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O tamanho da enrascada

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Depois de crescer por três trimestres seguidos, a economia brasileira empacou no segundo trimestre deste ano. O Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% em relação ao primeiro trimestre, puxado por quedas na agropecuária, de 2,8%, na indústria, de 0,2%, e nos investimentos, de 3,6%.

Com maior peso no PIB, o setor de serviços, que foi duramente afetado pela pandemia, respirou um pouco, crescendo 0,7% em relação ao trimestre anterior. O resultado, em grande parte, se deve ao avanço da vacinação e à flexibilização das medidas restritivas.

Com os números do segundo trimestre, as previsões de expansão do PIB já estão sendo revistas para baixo pelo mercado, especialmente para os que estavam com previsões bem superiores a 5%. O Boletim Macro revisou de 5,2% para 4,9% o crescimento do PIB este ano.

E há grande preocupação com os rumos da economia no ano que vem. Uma série de fatores jogam muita incerteza sobre o futuro próximo. Abaixo, elenco alguns:

• Inflação

Voltou a se acelerar, o que corrói o poder de compra, comprometendo uma recuperação mais vigorosa do consumo. Em agosto, o IPCA, que é o índice oficial da inflação no país, subiu 0,87%, a maior alta para o mês desde 2020. Este ano, a inflação já subiu 5,67% e 9,68% nos últimos doze meses. A disparada dos preços dos combustíveis – a gasolina aumentou 2,80%, o etanol 4,50%, o gás veicular 2,06% e o óleo diesel 1,79% –, impactou muito o setor de transportes, que teve a maior alta de preços, com 1,46%. Também os alimentos dispararam, subindo 1,39%, depois da alta de 0,60% de julho.

E não há sinais de que haja um arrefecimento desta tendência de alta, dado a série de problemas que estão colocados à frente.

Inflação acelera
(variação últimos doze meses)


Fonte: IBGE. IPCA. Projeção FGV IBRE (2021 e 2022).

• Crise hídrica

A falta de chuvas fez despencar os níveis dos reservatórios, abrindo uma grave crise hídrica. Ontem, os da região Sudeste/Centro-Oeste chegaram a níveis baixíssimos, quase no limite para que as turbinas das hidrelétricas possam ser acionadas. O governo foi à TV pedindo que a população reduza o consumo de energia. E foi criada uma nova bandeira tarifária, mais cara, que vai pesar muito no bolso dos consumidores e empresas, espraiando-se por todos os setores da economia, pressionando ainda mais a inflação.

• Desemprego

Com mais de 14 milhões de desempregados, mais de 3,8 milhões procurando emprego por mais de dois anos e perto de 32,2 milhões de pessoas subutilizadas, e com a economia andando de lado, não há perspectivas a curto prazo de uma melhora significativa desse quadro. É importante destacar que a curva das pessoas que estão procurando uma ocupação por mais de dois anos está em ascensão. O consumo das famílias, que vinha puxando a recuperação brasileira, não avançou no segundo trimestre, segundo dados do IBGE. As estimativas do FGV IBRE são de que a taxa de desemprego tenha uma leve queda em 2022, para 13%, fechando este ano em 14%.

Taxa de desemprego
Variação trimestral


Fonte: Microdados da PNAD Contínua. Projeção FGV IBRE (2021 e 2022).

 

Pessoas desocupadas de longo prazo
(que estão desocupadas a 2 anos ou mais)


Fonte: Microdados da PNAD Contínua. Elaboração FGV IBRE.

 

Pessoas subutilizadas


Fonte: Microdados da PNAD Contínua. Elaboração FGV IBRE.

• Crise política

O acirramento das tensões e ameaças de rupturas institucionais, com muita gente jogando gasolina na fogueira para “apagar” o fogo, alcançaram a temperatura máxima no último dia 7 de setembro nas comemorações da Independência do Brasil. As declarações e manifestações contra o STF e as instituições democráticas só afugenta investimentos, criando um clima de enorme incerteza. No segundo trimestre deste ano, os investimentos caíram 3,6% sobre o trimestre anterior, segundo o IBGE.

Nos dois últimos dias (quarta e quinta-feira), caminhoneiros começaram a fechar estradas, dificultando a circulação de mercadorias. No final do dia, começaram a desfazer os bloqueios. Mas toda essa confusão teve um custo imediato: a Bolsa despencou, empresas perderam milhões de reais em valor de mercado e o dólar voltou a embicar para cima.

Na tarde de ontem (9), o presidente Bolsonaro divulgou uma Carta à Nação, onde, entre outros pontos, defende a democracia, afirma que nunca atacou nenhum dos poderes, e se compromete a respeitar a Constituição. O ex-presidente Michel Temer se encontrou com Bolsonaro que resolveu, ante o aumento das pressões, divulgar a Carta à Nação como forma de serenar os ânimos. A Bolsa disparou e o dólar caiu.

Agora, é esperar que as promessas sejam cumpridas e haja um empenho para resolver os problemas mais prementes do país: o crescimento econômico, o desemprego, a desigualdade, a inflação, a crise hídrica.

• Juros

Devem continuar sua trajetória ascendente, dada as condições ainda adversas da economia. Mais um elemento para pressionar os preços e retrair o consumo.

Juros em alta
(Taxa Selic)


Fonte: Banco Central. Projeção do FGV IBRE.

• Cenário externo

Embora os números mostrem uma atividade mais forte no mundo, o crescimento econômico começou a perder um pouco de fôlego, frustrando expectativas de uma recuperação mais robusta, o que pode ter impactos por aqui. A pandemia está levando a uma alta de preços a nível mundial e afetando a cadeia de distribuição de insumos industriais, como mostra a matéria de capa da edição de setembro da Conjuntura Econômica.

Mesmo com esse menor vigor, o cenário continua favorável, com a alta dos preços das commodities, mas o país não está se aproveitando dessa janela. O desleixo com a proteção ao meio ambiente e as incertezas políticas têm afugentado investidores e aumentado as críticas e o isolamento do Brasil.

Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Amazônia Legal perdeu 10.476 km² de floresta entre agosto de 2020 e julho de 2021, meses em que se mede a temporada do desmatamento. A taxa é 57% maior que a da temporada passada, além de ser a pior dos últimos dez anos. Só em julho último, o desmatamento foi 80% maior que o de julho de 2020.

• Quadro fiscal

Embora as previsões do final do ano passado apontavam para um cenário muito ruim para a evolução da dívida bruta brasileira, os números mudaram. A inflação, embora perversa, melhorou as contas do governo. Em dezembro do ano passado, as projeções eram que essa dívida, em relação ao PIB, fechasse 2020 em 95,2% e este ano em 95,2%. Na verdade, o ano passado ficou em 88,8% do PIB e, para este ano, espera-se 83,3%. Mesmo assim, o quadro é bastante preocupante, já que a pandemia turbinou a necessidade de políticas sociais para reduzir a desigualdade, a fome e o desemprego. E o dinheiro é curto.

• Retomada desigual

A falta de insumos para a cadeia produtiva, que afeta todas as economias, tem levado a uma retomada desigual entre os setores. No Brasil, depois de três trimestres de crescimento, a indústria recuou junto com agropecuária. O setor de serviços, que mais pesa no PIB, avançou 0,7%, taxa ainda modesta. Tudo indica que o terceiro trimestre também será desigual: a indústria de transformação já recuou 1,2% em julho, em relação a junho, e as Sondagens do FGV IBRE sinalizam que o setor de serviços deve continuar se recuperando.

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Felizmente, os números sobre mortes e contágios da COVID-19 por aqui estão em queda, mesmo com a disseminação da variante Delta. Isso não quer dizer que a pandemia está controlada, mas é um respiro importante.

Mortes por Covid-19 Brasil
Média semanal


OBS: Em 01/04/21 a média atingiu o pico de 3.119. Fonte: Worldometer.

 

Novos casos de Covid-19 Brasil
Média semanal


Fonte: Worldometer.

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Agradeço aos pesquisadores do FGV IBRE Mayara Santiago da Silva e Paulo Peruchetti pelo inestimável auxílio para a elaboração dos gráficos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV

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