Em webinar, pesquisadores defendem foco no controle de gastos para ajudar o BC a conter a inflação

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em junho passado, quando os pesquisadores do FGV IBRE se reuniram no webinar trimestral para analisar a conjuntura macroeconômica, o cenário para a recuperação brasileira era de otimismo, ainda que moderado. Com o PIB do primeiro trimestre surpreendendo positivamente, a vacinação contra Covid-19 se acelerando e a previsão do mercado para o IPCA de 2021 ainda abaixo de 6%, esperava-se um segundo semestre de retomada e uma virada de ano positiva para o governo. Se em 2022 a pandemia já fosse olhada pelo espelho retrovisor - aliviando questionamentos sobre a gestão da crise sanitária - e se comprovasse uma maior folga orçamentária, o governo estaria em boas condições para passar o ano eleitoral com margem para aumento de despesas respeitando o teto de gastos, com uma economia mais próxima da normalização. 

Mas fatores como crise hídrica e tensões políticas - ambos combustíveis para o processo inflacionário - mudaram os matizes do cenário traçado no III Seminário de Análise Conjuntural, promovido dia 9/9 pelo FGV IBRE em parceria com o Estado de S. Paulo, moderado pela repórter especial do jornal Adriana Fernandes. Ainda no calor do polêmico 7 de setembro, o debate foi marcado pela piora das projeções macroeconômicas para 2021 e 2022, como apontou a coluna Em Foco, a preocupação com o aumento do mal estar entre os Poderes, além das expectativas quanto ao encaminhamento do quadro fiscal, frente a definições como a do futuro do Bolsa Família e do Orçamento de 2022. Entre as mensagens deixadas pelos economistas, a mais urgente foi a de foco no controle de gastos para ajudar o BC a conter a inflação e a piora das expectativas. 

“Tivemos um bom primeiro trimestre por motivos que não se repetirão para frente. Dado o que já aconteceu no segundo trimestre, hoje temos um carry-over para o restante do ano de quase 5%”, destaca José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, lembrando que a estimativa atualizada do FGV IBRE para o PIB de 2021 é de 4,9% - contra 5,2% previstos no Boletim Macro de agosto. “As estimativas de crescimento em geral indicam comportamento na margem muito pobre. E, quando olhamos 2022, a história se repete: estamos falando de um crescimento estimado em torno de 1,5%, praticamente metade disso já é um carry-over. As dificuldades de crescimento são gigantes”, ilustra. 

“Para este semestre, o que teremos é o chamado crescimento quase automático, que não é novo”, ilustra Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do IBRE, citando o espaço de normalização ainda pendente em alguns setores. Um exemplo é o setor de outros serviços, que no segundo trimestre ainda registrou desempenho 7% abaixo do patamar pré-pandemia, do último trimestre de 2019. No agregado, Silvia avalia que o resultado do PIB no segundo trimestre esteve alinhado às expectativas. “A crise hídrica intensificou a piora no setor agropecuário, e a desaceleração natural da indústria com a retomada gradual do setor de serviços também foi acrescida de problemas na cadeia de suprimentos”, lembra. Mas nada, diz, que fuja das estimativas. Para o terceiro trimestre, Silvia aponta uma fotografia semelhante: agropecuária e indústria com desempenho negativo, e serviços se recuperando. “As Sondagens do FGV IBRE mostram que os serviços prestados às famílias devem mostrar bom desempenho”, ressalta.

Crescimento em relação a 4T19

Fonte: FGV IBRE com dados do IBGE.

A economista apontou a tendência de o mercado de trabalho voltar a um padrão de alta informalidade, depois da queda mais acentuada do emprego informal em 2020 - de 12%, contra 4% do formal. A estimativa do IBRE é que a taxa de desemprego feche este ano em 14%, e em 13% em 2022. “Ainda estaremos além dos 12% observados antes da pandemia, que já eram altos”, lembra Silvia. “Também é preciso lembrar que, mesmo com a retomada do emprego, olhando do ponto de vista da massa ampliada de rendimentos, a queda ainda é forte, expondo o quadro de fragilidade vivido por muitas famílias brasileiras”, diz Silvia, o que implica, de um lado, demanda por políticas sociais e, de outro, queda na capacidade de consumo, motor importante para o PIB.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, lembrou no evento que o cenário externo não deverá trazer desafios para o Brasil no curto prazo. “Apesar dos casos de Delta na Ásia e da preocupação com o inverno no hemisfério Norte, ninguém prevê uma onda grave de contágio de Covid-19 para frente. Mas a perspectiva é de que a reversão da pandemia para endemia, e o aprendizado para se conviver com esta, ainda leve a uma redução parcial e muito gradual das políticas de estímulo monetário”, afirma, citando recentes sinalizações dos BCs europeu e americano nesse sentido. “As mudanças previstas estão dentro do que se imaginava, e não vão alterar o fato de que 2022 continuará sendo um ano de mercado globais interessantes para emergentes, com juros baixos.”

O problema maior, reforçam os economistas, está no campo doméstico, no espiral daninho de desancoragem inflacionária e incerteza fiscal e política, com impacto direto na perspectiva de crescimento para 2022. “Já não tínhamos uma visão positiva para o próximo ano, mas o quadro não era tão dramático como estamos vendo agora”, diz Silvia, indicando que, com a deterioração das condições macroeconômicas e políticas, o viés para o PIB de 2022 é de baixa. Ela lembra que, além de comprometer ainda mais o poder de compra da população, a persistência inflacionária reduziu a diferença prevista entre IPCA e INPC - o resultado do primeiro, até junho,  reajusta o teto de gastos, enquanto o INPC do ano reajusta gastos sujeitos ao teto, como os previdenciários. Esta promoveria um espaço fiscal que em julho foi calculado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) de até R$ 47,3 bilhões, levando em conta uma inflação de 5,7% no final do ano. Nas estimativas do IBRE, esse número saltou para 8,6%, e a previsão para o INPC é de  9,1%. “A folga fiscal agora caiu para baixo de R$ 10 bilhões, e isso já levando em conta uma renegociação do pagamento de precatórios”, afirma Silvia. Parte dessa pressão inflacionária vem da crise hídrica, cujo agravamento também poderá comprometer diretamente a atividade, como apontou o economista Gabriel Barros em conversa com o Blog

Brasil: pressão de preços aumenta
(evolução das projeções Focus)


Fonte: Banco Central.

Mas é na frente cambial - sensível ao cenário de riscos - que os economistas apontam a evidência de desarranjos que precisam ser contidos. “O que o BC está fazendo na taxa de juros era para levar o câmbio a um patamar muito mais confortável com apreciação do real. Isso chegou a acontecer em março, mas depois degringolou”, descreve Senna, reforçando a mensagem dada no recente Seminário de Política Monetária, de que a convergência da inflação à meta só será possível com a cooperação do governo como um todo. “Veja, a taxa de juros do Brasil de longo prazo, para 2050, já está raspando os 5%. Essa alta aconteceu nos últimos dois meses. O acontece com nossas condições financeiras quando vemos esse tipo de movimento? Ficam mais apertadas e atrapalham a atividade econômica. Ou seja, não é só o impacto direto da crise política nos preços de modo geral. É também aumento do custo de combater a inflação”, afirma, insistindo na necessidade de o governo colaborar para que o BC atinja seu objetivo.

Silvia reforçou a defesa de que o combate à inflação deve ser priorizado, lembrando que o IPCA já alcançou os 10% em 12 meses. “E a forma de fazer isso é garantir uma gestão adequada do fiscal. Temos novas demandas sociais a atender. Se buscarmos atalhos para ampliar gastos com emendas, aprovar uma reforma de imposto de renda com redução de arrecadação para 2022, o dólar vai a R$ 6 e pressionará preços”, diz. “Precisamos achar um caminho do meio: não retirar todos os precatórios do teto, acionar gatilhos, para conseguir o espaço fiscal necessário.”

No evento, Castelar expressou a preocupação de que o evento de 7 de setembro, marcado pela afronta direta do presidente ao Poder Judiciário, posteriormente retratada com a ajuda do ex-presidente Michel Temer, tenha elevado o nível de incerteza de forma irremediável. Para ele, o foco de Jair Bolsonaro em manter-se na Presidência antecipou o horizonte de 2023 na formação de expectativas, sob um contexto em que os dois nomes mais mencionados nas pesquisas eleitorais são questionados por sua posição quanto à gestão dos gastos: Bolsonaro, pelo atual manejo da área; e Lula, por suas críticas ao teto de gastos. “O cenário de juros passará a refletir uma complicada equação que passa por ter dois candidatos com chances de abandonar a âncora, que foi a grande responsável - ainda que não a única, pois recessão a ajudou -, para ajudar a levar os juros para baixo”, diz. Castelar, Ele recorda o episódio da JBS em 2018, que comprometeu a condução política do restante do mandato de Temer, a partir do qual as expectativas do mercado financeiro passaram a ser referidas pelas eleições. Naquele contexto, a visão de um candidato a ministro da Fazenda liberal, o “posto Ipiranga” a quem o então candidato Bolsonaro expressava total apoio, colaborou para a acomodação das expectativas. “Antes da eleição de 2018 tivemos ativos financeiros melhorando, câmbio voltando, pois essa sinalização de que o atual presidente teria uma proposta serviu de âncora.” Sem uma perspectiva no radar de curto prazo, o melhor a fazer, defende Castelar, é segurar gastos, respeitar o teto e ajudar o BC a conter a inflação. 

Reveja o III Seminário de Análise Conjuntural

 


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