“As Forças Armadas temem duas coisas: perda de popularidade e a volta de orçamentos minguantes com um novo governo em 2023”

Octavio Amorim, professor da FGV Ebape

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em seu artigo publicado no Boletim Macro IBRE de abril, você defende que o episódio de troca de comando no Ministério da Defesa e nas três Forças Armadas eliminou a ambiguidade que o presidente Bolsonaro alimentava sobre o rumo dessas forças caso tentasse alguma ruptura institucional. Mas vemos que ele continua ameaçando levá-las às ruas contra as medidas de isolamento determinadas por governadores. E agora seu governo será novamente pressionado, com o início da CPI da Covid-19. O que podemos esperar?

A situação do presidente Bolsonaro é muito difícil. Ele está no pior momento de seu governo, por ter perdido muito apoio. A carta dos economistas lançada em março sinalizou que gente de peso, empresariado, setor financeiro, estão insatisfeitos e se afastaram. E aí veio a decisão do Supremo de obrigar o Senado a instaurar a CPI da pandemia.

A primeira coisa a ser dita é que o Senado é onde Bolsonaro tem tido menos apoio. Não à toa, a CPI reuniu o número mínimo de assinaturas para ser instaurada no Senado, não na Câmara. Outra coisa é que o trabalho de obtenção de informação não vai ser tão difícil assim, porque o país e o mundo têm observado as ações de Bolsonaro com relação à pandemia desde fevereiro de 2020.  E a essência tem sido de negacionismo, de forma mais radical do que foi visto com o presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Trump se opôs a máscaras, isolamento social, mas não se opôs às vacinas. Vide o programa operation warp speed (parceria público privada do governo dos Estados Unidos para acelerar o desenvolvimento e fabricação de vacinas e tratamento para Covid-19, lançado em maio com orçamento inicial de US$ 10 bilhões, estendido em outubro para US$ 18 bilhões). Bolsonaro é mais radical que Trump nesse sentido, porque é enfaticamente contra máscaras, isolamento social, e no ano passado contra vacinas, chegando a debochar destas. Mas a pandemia saiu de controle, e a estratégia dele fracassou. Ele esperava que a pandemia amainaria no final do ano, mas só piorou desde então. E chegamos onde chegamos. Estamos entre os piores do mundo. Índia e México estão péssimos, Argentina está mal.

Então, a razão da ansiedade de Bolsonaro em relação à CPI não é apenas a questão de ele estar em minoria e ter apoio mais débil no Senado em geral do que na Câmara. Mas o fato de que as informações são fartas. O problema de toda CPI é encontrar informações credíveis para eventuais acusações ao poder Executivo. Acusações que partem da oposição. É como disse o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso quando obrigou o Senado a instalar a CPI, de que ela é um instrumento da minoria. É uma questão simplesmente de articulação política para que a CPI, na hora de produzir seu relatório final, liste todas as decisões e ações de Bolsonaro e de (Eduardo) Pazuello quando ministro da Saúde que contribuíram para o desastre que estamos vivemos.

E quando Bolsonaro fica acuado, parte para o ataque. Ele já vem tentando mobilizar as Forças Armadas para que fiquem ao lado dele em suas declarações políticas há algum tempo. Como sabemos, o general (Edson) Pujol foi contra isso, o almirante Ilques (Barbosa) foi contra isso, e juntamente com o comandante da FAB (Carlos Bermudez) saíram no final de março. Mas o que aconteceu desde então é que é importante: a retórica de Bolsonaro continua a mesma. Ele não mudou. Sofreu a derrota das mãos do alto comando das Forças Armadas institucionais e não fez ajuste na sua retórica. No comportamento, ele de fato aceitou nomear o general mais antigo para comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira. Que algumas semanas antes havia dito que o desempenho do Exército no combate à Covid-19 era superior ao do resto do país porque o Exército tinha adotado as recomendações da OMS.

Então, há uma dissonância entre o que Bolsonaro fez, sobretudo no que diz respeito à escolha do novo comandante do Exército, e sua retórica. Sua retórica continua a mobilizar o Exército como se fosse um braço político do governo para intimidar governadores, Supremo e Congresso nacional.

Com anuência do novo comando do ministério e das Forças Armadas?

A questão é exatamente essa: a reação do novo ministro da Defesa, Braga Neto e do novo comandante do Exército. Em seu discurso de posse, Braga Neto falou o que Bolsonaro queria. Algo que não diz respeito à ação do ministro da Defesa, sobretudo quando ele é general de quatro estrelas da reserva. A declaração de que os outros poderes têm que respeitar a opção feita pela maioria em 2018 é muito ambígua, dá margem a mil interpretações, e é uma leitura muito majoritarista e populista feita por um general do Exército.

O discurso de Braga Neto não foi o institucional da carta de saída do ex-ministro Fernando Azevedo e Silva. Mas acho que o personagem-chave é o general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira. Os comandantes das demais forças são importantes, mas a peça política que é chave na liderança das Forças Armadas institucionais é o comandante do Exército. Ele tem sido mais contido em suas declarações. Recentemente, o jornalista do Estadão Marcelo Godoy informou que ele fechou sua conta no Facebook. Isso é um bom sinal, de que a separação institucional entre Forças Armadas e governo prevalece. Apesar da retórica do Bolsonaro, da retórica do ministro da Defesa. E também das retóricas mais pesada do comandante da Força Aérea, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior.

Veja, falei na minha última coluna do Boletim Macro IBRE que a saída de Fernando Azevedo e a demissão de Pujol e demais comandantes tinha reduzido a ambiguidade e a incerteza que Bolsonaro sempre manipulou a seu favor, mas essa ambiguidade a respeito do papel das Forças Armadas na ordem política brasileira não será eliminada. Porque não sabemos como o novo ministro da Defesa vai atuar, Bolsonaro não mudou, e a tendência é de que ele escale essa retórica agressiva. Minha avaliação no Boletim Macro é otimista, pois para mim está claro que as Forças Armadas não embarcarão em aventuras golpistas. Mas a tensão e a incerteza vão continuar. Isso é da essência do governo Bolsonaro. Desanuviar a atmosfera política nunca foi do interesse do atual presidente da República, porque ele teme a desmobilização de sua base mais radical. Ela, na verdade, é que sempre a baliza das ações do governo. A essência do governo Bolsonaro é a de um governo minoritário que governa para minorias.

Um governo pode ser minoritário na sociedade. Um exemplo é o governo Temer. Ele se esforçou para aprovar reformas econômicas que lhe permitiriam ter um apelo mais amplo para dialogar com a maioria da sociedade brasileira. Não conseguiu. Foi um presidente impopular, mas tentou. O sentido da ação de Temer era: quero melhorar minha popularidade, dissolver polos de oposição ao meu governo. Temer agiu como um presidente constitucional. Um presidente de centro direita, tinha maioria no Congresso e queria maioria na sociedade para ser eleito. Até que desistiu.

Com Bolsonaro é diferente. Ele foi eleito pela maioria no segundo turno, mas desde janeiro de 2019 ficou claro que ele governa para uma minoria, que não estava interessado em ampliar seu leque de apoios. Não à toa, rapidamente perdeu maioria da opinião pública. E sempre se contentou em manter ativa a minoria que o apoiava, que é substancial. Bolsonaro tem um piso alto, mas teto baixo. Essa estratégia funcionou em 2019, começou a fazer água no início de 2020, voltou a funcionar com o auxílio emergencial a partir meados do ano passado. Mas quando acabou o auxílio, ele não se esforçou para lançar um substituto rapidamente. A pandemia piora muito, e no começo do ano o Brasil se torna o caso mais dramático no plano mundial. Bolsonaro começa a ser mais pressionado, aí demite Pazuello e Ernesto Araújo. E faz alguns ajustes.

Aproximando-se do Centrão?

Sim. Mas ao contrário do que vários colegas dizem, ele jamais adotou o presidencialismo de coalizão. Aproximou mais alguns políticos de partido para seu ministério, mas não fez base sólida que uma coalizão majoritária dá.

E, ao mesmo tempo, decidiu apoiar a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o Senado e Arthur Lira (PP-AL) para a Câmara, usando os métodos tradicionais de verbas orçamentárias. Só que ele colocou a carroça na frente dos bois. Para esse tipo de negociação funcionar, ter custo orçamentário relativamente baixo, é preciso montar ministério. Chamam-se partidos, dá-se um quinhão para as principais legendas que lhe dão sustentação. E, a partir daí, são feitos os ajustes, com verbas e emendas orçamentárias para eventualidades, como votações importantes. Bolsonaro, entretanto, reverte essa lógica. Começa pagando emendas e jamais constitui a coalizão ministerial. O resultado é que, em cada crise, o preço aumenta. O preço político-orçamentário que ele tem que pagar para sobreviver só vai aumentando. Veja como foi a aprovação atrasada do orçamento em 2021.

O que quero dizer com tudo isso? Que Bolsonaro jamais mudou. Houve várias fases do governo, mas são ajustes pontuais. Depois ele retoma a mesma toada de mobilizar sua base de radicais, com a qual tentará ganhar a reeleição em 2022, chegando com 25% 30% no segundo turno, eventualmente enfrentando Lula ou outro candidato mais à esquerda usando discurso pesado de anticomunismo, defesa de valores de família e combate à corrupção. Mas isso foi esvaziado. A corrupção é importante, mas não como em 2018. Saúde, emprego e inflação serão mais importantes em 2022. E Bolsonaro vai mostrar o quê?

Na saúde, o desastre no combate à pandemia. O desemprego atinge níveis altíssimos, e as perspectivas de reversão desse quadro não são as mais animadoras. E a renda sendo corroída pela inflação. Bolsonaro, que não tem capacidade de inovação muito grande em termos de relações políticas, vai continuar batendo na mesma tecla, mobilizando sua base de radicais. Isso significa: militares, policiais, sem deixar claro se está falando para o pessoal da ativa ou da reserva. Isso, inclusive, é que criou uma confusão enorme. Não à toa o Exército, o general Pujol, cansou-se e saiu. Ninguém sabe se ele foi demitido ou saiu. Mas aquilo foi um gesto de ruptura. Pujol era comandante da força, não fez isso sozinho.

Então, a margem se estreitou muito para Bolsonaro. Tanto que, quando ele viu as portas se fecharem nos quarteis do Exército, passou a tentar mobilizar sua frente bolsonarista nas polícias estaduais. E de vez em quando fala de estado de defesa, o que irritou o alto comando e levou à série de demissões em março.

Para concluir, essa questão vai permanecer enquanto Bolsonaro estiver aí. O que as Forças Armadas institucionais podem fazer é tomar uma atitude mais enérgica, como tomaram o general Azevedo, Pujol e os comandantes da Marinha e da Força Aérea. Ou fazer o que o general Braga Neto e o tenente-brigadeiro Almeida Baptista estão fazendo, que são concessões retóricas. Mas insisto: golpe de estado com apoio das Forças Armadas institucionais está totalmente descartado.

Considera que, mesmo com o descontrole da pandemia, a piora das condições econômicas, o desemprego e o aumento da fome, o presidente Bolsonaro consiga manter seus 30% de aprovação popular?

É possível. Vamos ver como será a evolução da pandemia. No curto prazo, para maio ou junho, os números devem continuar piorando e devemos chegar a 500 mil mortos. Mas no segundo semestre o esforço de vacinação começará a fazer efeito. Pessoas da terceira idade morrerão menos. Se Bolsonaro tiver sorte – falo isso porque no ano passado abdicou dos instrumentos que o permitiam estar numa situação melhor – ele pode experimentar uma melhora em seu apoio. Mas qual o parâmetro da classe política? Se em dezembro a popularidade de Bolsonaro estiver abaixo de 20% e taxa de rejeição do nome nas pesquisas eleitorais para 2022 for superior a 50%, vai ser difícil que ele vire o jogo. Por tudo que houve no Brasil nos últimos oito anos de crise política, os parâmetros políticos hoje estão muito instáveis, e não temos condição de predição como tinha antigamente. Mas essa é uma regra de ouro: presidente com rejeição altíssima e piso de popularidade abaixo de 20% corre o risco de sequer chegar ao segundo turno. Como disse (o presidente do PSD, Gilberto) Kassab em entrevista recente ao Valor Econômico (conteúdo restrito a assinantes do jornal). E aí poderemos ver o efeito bola de neve: ele começar a ser abandonado pelo Centrão e pelos grupos sociais que ainda estão com ele: evangélicos, o agronegócio, militares da reserva. A situação dele vai depender desses dois parâmetros mencionados, que a classe política monitora o tempo inteiro. Como Bolsonaro tem os instrumentos do Executivo à mão – emendas parlamentares, cargos – ainda há condições de manobrar. Mas manobrar para fazer o quê? Tudo o que tem feito até aqui indica que ele não abandona sua base radical de jeito nenhum. Na maneira de agir de Bolsonaro, a base radical, que é a que lhe causa mais problema – com o Supremo, o Congresso, a imprensa e o restante dos países do mundo que costumavam ser aliados do Brasil –, é prioridade absoluta. E é essa rigidez que está dificultando cada vez mais a situação política do presidente, em um contexto que a pandemia saiu de controle no Brasil.

Levando em conta que a retórica do presidente Bolsonaro não mudou em relação às Forças Armadas, qual a preocupação destas com sua imagem? E qual a preocupação com outros comportamentos individuais, como do ex-ministro Eduardo Pazuello e sua reação ao ser flagrado sem máscara em shopping de Manaus esta semana?

Eles estão preocupadíssimos, porque sabem o risco que correm. Pesquisas de opinião ainda não apontaram um colapso na confiança da sociedade nas Forças Armadas, mas outras pesquisas, com outras perguntas, começam a mostrar perda de confiança. Os comandantes têm visto isso. E a questão é: o que fazer? A situação está muito difícil sobretudo por conta da figura do ex-ministro Eduardo Pazuello. Ele foi ministro da Saúde como general da ativa, mesmo o Exército pedindo para ele ir para a reserva. E a pandemia acabou saindo totalmente fora de seu controle. Em algum momento, essa pandemia vai passar. Ano que vem teremos a campanha eleitoral, mas a CPI é daqui a pouco. A associação entre o Exército através de Pazuello e a condução fracassada da pandemia está sendo cada vez mais discutida, e isso será péssimo para a imagem das Forças Armadas. Pode ser que elas não se tornem tão impopulares como são os partidos e o Congresso, mas perderão parte da confiança da população, que é seu grande ativo político. E as forças armadas têm que se preparar para o futuro. Inevitavelmente novos governos virão, nenhum presidente é eterno, e elas precisam se preparar para governos mais ao centro, ou à esquerda.

Como um novo presidente, no caso de não reeleição de Bolsonaro, deveria tratar a relação do Executivo com as Forças Armadas depois da atual experiência?

Desde a transição democrática, a retórica de todos os governos foi sempre amigável com as Forças Armadas. Não se viu qualquer presidente falar coisas duras ou criticá-las. Mas foram reduzindo o orçamento dessa pasta. Essa é uma reclamação antiga. Sobretudo o orçamento de investimento. Isso não é só culpa dos civis, pois os militares também são responsáveis pelo altíssimo gasto com pessoal dentro das forças. De qualquer forma, na hora que vinha ajuste fiscal, nenhum governo teve qualquer problema em cortar verbas para submarinos nucleares, caças, fragatas, tanques e mísseis. O resultado é que durante muito tempo as Forças Armadas ficaram com equipamento envelhecido ou sucateado. E agora elas correm esse risco novamente. Dificilmente um candidato centrista competitivo falará mal das Forças Armadas. Mas a questão será: o que o novo presidente vai fazer com o orçamento militar? Continuará com a política de Bolsonaro? De proibir contingenciamento, aumentar o gasto no investimento de Defesa, continuar isentando as forças de um sacrifício maior para a reforma da Previdência? Não vai. Aí as Forças Armadas poderão voltar às vacas magras que viveram nas décadas 1990 e início do século XXI, o que acabou criando um ressentimento enorme, especialmente com o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Então, as forças temem duas coisas. A primeira, a perda de popularidade, que tira seu ativo político. Hoje elas dizem que são a instituição mais respeitada do Brasil, e é verdade. Tanto que a classe política, desmoralizada, aceita isso calada. Quando chegou o governo Bolsonaro, foi obrigada inclusive a conceder enormes benefícios para estas em contexto penúria orçamentária. Isso também tende a acabar, eles sabem disso, e esse é o seu segundo temor. A tendência de qualquer novo governo, como no passado, é de reconhecer o papel das Forças Armadas na defesa nacional, e que política não entra em quartel. Mas, na hora do vamos ver, o orçamento não estará lá. Na hora da conclusão das fragatas da Marinha, do submarino nuclear, de compra de mais caças suecos, de completar programa de carros de combate do Exército, não vai ter dinheiro. Tampouco vai ter xingamento, como houve no governo Bolsonaro dos setores que não eram aliados. Será em silêncio, e será duríssimo. Esse é o risco.

Veja, o afastamento das Forças Armadas institucionais com relação ao governo Bolsonaro tem razões programáticas e pragmáticas. Do lado programático, de fato está na cultura militar brasileira o legalismo. Os militares da ativa são legalistas: o respeito à Constituição, às leis, às normas está entranhado na cultura dos oficiais brasileiros. Eles passam a ter outra atitude quando vão para a reserva, para o Clube Militar ou para a Avenida Rio Branco. Mas o pessoal da ativa é totalmente legalista. Foram razões sinceras, convictas, que levaram o general Fernando Azevedo e os outros três comandantes a não aceitar a politização dos quarteis.

Mas houve também razões pragmáticas, que tem a ver com um próximo governo e a probabilidade, que considero alta, de que não seja bolsonarista. Elas estão com medo de ver o que viram nos anos 90 e início do século XXI: orçamentos minguantes, salários estagnados, falta de prestigio político.

Como considera que os candidatos à Presidência deverão se comportar sobre esse tema?

Para 2022, qualquer candidato que queira tirar os militares da política terá que tocar nesse tema na campanha. Para ter condições políticas de, a partir de 2023, dizer aos generais: "como dizia o general Pujol, política não entra no quartel". Mas não basta dizer. Várias reformas têm que ser feitas para que os civis tenham mais controle político sobre os militares, e para que os militares aceitem se concentrar na sua muito digna condição de instrumento da defesa nacional. E aí há uma série de propostas. Como a do historiador Jose Murilo de Carvalho, que propõe uma mudança no artigo 142 da Constituição, que elimina a ideia de que as Forças Armadas podem ser chamadas para manter a lei e a ordem se convocada por outros poderes. Essa é a base da ambiguidade fomentada por Bolsonaro.

Outra questão fundamental, que já foi discutida há 13 anos, é criar um quadro de analistas civis dentro do ministério da Defesa. A criação de uma carreira civil dentro da Defesa foi prometida em 2008 pelo então ministro Nelson Jobim na Estratégia Nacional de Defesa, e o país dos concursos públicos que é o Brasil nunca conseguiu realizar isso. E não por falta de mão de obra, pois há muitos doutores em Relações Internacionais, História, Ciência Política, Direito, Engenharia para se candidatar. Lá dentro, os civis teriam muito mais informação sobre o que passa, e prestaria essa informação para o ministério da Defesa, o presidente da República, o Congresso. O próprio Celso Amorim declarou que era uma surpresa enorme para ele o que os militares passaram a fazer a partir de 2019, porque ele não viu nada disso enquanto ministro em 2011-14. Essa é uma informação vital: o próprio ministro não sabia como pensavam os oficiais que o cercavam. Mas uma andorinha só não faz verão. Se houvesse cem civis lá dentro conversando com generais, se compreenderia melhor a cabeça dos militares, e esse tipo de surpresa de 2018 poderia ter sido antecipada, e evitada.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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