Guerra e China: aumentam as incertezas

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Ontem, dentro de um táxi, o motorista, ao passar por um posto de gasolina, comentou: “como é possível o preço do litro da gasolina estar em oito reais? Não sei onde vamos parar desse jeito”. Sem querer dar muita corda, pois estava resolvendo coisas do trabalho no celular, ele continuou: “no sábado fui à feira com minha mulher. Fazia tempo que não ia, pois ficava rodando com o táxi para pegar passageiros, que diminuíram no último mês. Fiquei de cabelo em pé com os preços. O dinheiro está cada vez mais curto. Mal dá para pagar as contas. Bem que minha mulher vive reclamando”.

Me senti meio constrangido em não dar atenção. Disse que ele tinha razão e que, infelizmente, os preços dos alimentos continuarão altos, com alguns caindo e outros subindo. Mas, na média, devem permanecer em patamares elevados. No que ele disparou, quando estava pagando a corrida: “então vou ter que rodar bem mais com o carro. Mas com saúde, vamos tocando”.

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Como sabemos, a inflação está em dois dígitos e não há muita boa notícia, no curto prazo, para que ela arrefeça de forma drástica. O motorista vai continuar tendo sua renda corroída pela inflação por mais algum tempo. E os juros, mantida essa tendência, podem ter uma nova rodada de alta, embora em patamares menores, desde que a situação não desande de vez. Quando foi divulgada a inflação dos últimos 12 meses terminados em abril – 12,13%, os núcleos de inflação que medem a difusão dos preços mostraram que quase 78% dos preços acompanhados pelo IBGE para calcular a inflação oficial do país estavam em alta.

A guerra na Ucrânia, que turva o futuro de curto prazo do preço do petróleo, pode agravar ainda mais as pressões inflacionárias. A magnitude dos reajustes do diesel, do GLP e da gasolina fará a inflação brasileira avançar 0,7 ponto percentual a mais nos próximos meses, segundo cálculos do núcleo de preços do FGV IBRE.

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Com inflação pressionada, aumentar os juros é o clássico mecanismo para tentar frear esse dragão. Remédio amargo que encarece o crédito e traz impactos negativos sobre a atividade econômica, que vem andando de lado há algum tempo. A Selic, que é a taxa básica de juros da economia, já está na casa dos 12,75% ao ano.

No próximo dia 2 de junho, o IBGE divulga os números do PIB do primeiro trimestre deste ano. A expectativa é de que a atividade econômica tenha se recuperado um pouco em relação ao ano passado, quando estávamos mergulhados na pandemia. Segundo o Monitor do PIB, calculado pelo FGV IBRE, a atividade econômica deve ter crescido algo ao redor de 1,5% no primeiro trimestre em relação ao último trimestre de 2021, puxada pelo setor de serviços, que se recuperou, ainda que não totalmente, dos desastrosos efeitos da pandemia.

Com a pandemia dando uma trégua, houve uma relativa normalização da atividade econômica cujo fôlego, no entanto, pode estar se esgotando pela inflação que está corroendo o poder de compra das famílias, pela escalada dos juros e pelo cenário externo que está cada vez mais incerto.

O Boletim Macro FGV IBRE que está circulando hoje      aponta que a guerra na Ucrânia, que já se estende por mais de três meses – até agora não há sinais de que o conflito irá terminar -, aumentou ainda mais as incertezas que pairavam sobre as economias. A intenção da Finlândia e Suécia de entrarem na Otan jogou mais lenha na fogueira, com ameaças de retaliação russa aos dois países, mesmo com a Turquia se declarando contra a inclusão. Para isso ocorrer, deve haver unanimidade entre os países que fazem parte da Otan.

“O cenário para este ano já era desafiador, como destacado nas edições anteriores do Boletim. A perspectiva era de baixo crescimento do PIB e de uma taxa de inflação acima do limite superior do intervalo de tolerância, de 1,5 ponto percentual, além da meta de 3,5%. Era também incerto, em função da realização das eleições em outubro e da perspectiva de aperto monetário nas principais economias, em especial nos EUA, o que em geral impacta de forma relevante as economias emergentes”.

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A previsão de crescimento do PIB para este ano é de 0,7%, segundo o Boletim, mas houve uma redução na projeção para o ano que vem de 1,1% para 0,7%. “O espaço para a redução da taxa Selic em 2023 dependerá da futura condução da política fiscal”, diz o Boletim.

Veja os principais destaques do Boletim Macro FGV IBRE de maio

• A guerra na Ucrânia aumentou ainda mais as incertezas sobre os cenários prospectivos internacional e doméstico. Um primeiro efeito do conflito foi a disparada nos preços globais de commodities de energia e agrícolas. A Rússia é um dos principais produtores e exportadores de commodities, incluindo petróleo, gás natural, trigo, milho e fertilizantes. E, com a guerra, os governos ocidentais impuseram sanções que contribuíram para reduzir ainda mais a oferta desses produtos e para elevar seus preços.

• Apesar do recuo do preço do petróleo, que chegou a bater na casa dos US$ 130 por barril, recuando para cerca de US$ 100 por barril em meados de março, a expectativa é que o barril não recue tanto assim, pois o balanço global de petróleo permanece apertado no curto prazo, pressionado pela forte demanda, de um lado, e pelas restrições de oferta, de outro, devido aos motivos conjunturais, mas, também, pelas tendências estruturais de descarbonização.

• Para complicar o cenário externo, a China, após os indicadores de atividade mostrarem bom resultado no primeiro bimestre, experimentou um surto de casos de Covid-19, o que levou a grandes lockdowns, trazendo novos desafios para a retomada da atividade econômica no país nos próximos meses, além de aumentar ainda mais os gargalos logísticos globais.

• No mercado de commodities agrícolas, os preços também subiram muito, pois a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 20% das exportações globais de milho e por quase 30% das de trigo. Além disso, os ataques recentes ocorrem em importantes áreas de cultivo na Ucrânia.

• O choque de alimentos ocorre em momento de cortes nas previsões para as safras da América do Sul, neste caso por problemas climáticos. No Brasil, a estiagem no Sul do país tem gerado perdas expressivas da produção. Para tornar as perspectivas ainda mais preocupantes, temos nova rodada de alta nos custos de insumos, com o aumento dos preços de combustíveis e de fertilizantes.

• No meio de tanta notícia ruim, uma luz no fim do túnel. Para o Brasil e alguns outros países da América Latina, o fato de essas economias serem exportadoras líquidas de commodities e, ao mesmo tempo, terem relações comerciais limitadas com a Rússia, atenua o choque externo. Isso possivelmente vai ajudar a que as moedas da região se valorizem frente ao dólar.

• Outro fator positivo para os países da região é o ganho que a valorização das commodities traz para as finanças públicas. Em particular, no caso do Brasil, mesmo com fundamentos fiscais frágeis, esse choque ajuda a postergar a necessidade de um ajuste nas contas públicas, cuja urgência já se reduzira um pouco com a melhora dos resultados primário e nominal e a queda da razão dívida pública/PIB desde 2021.

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Veja a Integra do Boletim Macro FGV IBRE

 


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