Em webinar, OCDE reforça defesa por reformas estruturais feita no relatório bianual dedicado ao Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Esta semana, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou seu relatório bienal sobre o Brasil, no qual faz uma ampla análise sobre a economia brasileira e aponta suas projeções par ao PIB do país até 2022. Nesta edição, o documento reforçou os desafios que o país enfrenta no campo fiscal, acentuado pelas medidas de apoio ao enfrentamento do novo coronavírus, defendeu políticas que beneficiem o ambiente de negócios do país para aumentar a produtividade da economia, bem como a importância deum reordenamento das políticas de assistência social do país, para que possam atender melhor à camada mais pobre da população.

Em webinar de apresentação do relatório promovido na quinta (18/12) pela FGV EPGE e FGV IBRE, Jens Arnold, chefe da Seção Brasil do Departamento de Economia da OCDE, ressaltou a difícil tarefa que o país terá em 2021 para equilibrar uma economia ainda em recuperação com a sustentabilidade fiscal, mas lembrou que as medidas adotadas pelo país antes da pandemia já colaboraram para um cenário de forte redução de taxas de juros, um dos principais ativos que o Brasil conta hoje para sua retomada. Para mantê-lo, defendeu Arnold, é preciso que o país preserve o teto de gastos e invista em reformas que reduzam as despesas obrigatórias. “Hoje, o tamanho das despesas obrigatórias no orçamento deixa pouco espaço para a política fiscal. Até agora, as medidas de ajuste se concentraram nas despesas discricionárias, comprometendo o investimento público. Mas daqui para frente será impossível garantir a sustentabilidade das contas fiscais sem uma mudança no campo dos gastos obrigatórios”, declarou.  

Uma das frentes defendidas por Arnold foi a reforma administrativa – sobre a qual o Blog da Conjuntura conversou recentemente com a especialista Ana Carla Abrão. Outra frente defendida pelo executivo da OCDE para a abertura de espaço orçamentário foi a redução de subsídios, desonerações e outros gastos tributários. “No Brasil, eles representam 5% do PIB, quase o mesmo que se gasta em educação. Iniciativas de redução de subsídios financeiros, como a mudança da taxa de juros aplicada em contratos com o BNDES (TLP), já foram positivas, mas há outros elementos de crédito direcionado, como o habitacional e o rural”, citou, referindo-se ainda ao peso do tratamento tributário para as empresas integrantes do Simples, cujo teto para participação – faturamento anual bruto de até R$ 4,8 milhões – considera alto, beneficiando camadas de mais alta renda à custa da parda de ingressos fiscais.

José Féres, professor da FGV EPGE, destacou a preocupação ambiental revelada pela da OCDE neste novo relatório, refletida em sugestões de calibragem de incentivos econômicos também por esse viés. No caso do crédito rural, por exemplo, aponta que a decisão por manter subsídios poderia se justificar se fosse acompanhada de contrapartidas ambientais. “Outra sugestão é a revisão do imposto territorial rural (ITR), casada a medidas de desincentivo ao desmatamento”, disse. No webinar, moderado pelo coordenador da Economia Aplicada do FG IBRE Armando Castelar, Féres defendeu que esses instrumentos são importantes como enforcement da legislação ambiental, mas que para serem efetivos precisam passar por uma revisão mais detalhada dos parâmetros e métricas usados nas políticas atuais. “Hoje, por exemplo, os parâmetros de produtividade do setor agrícola têm como base a produtividade dos anos 1980, ignorando a incorporação de tecnologia que se observa de lá para cá. Isso permite que até negócios ineficientes do ponto de vista produtivo e ambiental recebam benefícios”, afirmou.

Além da redução de gastos obrigatórios, Arnold também destacou a necessidade de uma revisão de despesas visando a uma alocação mais eficiente de recursos, apontando especialmente o campo das políticas sociais. Ele ressaltou a necessidade de ampliação do Programa Bolsa Família, defendendo que seu financiamento se dê pela readequação das políticas menos progressivas (ver gráfico). “Hoje os gastos com o Bolsa Família representam apenas 0,5% do PIB, mas o programa pode ser a base para uma nova política, ampliando o valor do benefício e os critérios de entrada. Outro ponto importante seria dar mais agilidade ao programa. Quando uma pessoa perde o emprego, precisa de apoio na semana seguinte, não três meses depois”, afirmou, ressaltando o alto percentual de trabalhadores informais no Brasil, que não possuem nenhuma proteção quando perdem sua fonte de renda. Entre as medidas defendidas pela OCDE ainda está a desvinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo que, aponta Arnold, poderia permitir uma readequação das políticas que mitigasse a alta concentração da pobreza nas camadas mais jovens da população.

Transferências governamentais por faixa de renda

Fonte: SEAE (2017), com dados da PNAD 2015.

O novo relatório da OCDE também reforça a importância de medidas que melhorem a produtividade da economia brasileira, casando duas frentes: uma melhora no ambiente de negócios que incentive o crescimento de empresas mais competitivas, e da educação e capacitação de pessoas, garantindo o casamento entre oferta e demanda por trabalho mais qualificado. Tal como apontado no webinar sobre produtividade promovido por FGV IBRE e O Estado de S. Paulo  Arnold destacou que o fim do bônus demográfico brasileiro torna o desafio do crescimento econômico ainda mais dependente da produtividade. Nesse campo, o executivo da OCDE colocou a importância de uma reforma tributária, bem como da abertura comercial, ressaltando a importância desta para o acesso a bens de capital e insumos, bem como para o aumento da concorrência, mitigando a proteção a empresas pouco produtivas. “Estudos mostram que empresas localizadas em regiões mais expostas à abertura comercial registram aumento da demanda por trabalho de alta e média qualificação”, disse. O outro lado desse desafio, apontou Arnold, é uma melhora da qualidade do ensino, bem como dos programas de qualificação profissional, que colaborem para a realocação de trabalhadores que perdem seus empregos no processo de reestruturação produtiva provocado pela abertura. No caso do Brasil, Arnold defendeu a necessidade de adequação da oferta de cursos com as necessidades das empresas, indicando que no caso do Pronatec, o único braço do programa com resultados efetivos, o Supertec, partia desse princípio.  “Infelizmente, a maior parte do Pronatec não seguiu esse padrão de alinhamento com a demanda das empresas, e o resultado foi quase nulo”, disse.

Envelhecimento reduz potencial de crescimento da economia brasileira

Fonte: OECD (2017), OECD Economic Outlook (database).

Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, apoiou o diagnóstico do relatório da OCDE sobre a má alocação dos fatores de produção verificada no país, promovida em grande parte pela sobrevivência de empresas pouco produtivas. E reforçou o imperativo de se desenhar a recuperação econômica levando em conta ganhos de produtividade, que serão os indutores da sustentabilidade desse crescimento. No webinar, Veloso apontou que o alto nível de incerteza observado hoje no país é uma determinante adicional à baixa reação da produtividade brasileira por inibir o investimento, seja em máquinas, seja em tecnologias que tornam a gestão mais eficiente. Ele lembrou que o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-BR) calculado pelo FGV IBRE atingiu seu pico histórico com a Covid-19, e ainda não voltou ao patamar pré-pandemia. “Vamos terminar o ano com a relação dívida/PIB superando os 90%, e na direção de alcançar os 100% nos próximos anos. Há vários projetos no Congresso voltados a lidar com essa situação, mas que não avançam”, apontou, reiterando a necessidade de se enfrentar a revisão de despesas induzida pelo teto de gastos para desanuviar o horizonte do país e incentivar a produtividade da economia.

Reveja o Webinar | Acelerando as Reformas Econômicas: Relatório OCDE Brasil 2020

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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