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Humor do mercado piora

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A forte recuperação da atividade econômica no primeiro semestre do ano no mundo, puxada pelas políticas de estímulos fiscais e monetários, aliada à aceleração da vacinação, ainda que restrita aos países ricos e, em parte, aos em desenvolvimento, e a gradativa flexibilização das medidas restritivas para frear o avanço da CIVID-19, melhoraram o humor do mercado quanto ao futuro recente.

Mas, de uns dois meses para cá, esse humor começou a mudar. Embora as economias mundiais ainda estejam projetando crescimento neste segundo semestre, ele poderá ser mais lento do que se esperava, o que pode impactar a atividade econômica por aqui.

Os sinais de alerta começaram a ser dados já em julho pelos Barômetros Globais Coincidentes e Antecedentes do FGV IBRE, um sistema de indicadores que permitem uma análise detalhada da atividade econômica global, elaborado através de uma parceria entre o FGV IBRE e o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique. A partir de julho, os Barômetros começaram a apresentar queda, mantida em agosto, refletindo uma desaceleração das taxas de crescimento das economias mundiais (leia mais aqui).

A piora do quadro sanitário a nível mundial, com a disseminação da variante Delta, e os gargalos no fornecimento de insumos para a indústria, que foi responsável pela melhora do humor do mercado no primeiro semestre com a economia deslanchando, devem continuar mundo a fora. A falta de semicondutores, fundamental para a cadeia produtiva mundial, só deverá estar normalizada em fins do ano que vem, segundo algumas previsões. Isso se não houver um acirramento da pandemia.

A pandemia no mundo (média móvel últimos sete dias)
Sobem os novos casos

 

E as mortes


Fonte: Worldometer.

Na China, nosso maior parceiro comercial, segunda maior economia do mundo, no calcanhar dos Estados Unidos para ser a maior do mundo, embora as previsões de crescimento continuem elevadas, ao redor de 8,7% este ano segundo previsões de Lívio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, a atividade econômica está mais lenta. Novos focos de contaminação pela COVID-19, que já são maiores do que os registrados no início da pandemia em Wuhan, levaram as autoridades chinesas a implementar rígidos controles, isolando uma série de províncias.

Em maio, a China fechou o porto de Yantian, em Shenzen, no sul da China, reaberto em julho, levando a uma cadeia de problemas em toda a área do Rio Delta, congestionando portos como Huangpu, Xingang (Tianjing), Nantong, Fuzhou.

Mais recentemente, o terminal Meishan, terceiro maior do mundo em movimentação de contêineres, no porto Ningbo-Zhoushan, foi fechado devido à contaminação de funcionários pela variante Delta.

O porto, o maior do mundo em movimentação de cargas – em 2020 movimentou 1,172 bilhão de produtos –, fica no mar da China Oriental, na província de Zhejiang, em frene a Xangai.

Mas não é só o crescimento chinês que dá sinais de menor vigor. Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, alerta que aumentaram os desafios para a retomada da economia, apesar do mundo estar entrando em uma nova fase, aparentemente menos assustadora do que no auge da pandemia, quando nem vacina existia.

Além da China, na Europa a economia alemã dá sinais de queda no ritmo de crescimento, mais forte do que se projetava anteriormente. ”No segundo trimestre, a  produção industrial alemã caiu 0,6%, na comparação com o primeiro, com a indústria automotiva registrando retração de 11,2%. É o retrato de um problema global, que provavelmente não será resolvido no curto prazo”, diz Silvia, completando que “o resultado se explica por gargalos na oferta de bens intermediários, em especial de semicondutores, problema que tem prejudicado a produção de veículos no mundo todo”.

No Boletim Macro deste mês, Silvia enfatiza que “também por aqui temos um cenário de desaceleração do crescimento. Este será negativamente impactado pela inflação mais alta  e pelo  fim dos estímulos monetários. Adicionalmente, com o aumento dos riscos fiscais e das incertezas políticas, o quadro de consolidação fiscal no médio prazo fica ainda mais desafiador, pressionando os juros longos e desencorajando novos investimentos.  A crise hídrica adiciona ainda mais incertezas no cenário de crescimento, após o período agudo da pandemia. Nesse contexto, em que pese a recuperação esperada dos serviços, mantemos a previsão de crescimento de 1,6% para o PIB de 2022”.  

Os índices de confiança calculados pelo FGV IBRE, que vinham numa trajetória ascendente, embora tenham subido em julho, já sinalizaram uma certa acomodação nas prévias realizadas em agosto. Conforme destaca o Boletim Macro, o Índice de Confiança Empresarial (ICE) subiu 3,1 pontos em julho, atingindo o maior nível desde junho de 2013, e recuando 0,7 ponto na prévia de agosto. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) subiu 1,3 ponto e cai 1,7 ponto nos mesmos períodos.

“O resultado de agosto, caso confirmado, parece sinalizar principalmente a preocupação de empresas com os riscos de nova onda da Covid-19 com a variante Delta. Pelo lado dos consumidores, a inflação e taxas de desemprego ainda elevadas também têm sido fatores a dificultar a retomada da confiança e que têm contribuído para o grande distanciamento em relação aos níveis de confiança empresarial”, relata o Boletim.

Confiança de consumidores e empresários
(Com ajuste sazonal, em pontos)


Fonte: Boletim Macro de agosto. Veja a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

Mas a retomada mais forte da atividade econômica que teve início no primeiro semestre, com previsões de arrefecer neste segundo semestre, está atrelada a uma recuperação mais rápida do setor de serviços e à desaceleração na produção e na venda de bens. Com o aumento da mobilidade e a superação da pandemia, os serviços prestados às famílias, que foram os mais afetados pela pandemia, já estão se recuperando e devem ser o destaque da atividade neste semestre– o crescimento deve se dar pelo setor de serviços, como mostra o Boletim Macro.

Silvia ressalta que “com a retomada do setor de serviços, houve crescimento do emprego, mas também mais pessoas à procura de ocupação, o que melhorou as condições do mercado de trabalho, mas mantendo a taxa de desemprego em patamar ainda elevado. Esperamos queda bem gradual da taxa de desemprego, atingindo 13,2% no último trimestre do ano, com média anual de 14,3%. Neste semestre estimamos recuperação mais acelerada do emprego informal, que foi o mais impactado pela pandemia”.

Mas essa retomada puxada pelo maior vigor do setor do setor de serviços, trouxe de carona a inflação que se acelerou e deve fechar o ano em 7,8%, bem acima do limite superior da meta de inflação, que é de 5,25%. A inflação dos serviços livres, os mais duramente afetados pela pandemia, subiram 0,67% em julho, a maior alta desde abril de 2020. Em doze meses, a alta já é de 3%, com tendência a se intensificar com a normalização desses serviços.

Dos fatores que explicam a inflação em alta, a crise hídrica tende a se tornar um impulso maior para o IPCA em 2021. Ainda que os efeitos da seca sejam transitórios, e em geral mais críticos no inverno, há grande chance de a seca se estender até o final do ano, levando a novas revisões, para cima, da expectativa de inflação de 2021.

“Para 2022, mantemos a previsão de 3,7% de inflação, mas os riscos são concentrados na direção de novas revisões para cima e para longe da meta, de 3,5%. Não apenas o patamar da inflação está mais elevado, mas também a sua composição está bem mais desfavorável, com maiores altas nos preços de serviços. Diante desse cenário, o Banco Central acelerou o passo do aperto monetário, na expectativa de conseguir conter as expectativas as inflacionárias para os próximos anos”, explica Silvia.

O assunto é um dos destaques do Boletim Macro deste mês, onde José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, avalia que são boas as chances de o Banco Central acelerar o ritmo de alta da taxa Selic na reunião do Copom de setembro, para 1,25 ponto percentual, refletindo a deterioração do quadro inflacionário. Vários são os fatores que, recentemente, têm contribuído para a alta da inflação. Há pressões tanto no segmento agrícola quanto no setor industrial. Ao mesmo tempo, a inflação de serviços começa a constituir fonte adicional de preocupação. Em seu exame desse quadro, nosso analista lembra ainda a velocidade com que o processo inflacionário ganhou força, a persistência da alta dos preços e o prejuízo que isso traz para a ancoragem das expectativas, e o desconforto atual com o futuro das contas públicas. Diante de tudo isso, para além de elevar a Selic, o BC deve dar continuidade às tentativas de conscientizar o meio político acerca da real ameaça associada com a alta dos preços.

Esse será um dos temas do webinar do próximo dia 26, às 10 horas, promovido pelo FGV IBRE e pelo jornal Valor Econômico, que reunirá, além de Senna, Affonso Celso Pastore, da AC Pastore & Associados e ex-presidente do Banco Central, e Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú-Unibanco, com moderação do repórter especial do Valor, Alex Ribeiro (Inscreva-se)

Evolução do juro real de um ano no Brasil
(Taxa do swap prefixado de 360 dias deflacionada pela expectativa Focus 12 meses adiante)


Fonte: Boletim Macro de agosto. Veja a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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