Em webinar, pesquisadores do IBRE detalham o cenário econômico que esperam para o Brasil em 2021

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A eleição de Joe Biden nos Estados Unidos e o anúncio de que a vacinação contra Covid-19 começa este ano em vários países levou euforia aos mercados financeiros, que superaram as preocupações sobre a nova onda de contágio. No Brasil, esse ânimo se refletiu em um mês de novembro também positivo, com dólar em queda (-6,8%), juros longos menos sensíveis ao cenário fiscal, e a volta do investidor estrangeiro ao país, com uma entrada líquida de US$ 33 bilhões na B3 – restando US$ 51 bilhões para cobrir a retirada ocorrida no acumulado do ano. O que se somou às boas notícias das Contas Nacionais para o terceiro trimestre, com o país registrando um crescimento de 7,7% em relação ao trimestre anterior.

No webinar do IV Seminário de Análise Conjuntural – promovido pelo FGV IBRE em parceria com O Estado de S. Paulo, com moderação da editora-executiva do Broadcast do jornal Silvia Araújo –, pesquisadores do IBRE analisaram em que medida esse conjunto notícias pode ser farol da retomada da economia real no Brasil e no mundo em 2021. 

Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV IBRE, o otimismo observado nos mercados financeiros nas últimas semanas indica que estes já identificam a recuperação econômica no horizonte, mas que estão pouco atentos aos obstáculos que ainda persistem no caminho até a linha de chegada. Não que faltem motivos para essa reação positiva que, lembra Senna, conta com estímulos adicionais, como a injeção de liquidez do FED e demais bancos centrais dos países ricos. “A euforia é perfeitamente justificável. Mas ter a vacina é diferente de ter um percentual expressivo da população inteiramente vacinada, e a vida mais próxima da normalidade”, disse.  Outro fator problemático apontado pelo ex-diretor do Banco Central brasileiro é o fraco dinamismo que as economias avançadas demonstravam antes mesmo da pandemia, refletido em PIBs modestos e inflações baixas. “Além disso, estamos perdendo todo o impulso fiscal original, pois não há país no mundo que não terá que reduzir o desembolso em gasto público no ano que vem”, afirmou, ressaltando que a pandemia deixou uma cicatriz de incerteza, agravada agora pela segunda onda de contágio. Ao que ainda se soma o desafio estrutural do mercado de trabalho, o maior de todos para Senna. No evento, ele destacou o caso dos Estados Unidos, país que nos últimos meses registra um arrefecimento no ritmo de recuperação do emprego. “No Brasil, as questões para a retomada não são diferentes; o que difere é sua magnitude”, afirmou. 

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, apontou que o maior desafio para a recuperação do emprego tem se dado no campo informal. Silvia comparou o atual perfil de recuperação com o da recessão passada, quando a geração de vagas aconteceu especialmente no setor informal. “Desde o final da recessão, em 2016, foram três anos de crescimento do emprego informal acima do formal em termos reais, com pouco aumento da renda do trabalho e baixa produtividade”, disse, desenhando o mesmo diagnóstico dado por Senna, de um problema estrutural anterior à Covid-19, mas acentuado pela pandemia. “A pandemia eliminou 13 milhões de postos de trabalho, dos quais 7,5 milhões informais – sem carteira assinada, ou conta própria sem CNPJ. Até agora, dos 4 milhões de postos recuperados, a maioria está no setor formal”, afirmou. Silvia apontou que a estrita relação da informalidade com o setor de serviços – mais prejudicado com a pandemia – justifica essa baixa recuperação de vagas sem carteira assinada. “Quando analisamos o resultado do PIB até aqui, vemos alguns setores, até crescendo em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Mas não é o caso de segmentos como outros serviços, ou transportes. Para ilustrar, se tomarmos a categoria de serviços prestados às famílias na última Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), veremos que ainda está 36% abaixo do nível pré-crise. Falta muito para recuperar”, afirmou. Outro exemplo dado pela pesquisadora foi o do segmento da construção. “A maior reação é observada na venda de materiais; já a recuperação do PIB do setor, bem como do emprego, ainda não veio tão forte”, diz.  

Silvia indicou preocupação que o aumento do contágio de Covid-19 no Brasil desacelere ainda mais essa recuperação. “Pesquisa nos estados Unidos demonstra que nas localidades onde há aumento do número de mortos, a demanda por serviços se reduz mesmo sem medidas oficiais de restrição”, disse. Outra pesquisa citada por Silvia foi uma série especial realizada pelo setor de Sondagens do IBRE em outubro, que buscou saber as principais causas de postergação de uma compra pelo consumidor, e que apontaram em sua maioria preocupações relacionadas ao medo de contágio. Para a coordenadora do Boletim Macro, essa tendência poderá arrefecer o potencial de consumo das famílias de renda mais alta que acumularam poupança nos meses de isolamento mais rígido, e que nos próximos meses poderiam ajudar a manter a economia aquecida, voltando a gastar com serviços que antes estavam restritos. “Ente os mais pobres, por sua vez, o desemprego e a perda do auxílio emergencial também servirão de obstáculos para o consumo”, afirmou, lembrando ainda o impacto da inflação dos alimentos no poder de compra desse grupo. 

No webinar, Silvia divulgou que a estimativa do IBRE do PIB para este ano é de -4,7%, e um crescimento de 3,6% em 2021. “Esperamos uma desaceleração do crescimento no quarto tri, para 1,3%, e até uma ligeira contração do PIB no primeiro trimestre do ano que vem”, disse, ressaltando o momento de incerteza em relação à dinâmica da pandemia e a velocidade da vacinação no país. “Se tudo der certo, no segundo semestre do ano podemos ter desempenho melhor, mais próximos da normalização de serviços e do mercado de trabalho. Este cenário contempla uma não desancoragem das expectativas questão fiscal, pese as dificuldades. Agora estamos fechando relativamente bem, deixando carregamento estatístico. Se não tivermos crescimento na margem em todo o período de 2021, PIB crescerá 2%. Três e pouco patamar baixo comparado às perdas observadas este ano. Precisava crescer mais.

Armando Castelar, coordenador da Economia Aplicada do FGV IBRE, ressaltou a dificuldade de se traçar prognósticos econômicos em um contexto tão dependente da saúde pública. O que dá margem, afirma, à construção de duas ideias opostas sobre o que será o futuro. “A primeira é pessimista, e faz sentido porque vivemos uma segunda onda de pandemia, que no Brasil vem ganhando ritmo”, disse. Mas destacou que há outra que deve ser considerada, que advém da boa perspectiva das economias desenvolvidas em obter imunidade coletiva no final do primeiro trimestre de 2021, e as implicações dessa conjuntura para o Brasil. “A projeção para o PIB mundial para o próximo ano é de 6%, quase o dobro do que o mundo vinha registrando pré-pandemia. A China deverá crescer 10%, acima de onde estava no fim de 2019. Isso poderá significar preços de commodities – como cobre, minério de ferro, petróleo – lá em cima”, disse. “O dólar vem caindo, e a maioria dos analistas diz que tem espaço para cair mais, e isso poderia ajudar a manter os preços commodities em alta, o que é bom pra gente”, defendeu, somando a isso o regresso de investidores estrangeiros ao país registrado em novembro. “Foi impressa uma quantidade gigantesca de dinheiro pelos bancos centrais de países ricos, que agora começaram a chegar nos emergentes. Antes só saia, não chegava, e isso pode ter mudado.” Para Castelar, existe uma possibilidade de o Brasil reviver, em menor escala, o contexto internacional observado no governo Lula, “e que explicou muito do que aconteceu aqui dentro”. “Podemos discutir que aquele governo teve uma política fiscal mais conservadora, ampliou o superávit primário em 2003, o que é relevante. Mas a discussão cíclica de 2021 pode ser positiva. Os bancos centrais manterão juros baixos por bastante tempo ainda. E precisamos ver o que pode acontecer com essa gigantesca poupança que empresas e famílias juntaram em 2020 – saindo de 13,7% no terceiro trimestre de 2019 para 17,3% este ano. Se vão gastar ou não, depende da vacina. Teremos que aguardar”, afirmou.

Ainda que esse sopro de otimismo tenha suavizado a tensão sobre a situação fiscal do país, os economistas do IBRE ressaltaram a importância da retomada da agenda de reformas que colaborem à adequação dos gastos públicos ao orçamento e disciplinem a trajetória da dívida pública. “Fazer ajuste fiscal é difícil, mesmo quando se está firmemente empenhado em fazê-lo. Quando não há empenho, é impossível”, disse Senna, lembrando que a falta de mobilização em torno do tema tem gerado incerteza e desânimo. “Nossa prioridade hoje é conter o risco de crescimento das despesas obrigatórias, indiscutivelmente. O ponto é que não dá para fazer uma reforma só e conseguir isso. É preciso frear nas quatro rodas, atacar várias frentes, que sejam abrangentes e consigam segurar esse aumento”, defendeu. Silvia, por sua vez, apontou o avançou do debate em torno da PEC Emergencial positivo, desde que se foque em consolidar instrumentos para controle de gastos na iminência de estouro do teto, e não para flexibilizá-lo. “Temos que pensar em gatilhos, na redução de subsídios – que representem um custo fiscal altíssimo, de 4% do PIB e não gera ganhos de produtividade”, afirmou.

Castelar, por sua vez, defendeu que a mais importante reforma do governo neste momento é a de comunicação. “O teto de gastos é fundamental, é âncora. Mas tem que ter discurso”, disse. “É preciso que o governo seja capaz de construir uma narrativa positiva sobre o que vem pela frente. O que aconteceu em novembro é fantástico, mas tudo veio de fora para dentro. Não houve uma vírgula de contribuição dele”, afirmou Castelar. “Se o governo continuar com elevada entropia, seja na discussão mais ampla, seja na discussão econômica, sem uma ideia clara do que vem pela frente, penalizará essa recuperação cíclica da economia.”

Reveja o IV Seminário de Análise Conjuntural

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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