Em Foco

O humor melhora, mas o risco persiste

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Começamos o segundo semestre com as esperanças renovadas. Com mais de 98 milhões de brasileiros vacinados com pelo menos uma dose, o número de novos casos de Covid-19, medido pela média móvel de sete dias encerrada dia 28 último do site Worldometer, é o mais baixo desde 7 de janeiro deste ano, enquanto o de mortes é menor desde 22 de janeiro.

A dose de otimismo é engordada pelas previsões de que o processo de imunização pode se acelerar com a chegada de grandes remessas do imunizante a partir de agosto. Estima-se que daqui a uns dois meses todos os adultos com até 18 anos estejam vacinados com pelo menos uma dose. E já no mês que vem, em alguns estados, começa a vacinação de adolescentes. Também a retomada das aulas presenciais é uma injeção de ânimo para milhões de adolescentes que, praticamente, há mais de um ano não se reuniam com seus colegas.

A mudança de humor é latente com esse retorno como vi em Raquel, minha enteada, de 16 anos, que ficou praticamente um ano e meio sem ter aulas normais com sua turma, voltando à escola presencial na última segunda-feira.  

Com a pandemia se não controlada, mas arrefecendo seu furor das duas primeiras ondas, planos começam a ser desenhados para rever pessoas, fazer uma viagem, ainda que curta para reduzir o estresse do confinamento, se encontrar com filhos, netos, sobrinhos, amigos. Um Natal e Final de Ano com a família já começa a ser uma hipótese mais viável. É como se um fardo imenso estivesse sendo tirado, paulatinamente, dos ombros de cada um.

Mas o momento ainda carrega muita apreensão. A vacinação desigual pelo mundo, medidas de abertura da economia antes do tempo e a resistência de milhões de pessoas em se vacinar têm sido um prato cheio para a nova variante do vírus, a Delta, surgida na Índia, se propagar com enorme rapidez, como já mencionei no Em Foco, A variante Delta, da semana passada.

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) desta semana mostra que no período de 19 a 25 últimos, 3,8 milhões de pessoas se contaminaram com o vírus, especialmente nas Américas e região do Pacífico. O pior: houve um aumento de 21% nas mortes se comparado com a semana anterior, de 11 a 18 de julho. Segundo a OMS, mantido esse ritmo, em duas semanas o mundo poderá superar a marca de 200 milhões de casos acumulados em menos de duas semanas.

Nos Estados Unidos, onde cerca de 50%  da população já recebeu a segunda dose da vacina, um enorme esforço está sendo feito para que as pessoas se imunizem, já que os casos têm aumentado de forma significativa. Em Nova York, a prefeitura está oferecendo US$ 100 para quem for se vacinar. Em países com vacinação avançada, como o Reino Unido, os casos também têm aumentado.

Com um nível de vacinação bem inferior no Brasil, a pergunta que não sai da cabeça é se não voltaremos a ter uma nova onda com a disseminação dessa nova cepa que já está circulando por aqui. O que seria um novo pesadelo, pela exaustão em que todos se encontram depois de um ano e meio de pandemia.

Nessa conta de apreensão, também entra a questão da eficácia das vacinas. Vários estudos já foram feitos mostrando que elas são eficientes, e a arma mais poderosa para barrar esse inimigo invisível. Um dos mais recentes sobre a CoronaVac sinaliza que sua proteção, que é inferior à das outras vacinas, pode se esvair em cerca de seis meses, necessitando de reforço. Como mais de 37% da população brasileira recebeu a vacina chinesa, o governo anunciou que encomendou um estudo para administrar uma terceira dose como reforço, da própria CoronaVac, ou de uma das três outras vacinas: AstraZeneca, Pfizer, Janssen.

Como ainda não há estudos que mostrem o tempo que uma vacina pode imunizar parcialmente uma pessoa, não só a CoronaVac deve ser objeto de estudo sobre a necessidade de reforço, mas também as demais vacinas que estão chegando ao Brasil, especialmente a AstraZeneca que passará a ser produzida pela Fiocruz.

É sempre bom lembrar que a vacinação se tornou uma questão política, com o governo e seus ferrenhos seguidores procurando, dia sim e outro também, espalhar informações sobre CoronaVac, sempre distorcidas, a respeito de sua eficácia e possíveis efeitos colaterais. A briga é com o governador de São Paulo – onde fica o Instituto Butantan, responsável pelo fornecimento da vacina chinesa ao Programa Nacional de Imunização (PNI) –, que sonha em ser o candidato do PSDB às próximas eleições presidenciais na disputa com o presidente Bolsonaro.

Há muitos exemplos da eficácia da CoronaVac, como o da cidade de Serrana, no interior de São Paulo, onde a vacinação em massa fez as mortes e casos despencarem. No Chile, onde mais de 63% dos chilenos já estão imunizados totalmente, os casos diários de contaminação despencaram, depois de três meses de uma severa segunda onda que obrigou a adoção de rígidas medidas restritivas, com o colapso do sistema de saúde. O país está sendo reaberto, com a retirada das restrições impostas

Cerca de 75% dos chilenos foram vacinados com o imunizante da Sinovac, que fabrica a CoronaVac, importado pelo governo chileno (no Brasil, além da importação da vacina pronta, há produção local com o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), vindo da China). Como disse Gabriel Cavada, epidemiologista da Universidade do Chile ao site UOL, “o desprestígio da eficácia que têm uma ou outra vacina, a meu ver, é um problema político e que não tem nenhuma sustentação científica (...). Todas as vacinas servem para o mesmo fim: prevenir a gravidade das infecções e evitar contágios. E todas têm  uma capacidade ao redor de 70% para prevenir contágios”.

 Se não se deve baixar a guarda, pois o vírus continua circulando, o que se reflete nos patamares ainda altos de casos diários e de mortes, ainda que bem inferiores ao que se via há alguns meses, o humor de consumidores e empresários brasileiros tem melhorado gradativamente como mostram as Sondagens produzidas pelo FGV IBRE, o que tem levado a previsões mais otimistas sobre a atividade econômica.

No caso dos empresários, mesmo com os gargalos com a falta de insumos que tem afetado a produção de automóveis, bens de capital, setor têxtil, produtos químicos e de informática, entre outros, a confiança no mês de junho foi a mais alta desde outubro de 2013.

Também cresceu o otimismo medido pelos índices de confiança apurados pelo FGV IBRE. O Índice de Confiança do Comércio subiu 5,1 pontos em julho, alcançando o patamar mais elevado desde janeiro de 2019. E a Confiança de Serviços foi o mais elevado desde março de 2014.

Cresce a confiança
Serviços e comércio (com ajuste sazonal)


Fonte: FGV IBRE.

Na outra ponta, as altas taxas de desemprego e o aumento da desigualdade que a pandemia escancarou, como tenho escrito neste espaço, têm levado os consumidores de mais baixa renda a serem mais pessimistas com o futuro.

Com esse cenário mais animador, as estimativas para a atividade econômica estão sendo jogadas para cima. O Boletim Macro IBRE revisou de 4,8% para 5,2% o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano, havendo estimativas bem mais otimistas no mercado.

Não querendo ser arauto de pessimismo, mesmo com a recuperação da atividade econômica, ainda vai levar um longo tempo para que essa taxa de desemprego, que está na casa dos 14%, caia de forma significativa. O grande problema é que um novo mercado de trabalho está se formando mundo afora com o avanço de novas tecnologias, automação, sepultando profissões e criando um modelo de trabalho que está umbilicalmente ligado a essas novas transformações tecnológicas. A pandemia nos ensinou que é possível trabalhar de qualquer lugar, remotamente, nos conectando com qualquer pessoa do planeta. E fomentou ainda mais o processo de reduzir os elevados custos de se ter pessoas com carteira assinada, substituindo o contrato de trabalho de pessoa física para jurídica. E, nesse processo, muitos não mais serão inseridos no mercado.

José Roberto Afonso, articulista da revista, abordou esse assunto em seu artigo da edição de junho.

Outro ponto que merece ser mencionado é o da iminente crise energética que o país está envolto. Os níveis dos reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste, os principais do país, estão com um nível de armazenamento de água da ordem de 26%. Desde outubro do ano passado, o volume dos reservatórios é o menor dos últimos 91 anos. O governo já vem adotando medidas para preservar o que resta de água nos reservatórios, acionando o uso mais intenso de usinas termelétricas, movidas a óleo diesel ou gás natural, o que resulta em uma energia mais cara para o consumidor.

Outras ações emergenciais estão sendo tomadas, como a importação de um maior volume de energia do Uruguai e da Argentina e a redução da vazão de água de alguns reservatórios com níveis mais críticos.

Também o aumento do endividamento das famílias, que bateu recorde em abril, chegando a um patamar de 58,3%, o maior da série histórica iniciada em janeiro de 2005, segundo dados divulgados pelo Banco Central, pode travar a recuperação econômica como vem sendo prevista pelos analistas.

Nível crítico
(Reserva dos reservatórios do Sudeste/Centro Oeste)


Fonte: ONS.

No caso da inflação, que começa a ganhar mais musculatura com a crise energética – as contas de luz que pagamos todo o mês estão mais caras –, o repique maior estava concentrado nas pessoas de mais baixa renda, onde está a maioria da legião de desempregados, dos que foram jogados nas ruas pela pandemia, dos que passam fome. Para esse grupo, as pressões maiores no bolso são o gás de cozinha, a energia e os alimentos, especialmente carne. Atualmente, a inflação também está se acelerando para os ricos, que vêm os preços da gasolina, da energia e dos bens duráveis, como carros e eletrônicos, pesarem bem mais no bolso.

E as pressões sobre os preços tendem a aumentar. Seca, geada e nova onda de frio que chegou ao país já afetam a produção agrícola. Os preços das carnes e das hortaliças dispararam, subindo 35,15% neste trimestre. Os demais alimentos também devem ficar mais caros devido a perdas nas lavouras, como diz André Braz, do FGV IBRE. Também a energia subiu 8,5% em julho, havendo previsão de uma nova alta, de 4% em agosto.

É um cenário ruim que pode trazer impactos negativos para a atividade econômica e a vida das pessoas, especialmente as mais vulneráveis.

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Agradeço ao André Braz, do FGV IBRE, pelas informações sobre a alta de preços e os dados sobre o custo de vida. Também a Rodolpho Tobler, também do FGV IBRE, pelos números sobre os Índices de Confiança, e a Solange Monteiro, editora da revista Conjuntura Econômica, sobre as informações dos níveis de reservatórios na região Sudeste/Centro-Oeste.  

Custo de vida fica mais caro


Fonte: FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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