Governo do Rio busca modelos alternativos para oferecer microcrédito a empreendedores em situação de vulnerabilidade social

Chicão Bulhões, secretário municipal do Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Rio de Janeiro

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em qualquer esfera de governo, de qualquer região do país, sabe-se que o plano mais potente para a retomada econômica em 2021 se chama vacina. Enquanto o processo de imunização caminha a passos lentos, entretanto, prefeitos eleitos começam a colocar em prática seus planos de governo, esperando colher resultados mesmo sob um cenário de alta incerteza. No Rio de Janeiro, que voltou a ser governado por Eduardo Paes (DEM), o plano dos primeiros 100 dias foca medidas nas áreas de saúde, educação e segurança. Nas demais áreas da administração, os projetos se intercalam entre de curto e médio prazos, visando a reforçar a estrutura da cidade para uma recuperação não apenas dos efeitos da Covid, como de problemas de caixa que chegaram antes da pandemia. 

Em conversa com o Blog da Conjuntura Econômica, Chicão Bulhões, secretário do Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, afirma que entre as tarefas que estão sob sua responsabilidade está a de realizar mudanças que promovam melhora do ambiente de negócios. Entre as principais, uma reestruturação da burocracia do município, através da digitalização de processos. “Isso permitirá melhorar o fluxo de trabalho e promover uma maior e melhor integração entre os órgãos”, diz. Para financiar esse projeto, sob uma conjuntura de aperto fiscal, o secretário quer atrair parcerias com a iniciativa privada. “Várias associações já se dispuseram a nos ajudar na obtenção desses recursos – entre as quais, do segmento de construtoras. Um serviço bem prestado pela prefeitura é absolutamente fundamental para suas atividades”, diz. Outra meta da secretaria é mudar a sistemática de licenciamento, adotando o modelo de autodeclaração no caso de negócios de baixo impacto. “Buscamos um arcabouço regulatório que dê segurança jurídica tanto ao servidor quanto àquele que está empreendendo, simplificando os processos”, afirma. “No caso do licenciamento ambiental, já conseguimos fazer isso em atividades de baixo risco; já as de maior complexidade, como as que envolvem áreas de conservação, buscaremos negociar um procedimento junto à Secretaria do Meio Ambiente”, descreve. Na área de urbanismo, Bulhões afirma que a garantia de conformidade das obras estará mais concentrada na atividade de fiscalização. “Quem entra com um processo de licenciamento está querendo se regularizar. Então, faz muito mais sentido que o interessado faça uma autodeclaração, apresente o projeto e inicie suas obras, sua atividade econômica, e que a garantia do cumprimento da lei esteja numa fiscalização de melhor qualidade, que funcione”, diz.

Outra medida a que o secretário pretende se dedicar em breve é à estruturação de um programa de microcrédito voltado aos empreendedores afetados pela pandemia. Para esse projeto, que deve ser apresentado ao prefeito na próxima segunda-feira (16), Bulhões espera contar como apoio de fora do governo. “Dada a falta de espaço fiscal para uma iniciativa como essa, pensamos em algumas opções, todas envolvendo o Sebrae para apoio na formalização e na educação financeira dos micro e pequenos empreendedores”, diz. A ideia, explica o secretário, é fechar parcerias com fundos de microcrédito que já operam; e/ou, através da agência municipal Fomenta Rio, que passará a se chamar Investe Rio, e um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fidc), atrair investidores e operar esse programa. “Sabemos que hoje os social bonds são muito buscados no mercado internacional, e achamos que há espaço grande”, diz. “O importante é que queremos ajudar esses empreendedores – em especial o segmento de bares e restaurantes – para que consigam manter seu negócio e sua saúde financeira. E, quem sabe, tornar esse programa uma política pública permanente.”

Social bonds

Os social bonds a que Bulhões se refere são dívidas que podem usar diferentes instrumentos financeiros regulados – como debêntures, cédulas de crédito bancário, nota promissória, Fidcs – que recebem um selo por direcionar os recursos captados a ações de cunho social. Fazem parte de uma família iniciada com os green bonds, de cunho ambiental, que se multiplicou em outras categorias, como explica Gustavo Pimentel, diretor de Finanças Sustentáveis da Sitawi, organização social de interesse público (Oscip) que, entre outras atividades, desenvolve análises de performance socioambiental de empresas e instituições financeiras. Entre essas categorias estão a de transição, referente ao financiamento de setores poluidores que buscam transformar suas operações para o baixo carbono; a sustentável, que capta recursos tanto para projetos verdes quanto sociais; e a de desempenho. “Nesta última, a empresa não se obriga a investir os recursos em projetos sociais ou ambientais, mas deve reportar indicadores de sustentabilidade, com metas que, ao serem cumpridas, permitem desconto na taxa de juros”, explica Pimentel.

Segundo Pimentel, a demanda por esses papéis tem crescido em nível mundial. “No ano passado, somente em social bonds dedicados exclusivamente a mitigar os efeitos da pandemia, foram captados US$ 50 bilhões”, afirma. Os principais emissores foram governos em busca de reforçar o orçamento, e bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial e o BID.

No Brasil, a operação de créditos sustentáveis também cresceu em 2020, somando 38 emissões – contra 19 no ano anterior –, com captação de R$ 13 bilhões. A maioria, 21, se concentra em green bonds, e apenas 2 na categoria social. “O emissor de social bonds ainda não é muito frequente no Brasil”, afirma. “No caso dos bancos, que são esse perfil, aqui eles privilegiam as carteiras verdes. A primeira instituição que entrou com uma captação da categoria sustentável – que inclui títulos verdes e sociais – foi o Itaú, agora em 2021”, diz Gustavo, apontando, entretanto, que as fintechs já começam a despontar nesse mercado. Outro fator que inibe esse tipo de emissão no Brasil, lembra o executivo,  é a restrição de estados e municípios de se endividarem sem aval da União – fator que obriga os entes subnacionais a depender de bancos ou agências de fomento que operem sob a lógica de banco para fazer esse tipo de captação.

 


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