Em Foco

O desafio para domar uma inflação de custos

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Carro, comida, corte de cabelo, manicure, exames médicos, aluguéis, combustíveis e uma penca de outras coisas não param de subir. Em setembro, a inflação medida pelo IPCA do IBGE, bateu na casa dos 1,16%, maior alta para um mês desde outubro de 1994 quando havia subido 1,53%. Nos últimos doze meses, encerrados em setembro, a inflação no país já acumula uma alta de 10,25%, anos luz acima da meta estipulada pelo Banco Central de 3,75%. É a primeira vez, desde fevereiro de 2016, que a inflação passa dos 10%.

Numa tentativa de tentar frear a alta inflacionária que já se espalhou por toda a economia, o Banco Central aumentou, uma vez mais, em 1,5%, a taxa básica de juros, a Selic, que iniciou uma trajetória ascendente no início deste ano quando estava quietinha na casa dos 2%. Hoje, a Selic já bate nos 7,75%, e o Banco Central sinalizou que novas altas deverão ser feitas se as condições macroeconômicas não melhorarem.

A evolução da taxa Selic
(em % ao ano)


Fonte: Banco Central.

 O combate à inflação fica cada vez mais difícil, já que apenas a alta dos juros não é suficiente para domá-la. Sem uma sinalização clara do governo de que há um comprometimento com a questão fiscal, algo que ficou escancarado com a questão do Auxílio Brasil e o aumento de gastos previstos, furando o teto dos gastos, a disseminação da alta de preços na economia continuará. O controle das contas públicas gera um efeito cascata, melhorando a credibilidade do país, atraindo mais investidores estrangeiros, com reflexos positivos no câmbio, o que ajuda a manter a inflação sob controle.

O descontrole macroeconômico em que estamos mergulhados tem tirado algumas horas de sono de Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), já que a persistência desse cenário dificulta a entrada de novos investidores na energia eólica, embora o setor já tenha contratos fechados de fornecimento de energia eólica para os próximos quatro anos.

“Mas o futuro está muito incerto, e isso é uma das minhas preocupações, não só em relação a energia, mas para o país”, diz Élbia em entrevista que será publicada na próxima edição da revista Conjuntura Econômica, horas antes de viajar para Tóquio para participar de uma reunião sobre clima.

Embora a decisão de furar o teto dos gastos para arrumar dinheiro para o Auxílio Brasil tenha criado uma confusão no mercado, derrubando as previsões de crescimento da atividade econômica para o ano que vem, não estamos em uma situação de descontrole fiscal, como observa José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE.

“A questão das precatórias, que está para ser votada, se aprovada, não se sabe o seu valor. Sem dúvida será um valor astronômico, mas não chega a assustar. O que assusta, realmente, é o rompimento da ancora fiscal, que está sendo ameaçada, minada aos poucos. O que é péssimo, pois representa uma piora do ambiente macroeconômico, com o risco Brasil subindo, carregando os juros reais de mercado de longo prazo para cima, que já subiram uma barbaridade”.

Como um Dom Quixote, o Banco Central já estava sozinho a algum tempo nessa luta do controle da inflação, sem “apoio do Legislativo e do Executivo”, como lembra Senna. E exemplifica. “Quando nós, economistas, falamos de reformas, estamos nos referindo a uma reforma administrativa, a uma reforma tributária, a reformas que aumentem a produtividade da economia. Desejamos reformas modernizantes para o ambiente de negócios. Mudar o Imposto de Renda não é uma reforma, como é alardeado pelo governo”.

Como o enfrentamento da inflação está só nos ombros do Banco Central, “isso representa um custo muito alto, tornando a desaceleração da atividade econômica bem mais forte, devido, como já mencionei, ao aumento do risco Brasil e dos juros reais”, comenta Senna.

A maior taxa de juros anunciada pelo Banco Central foi modesta ante o desafio que temos pela frente. Com inflação acima de 10% e juros em 7,75%, não dá para estancar a trajetória ascendente dessa forma, defende André Braz, responsável pela área de preços do FGV IBRE. “Teríamos que colocar esses juros acima dos juros neutros para ter algum efeito para conter a inflação”, afirma.

Como lembra Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE: “O imbróglio fiscal afeta o juro neutro da economia também, que é a taxa de juros que estabiliza a economia a pleno emprego e mantém a inflação na meta. De fato, como destacado pelos estudos dos pesquisadores associados do FGV IBRE Samuel Pessoa e Bráulio Borges1, o juro neutro depende do ajuste fiscal estrutural. Infelizmente, o quadro atual mostra que o juro neutro atual está ainda mais elevado. E como a taxa de juros tem dois componentes: o juro neutro e a postura da política monetária, há a necessidade de um aumento ainda maior da taxa de juros. Não há alternativas se o fiscal não colabora”

Para Braz “o desafio é enorme pois estamos com uma inflação que não é de demanda. É uma inflação de custos, gargalos nas cadeias produtivas e aumentos constantes nos energéticos – energia, diesel e gasolina, principalmente”, Ele chama a atenção para a época do Natal, citando um prosaico exemplo: “Imagine na época do Natal, com um shopping todo iluminado, ar-condicionado ligado por conta do verão, quanto esse condomínio não irá pagar de energia, repassando para os lojistas, que, por sua vez, passarão para os preços. Um salão de beleza, e assim por diante”.

A disparada da inflação
(variação mensal)


Fonte: IBGE.

Essa nova alta de 1,5% na taxa Selic já estaria focando o próximo ano para levar a inflação para a meta em 2022. “Já estamos com um número de inflação para o ano que vem se aproximando dos 5%, lembrando que a meta para 2022 é ainda menor, de 3,5%. Já estamos com um ponto e meio acima da meta. Acho que o aumento dos juros deveria ser mais ousado. Sei que não é trivial, mas defendo um aumento bem maior, da ordem de 3%, dada a gravidade da situação, agravada com a quebra do teto dos gastos que o governo defende, como forma de ter mais recursos para gastar, especialmente com a proximidade das próximas eleições presidenciais.”

Temos juros altos, uma moeda que se mantem desvalorizada que vira um potente canal para alimentar a inflação, engordada pelos aumentos da energia e dos combustíveis, o que faz com que tudo que importamos fique mais caro. Se o real continua desvalorizado nossa balança comercial melhora um pouco, mas, em contrapartida, exportamos muito e isso pode ser outro mecanismo que infla os preços.

“Vejamos o exemplo da carne. Exportamos muito para a China. Isso encarece o produto para o prato do brasileiro. A carne vermelha já subiu 30,7% em doze meses.  O quadro é difícil e tudo indica que vamos continuar com inflação em alta, desemprego, juros subindo, sem que consigamos resolver nossos problemas através de uma austera responsabilidade fiscal”, resume Braz.

No caso da carne, um dos principais itens da alimentação do brasileiro – o churrasco de fim de semana é quase meio sagrado, regado por uma cervejinha –, com a inflação e o desemprego, o consumo do alimento diminuirá em quase 14% neste ano, se comparado a 2019, antes da pandemia. É o menor nível registrado para consumo de carne bovina no Brasil em 26 anos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento – Conab –, desde que a série histórica começou a ser acompanhada, em 1996.

Como havia mencionado no Em Foco “Os motoristas da Uber” de 15 de outubro último, a alta dos combustíveis, que subiram mais de 40% nos últimos doze meses, tornou a vida dos motoristas da Uber um tormento pela redução de ganho corroído pelo custo de encher o tanque do carro. Com isso, usuários da Uber tem dificuldades para chamar um veículo pelo aplicativo, com demora na chegada ou constantes cancelamentos.

Com combustíveis mais caros e as constantes reclamações dos passageiros, a Uber e a 99, as duas principais empresas do setor, decidiram reajustar suas tabelas e aumentar os ganhos dos motoristas.

Mudança de política que, se não fosse feita, afetaria milhares de pessoas que lançaram mão de trabalhar no aplicativo por não terem outra opção de arrumar um emprego.

Estamos enfiados em uma encrenca muito grande (ver em Foco “O tamanho da enrascada” de 10 de setembro último (). Enrascada que ficará para o próximo governo tentar desenroscar.

Assista hoje, a partir das 14hs, o Webinar Caminhos para um crescimento sustentável.

 

1Os determinantes do juro de equilíbrio brasileiro em 2001-2019.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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