Especialistas debatem o futuro do Legislativo – e do governo – com a eleição dos novos líderes da Câmara e do Senado

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A eleição da liderança nas duas mesas do Congresso se aproxima, e a expectativa em torno do que esperar do trabalho legislativo com os novos presidentes da Câmara e do Senado também aumenta. No Senado, a sinalização do MDB, legenda que possui a maior bancada da casa, de apoiar o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) em detrimento da candidata do partido Simone Tebet (MDB-MS) parece definir o resultado em favor do primeiro. Já na Câmara, a liberdade dada pelo voto secreto abre margem a surpresas na contagem – que hoje dá vantagem ao candidato Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, seguido por Baleia Rossi (MDB-SP) –, mas cujo resultado final ainda depende de mais de uma centena de deputados que não declararam seu voto.

Considerando a artilharia de cada candidato à presidência da Câmara, Carlos Pereira, professor da FGV Ebape, pondera que o nome escolhido pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) está em franca desvantagem. “A despeito do ativismo de Maia na liderança da Câmara, hoje ele é um lame duck (expressão usada nos EUA para definir políticos em fim de mandato e com pouca força política) no Legislativo, não tem o que ofertar aos parlamentares pelo voto em Baleia Rossi, enquanto o Executivo lança mão do amplo arsenal a seu dispor, de verbas a cargos”, comparou, nesta quinta-feira (28/1) no webinar A Sucessão na Câmara e no Senado, promovido pelo FGV IBRE e pela Folha de S. Paulo, moderado pelo repórter especial do jornal Fernando Canzian.

Para o cientista político, essa negociação declarada do governo faz parte de uma busca por alinhamento Executivo-Legislativo que é regra desde a redemocratização, e que nesse caso sinaliza certo aprendizado do presidente em relação aos ditames institucionais do presidencialismo multipartidário. “Não ter figuras-chave no Congresso torna a governabilidade mais onerosa e vulnerável a intempéries”, disse. O que pode ser ilustrado com as exceções à regra desse alinhamento, como a de Fernando Collor (então PRN) com Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), e de Dilma Rousseff (PT) com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ambas sem final feliz para os presidentes. Pereira ressaltou, entretanto, que “o alinhamento entre os dois poderes não significa, necessariamente, um arrefecimento da ação do Legislativo contra o domínio do Executivo”, citando o caso do governo Fernando Henrique Cardoso tendo seu colega de partido, Aécio Neves (PSDB-MG), à frente da Câmara. “Em 2001, foi aprovada a limitação de reedições de medias provisórias, uma das principais reformas constitucionais que restringem a atuação do presidente”, citou.   

“O alinhamento entre os dois poderes não significa, necessariamente, um arrefecimento da ação do Legislativo contra o domínio do Executivo” – Carlos Pereira

Sobre o receio de que uma vitória de Lira signifique uma blindagem direta a medidas entre CPIs e pedidos de impeachment, que ameacem a governabilidade do presidente e seu caminho à reeleição, ou a volta de uma pauta de costumes que embarreire o caminho de reformas econômicas, Pereira reforçou que não considera um alinhamento sinônimo de subserviência. “Esse tema tem preocupado a opinião pública, e também a ciência política. Mas é fundamental observar o grau de institucionalização das regras do jogo, bem como do grau de profissionalização do Legislativo. Nesses aspectos, o Brasil não sai mal na fita”, afirmou. Como exemplo, Pereira citou o baixo nível de rotatividade no Legislativo nacional, que se igualda ao do Chile, em que a taxa de reeleição gira em torno de 70%, muito acima da Argentina, em que esse percentual não supera os 20%. “Um Legislativo como esse não é dominado facilmente por uma conjuntura de alinhamento”, afirmou.

Para Samuel Pessoa, pesquisador associado do FGV IBRE, o maior desafio para os futuros líderes do Congresso será equilibrar a demanda por mais gastos com uma sinalização de responsabilidade fiscal que ancore as expectativas de mercado. Pessoa citou a necessidade de se equacionar um déficit de 4% do PIB, calculado pelo FGV IBRE descontadas questões conjunturais, como a pandemia. “Calculamos que o déficit primário setor público ajustado à posição cíclica é de 1% do PIB. E precisamos de um superávit de cerca de 3%, dado o tamanho da dívida. Daí chegamos a um buraco fiscal de 4%. Esse problema está conosco, com nuances, desde 2014, e é a questão mais importante que envolve a sociedade”, afirmou. A dúvida é como governo e Legislativo lidarão com esse tema, somado à pressão de novos pacotes de ajuda, como o auxílio emergencial. Pessoa defende a necessidade de se encontrar uma forma civilizada de arbitrar esse conflito – leia-se, sem inflação. “Pode ser por aumento de impostos, redução de gastos, ou redução de subsídios e gastos tributários. Essas são as alternativas, e a política terá que arbitrar para reduzir esses 4% do PIB, ou cerca de R$ 300 bilhões”, diz.

“Parece que Bolsonaro está reproduzindo o roteiro de FHC e Dilma, de empurrar o desequilíbrio fiscal com a barriga no primeiro mandato para se reeleger e tratar do tema no segundo” – Samuel Pessoa

No evento, o pesquisador do IBRE não se mostrou otimista, entretanto, de que mesmo um alinhamento Executivo-Legislativo a partir da próxima semana, que deverá vir acompanhado de mudanças no governo, convirja em uma frente de trabalho focada nesse ajuste. “Bolsonaro foi eleito em nome da antipolítica e de uma agenda conservadora, e não para ser árbitro dessa renegociação”, disse. Prova dessa falta de prioridade, para Pessoa, foi o governo ter desperdiçado a possibilidade de votar uma PEC Emergencial junto à reforma da Previdência, lembrando que nesse momento já existia uma proposta de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). “Estava tudo pronto e o Congresso tinha vontade de tocar essa agenda. Mas o Ministério da Economia decidiu apresentar depois aquela penca de PECs – Emergencial, dos Fundos e do Pacto Federativo –, e ficou difícil de ler quais as prioridades”, afirmou.

E a excepcionalidade da pandemia, disse Pessoa, pode ajudar Bolsonaro a ganhar tempo e jogar essa agenda reformista para diante. “Parece que Bolsonaro está reproduzindo o roteiro de FHC e Dilma, de empurrar o desequilíbrio fiscal com a barriga no primeiro mandato para se reeleger e tratar do tema no segundo”, afirmou – lembrando que enquanto FHC conseguiu realizar o ajuste pretendido em 1999, Dilma não foi bem-sucedida e acabou sendo afastada. “Se conseguir empurrar a situação até 2022, e tentar algum ajuste em 2023, estará repetindo ciclo políticos anteriores. Só não sabemos como poderia acabar”, disse Pessoa. A arte, para este ano, será como empurrar com a barriga sem piorar instantaneamente a credibilidade de compromisso com a trajetória da dívida e a solvência do país. Para ele, a forma de Bolsonaro conseguir passar por 2021 e tentar essa estratégia é separando o conjuntural do estrutural, respeitando o teto de gastos. “Seja com crédito extraordinário que permita uma extensão do auxílio emergencial porque a conjuntura demanda, e aprovando um projeto de lei orçamentária anual careta, mas que consiga sustentar a PEC 95 em pé”, afirmou.

“A sobrevivência do presidente no poder está assegurada pela aproximação do Centrão, mas as perspectivas eleitorais são remotas” – Marcus Melo

Mas se de um lado a epidemia, contando a segunda onda, pode dar fôlego a Bolsonaro para que se mantenha até 2022 sem ter de vestir o chapéu reformista, de outro a avaliação popular quanto à condução das medidas de combate à Covid-19 pelo governo pode restar musculatura ao presidente em sua corrida eleitoral de 2022, avalia Marcus Melo, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. “O auxílio emergencial mitigou perdas reputacionais. A questão é se isso pode ser reproduzido este ano ou não”, afirmou, no evento.

Para Melo, daqui adiante a vacinação concentrará o foco das preocupações relacionadas à pandemia, e o reflexo desse processo na popularidade futura do presidente ainda é uma incógnita. Ele pondera que, por mais que o governador João Doria (PSDB-SP) tenha ganhado pontos neste início do caminho – ao liderar a corrida da imunização com a Coronavac, fruto da parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac Biotech –, corre-se o risco de, no início de 2022, quando as mortes por Covid-19 deverão ser reduzidas e ao menos a população mais velha deverá estar vacinada, o Governo Federal levar o crédito final.  “Mas o buraco em que Bolsonaro se meteu, pelo conjunto da obra, é tão grande que, mesmo considerando aqueles 40% da população que presta pouca atenção ao que se passa na política, acho que é de difícil reversão”, disse Melo.  Ao conjunto da obra, o cientista se refere a questões como a ambiental e de relações exteriores. “Se observar bem, ministros como Ricardo Salles já não aparecem. E este especificamente tenderá a se esconder ainda mais com a equipe que o presidente Joe Biden colocou para tratar do tema ambiental”, afirmou. Para o cientista político, ao se analisar o futuro do presidente, é preciso separar sobrevivência de reeleição. “A sobrevivência está ligada a blinda-lo de um impeachment, dado o conjunto de escândalos que envolvem seu nome. Nesse sentido, a aproximação com o Centrão claramente produz ganhos de sobrevivência e governabilidade. Quando se trata de eleição, entretanto, Bolsonaro foi eleito de uma forma que nada da cartilha tradicional importou: nem coalizão, nem tempo de TV, nem financiamento”, afirmou Melo, indicando que sua vitória em 2018 foi individualizada, e que provalmente em 2022 seu potencial ainda se concentrará na persona Bolsonaro pós-pandemia.  “A sobrevivência do presidente no poder está assegurada pela aproximação do Centrão, mas as perspectivas eleitorais são remotas”, calcula Melo.

Reveja o webinar A Sucessão na Câmara e no Senado 

Sobre esse tema, leia também:

- Entrevista com o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES): “A questão não é quem vai ser o presidente da Câmara, mas o que será o governo em 2021 e 2022”

- Entrevista com Carlos Pereira: “Bolsonaro defenderá uma agenda de costumes que o reconecte com o núcleo conservador, fundamental para suas ambições eleitorais”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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