Em Foco

Correndo atrás da vacina

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Na última quarta-feira (4) começou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para que o Congresso avalie a gestão do governo e dos Estados na pandemia. O primeiro a dar seu depoimento foi o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, por quase nove horas. Nelson Teich, que ficou no cargo por apenas 28 dias, foi o segundo a depor, no dia seguinte. Eduardo Pazuello, que ficou como ministro da Saúde durante toda a pandemia, sendo destituído em março, que deveria depor no dia 5, alegou ter tido contato com dois auxiliares que testaram positivo para a Covid-19. Ficou marcada para dia 19 sua ida ao Congresso. Em seu lugar depôs o atual ministro Marcelo Queiroga.

Enquanto a CPI começa a dar seus primeiros passos, o Ministério da Saúde informou que superestimou o número de vacinas que disse já ter contratado. Dia 24 de março, em um vídeo postado no Twitter, a informação era que haviam sido contratadas 560 milhões de doses. Número repetido pelo ministro Queiroga, dia 31, logo após reunião do Comitê de Combate à Covid, que reúne Executivo, Legislativo e Judiciário. O número despencou para 281 milhões esta semana. O resto, para se chegar ao número alardeado anteriormente, ainda está em negociação. A maioria são vacinas da AstraZeneca, cerca de 210 milhões.

É uma ducha de água fria. E, pior: faz com que qualquer informação oficial passe a ser vista com muita reserva. Ao tornar público números que não são reais, que injetam esperanças de um maior controle da pandemia, através da expectativa que as pessoas criam de serem vacinadas, o Ministério peca pela transparência, essencial num momento de crise sanitária mundial.

Por falar em expectativas, elas continuam baixas, embora tenham apresentado uma ligeira recuperação em abril. Os dados mais recentes apurados pelo FGV IBRE sinalizam uma melhora nos indicadores que, no entanto, ainda estão abaixo de agosto/setembro do ano passado, mas bem acima de abril de 2020. O que pode indicar uma maior esperança de recuperação dos negócios, impactando diretamente emprego, renda, crescimento.

Índices de Expectativas
(com ajuste sazonal)

Fonte: FGV IBRE. *Índices de Confiança, Situação atual e Expectativas Empresarial – agregação dos respectivos índices dos setores de Serviços, Indústria, Construção e Comércio, por pesos econômicos.

 

Índices de Confiança
(com ajuste sazonal)

Fonte: FGV IBRE. * Índices de Confiança, Situação atual e Expectativas Empresarial – agregação dos respectivos índices dos setores de Serviços, Indústria, Construção e Comércio, por pesos econômicos.

Com números inflamados, há muitas dificuldades em encontrar vacinas disponíveis. Matéria publicada no jornal Valor Econômico do último dia 5, do correspondente Assis Moreira, de Genebra, mostra que há sérios problemas na cadeia de suprimento de insumos, afetando de forma generalizada todos os produtores. Citando um porta-voz da Pfizer, Moreira relata que o laboratório usa 280 componentes de 86 fornecedores, em 19 países diferentes para produzir sua vacina de RNA mensageiro. O que mostra a complexidade para atender à crescente demanda mundial por vacinas. Mesmo com a corrida e concentração de vacinas em poucos países – Estados Unidos, Canadá e Reino Unido são os que têm estoques bem acima de suas necessidades –, o site Airfinity estima que, até setembro, cem países terão vacinado toda a sua população acima de 50 anos. E, até o final do ano, 121 países, incluindo o Brasil.

Especialistas têm alertado, mundo afora, que a concentração de vacinas acima das necessidades, em um punhado de países ricos, já escancarou a desigualdade global da vacina, o que pode prolongar a pandemia para todos, com mutações de variantes do vírus, mais letais, tornando as atuais vacinas menos eficazes ou sem eficácia. Hoje, 1,1 bilhão de doses de imunizantes já foram aplicados: 80% deles em países ricos e de renda média, e apenas 0,3% nos países pobres.

Na última quarta-feira, em uma decisão surpreendente, o presidente Joe Biden, abriu caminho para a suspensão das patentes das vacinas contra o Covid-19, apoiando a ideia e se aliando aos países emergentes na Organização Mundial do Comércio (OMC). A decisão reflete uma mudança de postura histórica dos Estados Unidos em relação à propriedade intelectual, o que poderá possibilitar a produção de vacinas no mundo em larga escala, reduzindo o fosso entre países ricos e pobres. O Brasil é um dos poucos países do mundo contra a quebra das patentes.  

Achal Prabhala, especialista indiano em fornecimento de vacina do projeto AccessIBSA, que faz campanha para acesso global à imunização, ouvido pela NBC News, disse que a decisão de muitos governos em “confiar não apenas em um país, mas em uma empresa naquele país para ter acesso à vacina, foi uma decisão ridícula”.

Oferta de vacinas
Produção declarada X assegurada em 2021, por fabricante – milhões de doses

Fonte: Airfinity. *Curovac, Sinopharm, Covaxx, Inovio, Medicago, CanSino, Valnea. Publicado no Valor Econômico de 5/5.

O problema é que cerca que um terço da população dos países mais pobres do mundo colocou as suas esperanças na Índia – inclusive o governo brasileiro –, para ter acesso às vacinas. Ocorre que o país indiano, maior produtor mundial de vacinas, com uma fatia da ordem de 60%, sofre com uma devastadora onda da pandemia, que se alastra rapidamente pela Ásia e está priorizando o fornecimento de vacinas internamente, suspendendo as exportações, não enviando milhões de doses programadas para países de baixa e média renda na Ásia, África e América Latina.

Na corrida desesperada por vacinas, o governo brasileiro desencadeou uma ofensiva internacional para encontrar um lugar na fila dos países que pleiteiam receber dos Estados Unidos, que tem cerca de 60 milhões de doses da AstraZeneca em estoque, um quinhão desse lote. O presidente Joe Biden afirmou essa semana que irá enviar, até dia 4 de julho, 10% desse estoque para outras nações, podendo o Brasil estar na lista norte-americana. Também há gestões junto ao Reino Unido, mas, pelo que se sabe até agora, nenhuma sinalização positiva foi emitida dos ingleses para assegurar a liberação de excedentes ao Brasil.

O ministro da Saúde Marcelo Queiroga já havia, em algumas ocasiões, feito um apelo “para aqueles países com doses extras que compartilhem essas vacinas com o Brasil de modo a conter a fase crítica da pandemia e evitar a proliferação de novas variantes”.

Mas é uma corrida de obstáculos, com muitos envolvidos, interesses geopolíticos. Como nos últimos dois anos tivemos uma política externa errática, com posturas que criaram atritos com muitos países, como França, China, Dinamarca, Alemanha, entre outros, além do alinhamento à administração Trump, com declarações dúbias sobre a lisura da eleição de Joe Biden – o Brasil foi a última grande economia a enviar congratulações ao novo presidente norte-americano -, grande parte do planeta não nos vê com bons olhos, especialmente nas questões de preservação e ambientais, embora isso, sistematicamente, venha sendo negado pelas nossas autoridades. Supermercados da Europa encenam um boicote a produtos vindos do vindos do Brasil devido ao desmatamento.

O discurso recorrente é de que são boas as relações com a China, nosso principal parceiro comercial, e demais países. No último dia 5, o presidente Bolsonaro assoprou um pouco mais a fogueira ao afirmar, sem citar a China onde eclodiu a pandemia em fins de 2019, que o novo coronavírus pode ter “nascido em laboratório” e questionou se “não estamos enfrentando uma nova guerra”.

Apesar da vacinação lenta, falta de coordenação no combate à pandemia, pouco ou quase nenhum empenho do Planalto em informar a população sobre medidas de prevenção – nenhuma campanha foi feita sobre a pandemia, como em outras doenças, como foi o caso do HIV, por exemplo –, ao contrário do que se esperava, a economia parece começar a respirar. É como se, apesar da pandemia, ela estivesse saindo da UTI. Os dados sobre mobilidade e outros indicadores de alta frequência, como dizem os economistas, vieram melhores em março e persistiram em abril, ao contrário do que a maioria estava prevendo, inclusive o que sinalizei no último Em Foco. Com isso, as previsões sobre a atividade econômica estão sendo revistas para cima, embora o setor de serviços, o que mais gera emprego e impulsiona a atividade econômica como um todo, ainda está longe de voltar a uma relativa normalidade.

A grande incógnita que se coloca é que se, com o aumento da mobilidade das pessoas, com a baixa vacinação e sem nenhuma testagem e controles mais robustos da pandemia, não corremos o risco de uma nova onda. E que a volta do abre e fecha retorne, como estamos vivenciando desde que a pandemia desembarcou por aqui e começou a escalada de contaminados e mortes.

A The Economist, revista inglesa fundada em 1.843, com uma tiragem de 1,3 milhão de exemplares, publicou no último dia 4 interessante matéria com o título “Expansão após pandemia – o que a história mostra”, onde aponta que após períodos de grandes distúrbios não financeiros, como pandemias ou guerras, o Produto Interno Bruto (PIB) tende a retornar a níveis anteriores. Isso ocorre porque as pessoas nesses períodos acabam fazendo uma poupança forçada, passando a consumidor, sem excessos, a partir do momento em que as medidas de restrições são relaxadas. Outro ponto levantado pela revista, é que outra lição do boom pós-pandemia é que muitos ficam mais propensos a encontrar novas maneiras de ganhar dinheiro, sendo mais ousados, fato que ocorreu com os europeus após a peste negra. Um terceiro elemento que impulsionaria a atividade econômica: o uso da tecnologia que não necessita de mão-de-obra. Um estudo do FMI, citado na reportagem, mostra que “pandemias aceleram a adoção de robôs, especialmente quando o impacto na saúde é severo e é associado a uma queda significativa da economia”.

Pós-pandemia, um outro fator emerge. Estudo do Federal Reserve Bank, mencionado pela The Economist, constata que as remunerações tendem a aumentar. E a razão é meio macabra, em alguns casos: a doença mata trabalhadores, deixando quem sobreviveu em melhor posição para negociar o valor dos salários. Também o sofrimento da população com a pandemia, traz uma radical mudança política: no caso da COVID-19, o que se vê pelo mundo é a formulação de políticas para diminuir o desemprego e amparar os mais vulneráveis, mesmo às custas de aumento da dívida pública. A revista lembra que um estudo de três acadêmicos da London School of Economics constatou que a Covid tornou os habitantes da Europa mais avessos à desigualdade.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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