“Fintechs e cooperativas devem ampliar seu papel no crédito aos pequenos negócios”

Giovanni Bevilaqua, Sebrae Nacional

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Da mesma forma que o auxílio emergencial foi importante para a população que perdeu sua fonte de renda em meio à pandemia, a ampliação de canais de crédito às empresas em 2020 foi fundamental para a manutenção de muitos negócios abalados pelas medidas de isolamento. O caminho para os empreendedores, entretanto, foi mais atribulado, especialmente por não contar com a mesma tempestividade observada na aprovação da transferência de renda. O Pronampe, que foi o mais bem-sucedido em atender os pequenos negócios – de acordo ao Ministério da Economia, fechou o ano concedendo R$ 37,5 bilhões a 517 mil empresas –, foi aprovado em abril, sancionado em maio e regulamentado apenas no início junho. Em março, já se havia lançado outra linha, o Pese, mas problemas de desenho – como a condicionalidade de ser usado apenas para financiamento da folha de pagamento, e de exigir a manutenção total do emprego por igual número de meses do financiamento – haviam minado a adesão. “Com o alto grau de incerteza registrado no segundo trimestre, era complexo adquirir uma dívida sob esses termos”, diz Giovanni Beviláqua, analista técnico da Unidade de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae Nacional.  O mesmo problema de falta de tempestividade é apontado por Beviláqua como indutor da baixa adesão ao Peac Maquininhas – que tinha como garantia os recebíveis de transações futuras por meio de pagamento digital –, iniciado em outubro e que até meados de dezembro havia movimentado menos de um terço dos R$ 10 bilhões reservados para o programa. “O programa entrou mais tarde do que poderia, e a insegurança sobre o ritmo de retomada voltou a aumentar no quarto trimestre, pois se intensificaram as preocupações em relação a 2021, e de uma nova onda de contaminação com fechamento de negócios. Mas tinha alto potencial, pois a quantidade de pequenos negócios com acesso a crédito no mercado de instituições financeiras é relativamente baixo”, diz, lembrando que esse sistema se aproxima mais da realidade do financiamento dos pequenos negócios. “Cerca de metade dos pequenos negócios brasileiros se financia com fornecedores, com cartão de crédito, pois tem dificuldade de cumprir exigências de bancos, tampouco tem garantias a oferecer. Então o canal das maquininhas é importante, por possuir um conjunto de informações muito valioso sobre a operação desses negócios que não estava disponível para o sistema financeiro”, afirma.

Beviláqua ressalta, entretanto, que outros canais de crédito se fortaleceram em 2020 e poderão ganhar importância em 2021. Além das cooperativas de crédito, que somente entre março e junho ampliaram em 21% a concessão de empréstimos em relação ao mesmo período de 2019 – somando R$ 15,8 bilhões, 13% do total registrado pelo Banco Central nesse período –, o ano ainda marcou um crescimento expressivo das sociedades de crédito direto com autorização para operar no país. Somente em 2020 foram 28, totalizando 41 em dezembro. As sociedades de crédito direto (SCDs), junto às sociedades de empréstimos entre pessoas (SEPs), são os dois tipos de fintechs de crédito que desde 2018 estão regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional. Enquanto as SCDs só podem realizar empréstimos com capital próprio, as SEPs trabalham sob o modelo de operações de crédito entre pessoas, conhecido como peer-to-peer lending. Segundo a Associação Brasileira de Crédito Digital (SBCD) e a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), em apuração feita pelo site UOL, a estimativa é de que essas fintechs, mais os bancos digitais, tenham concedido R$ 10 bilhões em crédito em 2020.

“Essas instituições financeiras não bancárias têm potencial de adquirir uma participação importante na cessão de crédito aos pequenos negócios. Primeiramente, porque já nascem digitais, com processos mais ágeis e menos burocracia. E, principalmente, por ter mais conhecimento sobre os tomadores. É o que a literatura econômica chama de finanças de proximidade. Tal como as cooperativas, essas instituições estão mais próximas de seus clientes”, diz, ressaltando que essas fintechs avaliam a viabilidade de um contrato de forma diferente da tradicional. “Essa diferença pode parecer sutil, mas não é. Nosso sistema de classificação de risco é basicamente um sistema de classificação de garantias, e não de classificação de negócios que possam se desenvolver. Para classificar negócios promissores, é preciso uma utilização muito mais intensiva de informações. Que é o que as fintechs estão realizando hoje. Elas combinam um conjunto de dados um pouco mais voltados à observação do negócio do que simplesmente uma checagem da capacidade de pagamento daqueles empréstimos.”

O analista do Sebrae Nacional considera que uma maior participação das fintechs poderá de fato ampliar o acesso ao crédito para micro e pequenos negócios. Algo a que, afirma, os programas de crédito lançados na esteira da pandemia não necessariamente atenderam. Levantamento realizado por Beviláqua com dados do Banco Central aponta que, ao menos até o terceiro trimestre de 2020, o grande salto no mercado de crédito se mais em termos de valores emprestados do que em quantidade de tomadores de crédito. Esta não havia se alterado significativamente, com exceção de um aumento na camada de empresas de pequeno porte, havendo inclusive queda no grupo de empresas médias. “Quando olhamos os dados com um pouco mais de cuidado, houve pouca variação, principalmente no primeiro semestre. Isso reforça um fato estilizado do mercado de crédito, de que histórico de relacionamento bancário é importante”, diz. “Inclusive no caso do Pronampe, uma hipótese é de que boa parte dessas empresas que conseguiram crédito já eram clientes bancários”, afirma.

Quantidade de tomadores de crédito
mil unidades

Valor médio de operações de crédito – R$
Obs.: Valor Médio PN = média ponderada pelo valor concedido

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: UCSF – SEBRAE NA.

 


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