Em webinar, economistas debatem sustentabilidade do crescimento brasileiro a partir de 2022

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Com as estimativas de crescimento do PIB de 2021 sendo revisadas para cima, e os setores mais comprometidos pelas medidas de isolamento com a pandemia retomando suas atividades, a questão que permeia o debate econômico – e que foi tema do webinar promovido ontem (21/7) pelo FGV IBRE com a Folha de S. Paulo – é quão sustentável essa recuperação poderá ser. Entre os economistas participantes do debate, as visões se intercalaram entre mais e menos otimistas, tendo como ponto em comum a preocupação com a consolidação fiscal.

No evento online, moderado pelo repórter especial do jornal Fernando Canzian, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, destacou que no curto prazo a boa notícia são os sinais de reação do setor de serviços detectados nas últimas sondagens do IBRE. “Os indicadores mostram uma visão mais otimista desses empresários. Nossa estimativa para o PIB do segundo trimestre, entretanto, é de um crescimento mais próximo da estabilidade – dados de maio e números antecedentes de junho apontam para isso – o que implicaria, para 2021, um PIB mais próximo de 5% do que de 6%”, afirmou, indicando que a estimativa do IBRE para o PIB de 2021 é de 5,2%, e que em 2022 este deverá ficar pouco abaixo de 2%. Para Silvia, revisões mais otimistas para este ano ainda dependem da reação do mercado de trabalho, lembrando que a tendência é de uma taxa de desemprego ainda alta, com muitas pessoas que ficaram fora da força de trabalho durante a pandemia voltando a buscar emprego.

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE ressaltou, por sua vez, a preocupação com a inflação. Ele lembra que, numa perspectiva global, o choque inflacionário chegou em ondas, começando com alimentos transacionáveis, seguidos de preços administrados, depois bens industriais transacionáveis, e bens duráveis e semiduráveis. “A última etapa chega com os serviços, conforme são retomados. Isso já aparece nos números dos Estados Unidos e aqui eles começam a entrar na discussão”, afirmou, ressaltando que esse ainda é um vetor importante de alta de preços para este ano. No caso dos preços internacionais, Ribeiro considera que a pressão inflacionária provocada pelo descasamento entre demanda e oferta de produtos, estimulada pelo impulso fiscal e monetário operado por diversas economias, tende a mudar. “Ainda teremos um debate sobre preços altos – com uma variação ainda afetada pela base de comparação do ano passado –, mas com uma redução de velocidade”, disse. Para o economista associado do FGV IBRE, parte dessa desaceleração está associada a questões regulatórias, com a China declarando a intenção de coibir práticas especulativas no mercado de commodities, bem como a tendência de normalização da oferta de petróleo capitaneada pela Opep, frente à recuperação da demanda. “Além disso, há que se levar em conta que, no mercado de commodities agrícolas, após um período de preços elevados a tendência é de ampliação de produção na safra seguinte, e com aumento de oferta os preços tendem a ceder”, completou, ressaltando que a tendência, no agregado, é de redução do ritmo de alta, mas com manutenção de preços em níveis altos.

“No mundo, que agora passa a assentar as bases do que será o pós-Covid, e isso muda o balanço de riscos em termos de política monetária e global”, diz Ribeiro, ressaltando especialmente a preocupação de uma mudança mais acelerada na política monetária dos EUA, frente ao que considera um pacote de estímulos descalibrado. “Para o Brasil, isso pode trazer um desafio adicional: de, no ano que vem, ter de enfrentar os efeitos de um mundo normalizando enquanto estamos decidindo que país queremos ser a partir de 2023”, afirmou.

Efeito reformas

José Marcio Camargo, professor da PUC-RJ, economista-chefe da Genial Investimentos, expôs no webinar uma visão mais otimista para a economia brasileira. Para ele – que na Genial trabalha com a estimativa de um PIB de 5,8% este ano, e de 2,5% em 2022 – já se podem observar sintomas importantes de uma recuperação sustentável. Um deles, citou, é a reação dos investimentos privados na economia brasileira. Como exemplo, Camargo citou o conjunto de concessões feitas no primeiro trimestre. “Foram 22 aeroportos, uma ferrovia e uma rodovia, a companhia de saneamento de Alagoas e a Cedae, companhia de saneamento do Rio de janeiro que estava na lista há décadas, e é a maior desde a Telebrás. Tudo isso em meio à incerteza do primeiro trimestre, que incluiu a falta de aprovação do orçamento do ano”, citou. “No segundo tri, parece que esse processo está continuando, com a privatização da estatal de transmissão de energia do Rio Grande do Sul (CEE-T), mais de 20 aeroportos em São Paulo. Estamos vendo que esse processo está tendo demanda, tanto do governo federal quanto dos governos estaduais, apesar de todas as incertezas.”

Para Camargo, o efeito das reformas macro e microeconômicas feitas no Brasil desde 2016 podem estar por trás desse resultado. “Veja, tivemos o teto de gastos, a reforma da Previdência, acabamos com a TJLP. Estamos reduzindo taxa de crescimento gasto público na economia brasileira, ainda que não estancá-la”, disse, dando especial destaque ao teto de gastos. “O teto tem mudado cultura orçamentária brasileira. Antes dele, ninguém se importava com a discussão do orçamento. Trabalhava-se com a ideia de que o governo conseguiria o dinheiro para cobrir as despesas, seja via inflação, seja via aumento da carga tributária, seja via aumento da dívida.

Agora tem que se discutir o que vai ser aprovado ou não, porque tem que estar dentro do teto. Por isso, a discussão agora é ruidosa. E isso é ótimo”, afirmou.

Camargo considera que as reformas realizadas nos últimos cinco anos também colaboram para a produtividade da economia brasileira – outro fator chave para a sustentabilidade do crescimento. “Sem dúvida os mercados estão funcionando de forma muito mais eficiente hoje que há três anos. A reforma trabalhista, com liberalização da terceirização, e as reformas mercado de crédito e de capital são impressionantes. Também temos, mais recentemente, os novos marcos regulatórios de saneamento, do óleo e gás e a autonomia do Banco Central”, citou.  

Sobre as mudanças na legislação trabalhista, o economista-chefe da Genial Investimentos apontou a redução de demandas na Justiça do Trabalho – “ de 3,5 milhões a 4 milhões ao ano em média para cerca de 1,3 milhão por ano” – e a redução da multa do FGTS em demissões como fatores de redução do custo de contratação que poderão jogar a favor da formalização na retomada do emprego – o que, lembrou, já está acontecendo, conforme aponta o Caged.

No caso da recuperação do mercado de trabalho, Silvia ressaltou que um dos desafios será identificar se a retomada acontecerá sob um padrão poupador de trabalho, com redução de vagas. “Relatório recente do Banco Mundial apontou para essa possibilidade, o que resultaria em um aumento de trabalhadores por conta própria, buscando por uma geração de renda que tende a ser mais volátil”, disse. Camargo considera que um agravante para o quadro de informalidade, no caso brasileiro, é que o custo de formalização de trabalhadores na margem da qualificação ainda é caro frente à capacidade produtiva deste, mesmo com os avanços recentes citados. “O Brasil convive com esse problema desde sempre. E que tende a piorar, porque a volta da economia está concentrada em setores em que a demanda é por mão-de-obra mais qualificada”, disse. “Se isso persistir, o aumento de desigualdade que terá que ser resolvido de alguma forma. E será muito importante ter um programa que garanta um nível mínimo de renda a todos.” Os três economistas participantes do webinar também ressaltaram a importância da educação nesse processo de qualificação dos trabalhadores, apontando a necessidade de cuidados que vão desde a primeira infância à atenção ao ensino profissional, garantindo melhores oportunidades aos jovens que não cursarão o ensino superior. “Nesse ponto, teremos a partir de 2022 a implantação da reforma do ensino médio, de 2017, cujo objetivo é fazer com que este deixe de ser preparatório universidade somente, mas também parte de ensino técnico. Esperamos que, com isso, tenhamos melhoras lá na frente, já que a questão educacional é principal fonte de desigualdade na economia brasileira”, afirmou Camargo.

Outro ponto de concordância entre os economistas para a sustentabilidade do crescimento foi a importância do endereçamento da questão fiscal. “Se perseverarmos no caminho de uma consolidação fiscal, o cenário certamente será mais favorável”, afirmou Silvia, lembrando que a economia política do momento nem sempre favorece. “A pandemia traz oportunidades, mas oportunismo também. Se conseguirmos superar o período eleitoral mantendo o teto, fazendo políticas que não atrapalhem a consolidação fiscal, é possível ser otimista, mesmo que o contexto internacional não ajude tanto daqui adiante”, diz. “A questão do teto é um debate que temos empurrado para frente, enquanto aumenta o conflito distributivo. O maior risco, nesse caso, é de se abrir margem a subterfúgios, buscando atalhos”, disse Ribeiro, alertando para o risco de se esvaziar a regra.

Camargo reforçou o coro da responsabilidade fiscal, apontando que, controlada a pandemia, os principais desafios para o crescimento brasileiro estarão dentro de casa. Para ele, gerar um crescimento sustentável acima de 2,5% demanda perseverança na agenda de reformas. “Precisamos aprovar medidas que geram ganhos de produtividade. Ainda que não sejam as melhores, mas que apontem na direção correta”, disse. “Quanto mais conseguirmos manter a trajetória de reformas que trilhamos desde 2016 – e veja que todas enfrentaram lobbies contrários –, menos dependeremos do cenário externo para manter trajetória de crescimento sustentável. Estou mais otimista em relação a isso”, concluiu.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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