Fiscal

2021: flexibilizar teto ou aumentar carga tributária? Samuel Pessôa e Nelson Barbosa fazem suas defesas em webinar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A tarefa de adequar a pressão por aumento de gastos em 2021 atendendo a demandas por despesas que desbordam o limite do teto e incluem as geradas com a pandemia, sem perder uma diretriz fiscal que sinalize ao mercado responsabilidade frente à trajetória da dívida pública, tem desafiado o governo e gerado respostas diversas, quando não polêmicas, entre economistas. Uma amostra desse debate se deu nesta quinta (22/10), em webinar promovido por FGV IBRE e o jornal Folha de S. Paulo, moderado pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian. Nele, dois pesquisadores do IBRE, Samuel Pessôa – que integrou o time de economistas responsáveis por programas econômicos do PSDB –, e Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda do governo de Dilma Rousseff, defenderam seus respectivos pontos de vista para o equacionamento das contas públicas a partir de 2021.

Cada qual parte de um diagnóstico particular de riscos. Barbosa considera difícil respeitar o teto de gastos e reduzir a dívida pública dos estimados 12% este ano para 3% no ano que vem. E identifica mais riscos de descrédito do mercado se a saída for manter o respeito ao teto usando, para isso, artifícios que sejam identificados como pedaladas ou contabilidade criativa – o que já aconteceu com a ideia proposta pelo governo de limitar o pagamento de precatórios. “Tudo indica que várias das medidas relacionadas à pandemia terão que ser estendidas, e o aumento da inflação que está ocorrendo este ano também vai elevar gastos obrigatórios para 2021 – com maior correção do salário mínimo. Então, para cumprir o teto a partir de janeiro do ano que vem, será necessário cortar gastos numa magnitude que talvez seja impossível de cumprir” diz. Para ele, a solução é admitir essa impossibilidade e estruturar um programa de gastos extra teto para 2021 e 2022, que venha acompanhado da discussão de reformas estruturais, indicando a correção das contas públicas durante esse caminho. “O ideal é que se faça uma flexibilização controlada, com autorização do Congresso, para que se possa preservar o essencial e se ajude na recuperação da economia”, diz.

Pessôa, por sua vez, parte da preocupação com o nível de endividamento público e a dinâmica da inflação, com risco real de descontrole nos próximos anos. “A situação está grave e já se reflete no câmbio, na curva, começa a aparecer nos prêmios da LFT. Gostaria de avançar mais rapidamente numa consolidação fiscal”, diz.  Por isso, defende a manutenção do teto de gastos como está, com a possibilidade de aumento temporário de carga tributária, para fazer frente a gastos extras. “Tamanho da carga é uma decisão eminentemente política. O que para mim é claro, como profissional de economia, é que tenho que pensar nas medidas que mitiguem a inflação”, diz. Pessôa considera prematura a ideia de inviabilidade do teto no ano que vem. Para ele, uma redução de 9 pontos percentuais na dívida pública em 2021 não é inviável, dadas as características especiais da alta desse endividamento em 2020, por conta da pandemia. Além disso, acredita em uma forte recuperação da economia no ano que vem. “Ainda temos dois meses este ano, acho que dá para fazer uma transição da demanda pública para a privada com suavidade, e crescer 4% ano que vem, frente a uma queda de 5% este ano. O status quo para mim é manter a emenda constitucional 95, e isso é suficiente para fazer com que cheguemos mais ou menos inteiros ao processo eleitoral de 2022.”

Ambos os pesquisadores consideram essencial observar a direção da economia nos próximos meses, especialmente quanto à evolução da Covid-19 no país, frente ao surgimento de novas ondas de contágio como a observada na Europa. Caso a curva brasileira continue em trajetória descendente, Pessôa considera que é possível pensar no fim do impulso fiscal sem riscos de comprometer o crescimento, e reconduzir a economia para um orçamento que atenda à emenda do teto. Barbosa, por sua vez, reforça a defesa de que o melhor é se antecipar à perspectiva de não-cumprimento e gerar um plano crível e gradual de saída, aceitando um aumento temporário de despesas. “É uma mudança que vai gerar ruído. Já está gerando aumento de câmbio e abertura da curva. Mas interpreto isso também como uma percepção de que a estratégia de manutenção do teto é inviável”, diz. Barbosa admite que o anúncio de uma mudança na âncora fiscal implicará depreciação adicional do câmbio e abertura na curva dos juros de longo prazo. “Mas, se for um plano robusto, as pessoas vão perceber que é factível, a curva volta ao lugar e o dólar vai cair. Como aconteceu em 2002, em 2008/09, 2014/15. Por isso digo que aceitar logo uma proposta de nova meta de gasto, apontando como vai ser cumprido, dará mais chance para que a volatilidade dure menos”, afirma. “Até porque, do outro lado, os ativos brasileiros estão muito baratos. Se o governo conseguir formar um plano crível, essa incerteza atual se dissipa e poderemos ter uma situação mais estável a partir de março.”

Reveja o webinar "O papel do Estado na economia"

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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