Especialistas debatem os desafios para uma recuperação sustentável da economia

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A surpresa positiva do PIB do primeiro trimestre de 2021 divulgada pelo IBGE na semana passada acendeu o otimismo do mercado, que passou a revisar para cima as estimativas para a economia este ano – chegando, em alguns casos, a superar os 5%. Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, avalia que o crescimento de 1,2% em relação ao quarto trimestre do ano passado traz a confirmação do sucesso da estratégia do governo na promoção de políticas voltadas à preservação da estrutura produtiva – como o Pronampe e o programa de manutenção do emprego e renda (BEm) –, permitindo a recuperação em V apregoada pelo ministro Paulo Guedes no final do ano passado.

Em webinar promovido pelo Observatório do Federalismo Brasileiro na última sexta-feira (4/6) – com moderação de Flavio Ataliba, secretário Executivo da Secretaria de Planejamento cearense, pesquisador associado do FGV IBRE –, Sachsida afirmou que a diretriz do Ministério é “insistir nas medidas que deram certo”, e na estratégia de consolidação fiscal e pró-mercado que fortalecerão a economia de forma permanente. “Mais importante que o percentual é a qualidade do crescimento. O Brasil está cansado de voos de galinha. É preciso garantir as bases para uma expansão sustentável da atividade”, declarou.  

Sachsida considera que, com foco no compromisso fiscal e manutenção da linha de normalização de política monetária adotada pelo Banco Central, a inflação poderá fechar dentro da meta este ano, ainda que no mercado as previsões apontem estouro. “Com um fiscal ancorado, ancoramos as expectativas”, afirmou.  No curto prazo, outros fatores positivos para a economia brasileira apontados pelo secretário são o cenário internacional, uma alta taxa de poupança doméstica, que pode colaborar para a recuperação do crescimento e do consumo, e a geração de emprego observada nas estatísticas oficiais de mercado de trabalho. Do lado dos riscos, citou a ainda incerta evolução da pandemia e o risco hidrológico, provocado pelo baixo volume de chuvas, que compromete e encarece a geração elétrica. 

PIB do primeiro trimestre de 2021
Variação % t/t-1, com ajuste sazonal, países selecionados


Fonte: IBGE, OCDE e FMI. Elaboração: SPE/ME.

Na perspectiva de longo prazo, Sachsida defendeu que, com as reformas realizadas desde 2019 – como a previdenciária e reformas pró-mercado como o novo marco do saneamento, das agências reguladoras, a nova lei de licitações e de autonomia do BC –, somadas às demais pretendidas pelo governo – como a administrativa, a tributária, e a agenda de privatizações e concessões que inclui a Eletrobras, e o leilão do 5G –,  o país estará bem encaminhado para ampliar a sustentabilidade de seu crescimento, com ganhos de produtividade. “Precisamos aproveitar o bom momento da economia para dar continuidade à agenda de reformas. Insisto: é importante pensar na qualidade da expansão”, disse. Entre os fatores de risco, o secretário mencionou a perda na formação de capital humano provocada pelo impacto da pandemia na educação, e a situação financeira das empresas. “Depois de uma grande crise, empresas queimam garantias. É preciso melhorar a eficiência na alocação das mesmas.”

Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, ressaltou no evento que a característica exógena da atual crise econômica tende a tornar o “religamento” das atividades mais célere, dependendo da maior ou menor capacidade dos países em fazer política de contenção do vírus.  “Crises como a financeira global iniciada em 2018 – que partiu de uma economia artificialmente anabolizada, gerando má alocação de investimento –, não recupera o pico prévio de crescimento”, recordou. Pessôa recordou que nos países asiáticos, que foram competentes em conter o vírus abrindo a economia com muito controle e alta testagem, o que conteve novos focos de contágio, a recuperação econômica em V aconteceu tanto em nível quanto em tendência. “No caso do Brasil, recuamos 11,5% e devolvemos tudo nos três trimestres seguintes”, diz, mas a taxa de crescimento acumulada nos últimos quatro trimestres em relação aos quatro trimestres anteriores permanece abaixo do nível pré-pandemia. O pesquisador associado do IBRE ressaltou a forte heterogeneidade ainda verificada na recuperação brasileira, em que setores mais suscetíveis às medidas de isolamento ainda registram um desempenho muito abaixo do nível pré-crise. “Outros serviços – que abarcam turismo, entretenimento, alimentação fora de domicílio e outros serviços pessoais – ainda está 9,5% abaixo do nível pré-pandemia, e só conseguirá voltar quando o problema sanitário estiver equacionado”, disse.  Preocupação maior para Pessôa é de que uma maior normalização das atividades não aconteça antes do desaquecimento da indústria. “Até agora tivemos uma substituição da demanda de serviços pela de bens duráveis, mas ninguém comprará carro todo mês. Para que a troca de bastão entre indústria e serviços ocorra de forma suave, sem engasgo, é importante que condições sanitárias estejam dadas”, reforçou.

Taxa (%) acumulada nos últimos 4 trimestres contra os 4 trimestres imediatamente anteriores


Fonte: IBGE.

Mauro Benevides, secretário do Planejamento e Gestão do Ceará, apontou que a decomposição PIB do primeiro trimestre pelo lado da demanda demonstra que o consumo das famílias e gasto do governo no campo ainda fechou no campo negativo. “Além disso, a expansão do investimento foi influenciado por fatores como uma formação de estoques que não teremos nos trimestres subsequentes, a importação de plataformas de petróleo (em parte ainda associadas a mudanças no regime aduaneiro Repetro), e o deflator do PIB, que foi a mais de 9%, dando uma inflada na variação nominal.” Benevides também ressaltou o fato de o país contabilizar 14,8 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados.  “Mesmo com a expansão da geração de empregos, é uma demanda grande que ainda não está sendo absorvida. Hoje, temos 63 milhões de pessoas permanentemente endividadas, que não enxergam solução”, completou, indicando que tais elementos puxam o PIB para baixo.

Na perspectiva de longo prazo, Pessôa reforçou a preocupação de Sachsida com o impacto da pandemia na formação de crianças e jovens. “Na média, o setor público educacional brasileiro teve dificuldades de adaptação. E isso deverá trazer efeitos permanentes para sua produtividade e geração de renda”, disse, citando a tendência de maior adoção tecnológica nas atividades produtivas. “Estudo aponta que, nos Estados Unidos, espera-se que o teletrabalho quadriplique em relação ao que era pré-pandemia” afirmou, indicando que esse resultado deve trazer consigo um agravamento da desigualdade. “Provavelmente sairemos da epidemia com uma produtividade maior – o que é raro –, mas também com o agravamento de um problema estrutural fruto de dificuldades na adoção de tecnologias, a começar pela incapacidade do sistema educacional público de se adequar ao ensino remoto.”

Benevides, por sua vez, apontou riscos para o equilíbrio fiscal mencionado por Sachsida como pilar para uma retomada sustentável. Ele ressaltou que o marco fiscal definido na Emenda Constitucional 109 – que também autorizou uma nova rodada de auxílio emergencial – substituiu os gatilhos previstos no teto de gastos por novas regras mais frouxas na contenção das despesas. “Pela EC 109, somente no momento em que governo alcançar tiver 95% da sua despesa obrigatória como proporção da despesa primaria total deverá acionar medidas de contenção. Hoje esse percentual está em 92,7%, e a previsão é de que o limite seja alcançado somente em 2025. É inócuo”, diz. No caso de estados e municípios, Benevides destacou que as decisões de contenção de despesas são facultativas, o que também reduz o impacto da lei. O secretário cearense também mencionou que a contenção da dívida pública prevista até agora é ajudada por medidas pontuais como a antecipação de devoluções do BNDES ao Tesouro (cerca de R$ 62 bilhões este ano) e a disponibilidade de R$ 140 bilhões de fundos constitucionais desvinculados pela EC 109. “É preciso levar em conta essas variáveis para não se encantar com indicadores de curto prazo”, afirmou. Outro ponto ressaltado por Benevides foi o retardo promovido na EC 109 para a tomada de decisão quanto desonerações tributárias, que hoje somam em torno de R$ 308 bilhões. “A emenda dá um prazo de seis meses para se estruturar uma proposta com prazo de oito anos para reduzir as desonerações pela metade, a 2% do PIB, evitando desgastes no curto prazo” citou.

Pessoa afirmou que, em seus cálculos, mesmo que a economia cresça mais, haverá um buraco fiscal de R$ 270 bilhões, cuja cobertura depende de iniciativas voltadas ao aumento da arrecadação, redução do gasto tributário e/ou do gasto público. “Se não fizemos nada disso, a inflação volta e resolve o problema por si”, concluiu.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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