não é evitar que atividade caia, mas evitar que parte dos efeitos inflacionários aconteça, “mesmo que isso acabe custando uma desaceleração de atividade em adição àquela que o próprio choque ia produzir”, afirma. “Nesse caso, o fato de ver sinais de que a economia está desacelerando ou poderá desacelerar não é alarme para a política monetária largar porque exagera na dose”, defende.

Senna, por sua vez, afirma que não há indícios que a recessão para a economia dos EUA este ano, e que o importante para o FED agora é trabalhar com uma perspectiva realista da inflação adiante. “Se não é de 2%, de quanto é? O mercado responde, e aponta algo acima de 3%. Também se pode falar de 4% de taxa de juros para se chegar no juro neutro. Mas o jogo não acaba aí. Se quero falar sobre as condições financeiras, tenho que ver qual vai ser impacto na redução de balanço de juro longo”, anumera. “São perguntas que ainda não sabemos responder. Mas na teoria não tem como derrubar inflação sem aperto monetário robusto.”

No caso do Brasil, Senna lembra que nosso histórico de inflação nos abre menos margem para teste. E que o BC, apesar de ter iniciado o aumento da Selic em nível baixo, não deixou de avançar. “E agosto do ano passado, os juros já estavam em terreno contracionista. O grosso do trabalho está feito”, afirma. O que não indica, diz Senna, que o trabalho está concluído. “Relutância em fazer ajustamento adicional pode ser interpretado como desistência. Não perseguir a meta de inflação de 2023, seria ruim para as expectativas e, por consequência para a própria inflação”, afirma.

Pastore concorda que, ainda que a probabilidade de se cumprir a meta de 3,25% (com banda de 1,5 pp) em 2023 seja baixa, o banco não pode se omitir de persegui-la. “Caso pare, supostamente, em 13,25%, deixando a Selic nesse nível até meados do ano que vem, quando talvez começasse a baixá-la, o BC poderá ficar contente em ter baixado a inflação, mas perderá credibilidade. Pois um no regime de metas de inflação, a meta é uma âncora. Quando desancora expectativa, sobe o coeficiente da inércia. E quanto mais se for leniente com a inflação, mais difícil fica a vida lá na frente.”

Para o ex-presidente do BC, o banco conseguirá conter a inflação nas condições atuais de juros. Mas considera que, na avaliação sobre o custo de se ter a inflação fora da meta versus o custo de se ter um PIB abaixo do seu potencial, o BC ainda está privilegiando a atividade econômica. “Como está, o BC não perderá o controle da inflação; ela irá para baixo. Mas iremos conviver com inflação mais alta por mais tempo, a inércia tende a subir, a capacidade de ancoragem de expectativa tende a cair, e ficaremos com a economia crescendo menos por mais tempo”, afirma, defendendo “mais proatividade” na subida da taxa de juros, para evitar esse custo secundário.

 


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