Em Foco

A angústia da espera

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Semana passada, os frios números diários sobre como anda a pandemia no mundo, mostravam queda de contágios e mortes em vários países. Sempre que as curvas caem, aumentam as esperanças de que as coisas podem estar melhorando.

Mas essa semana começou com alguns sinais de alerta. Na Índia a situação continua piorando, com recordes de casos e mortes. Fotos de corpos sendo enterrados em covas rasas às margens do rio Ganges, publicados na imprensa, são chocantes. E a variante indiana já se alastrou por boa parte do mundo: os cientistas procuram respostas sobre esse novo perigo, sua capacidade de transmissão e letalidade.

Na Argentina, uma nova onda se abate sobre o país, com aumento de novos casos e mortes. No último dia 18 foram registrados 35,5 mil novos casos, recorde desde que a pandemia começou, com 745 mortes. Com isso, o governo de Alberto Fernández já estuda ampliar as restrições sanitárias para evitar colapso no sistema de saúde. A variante indiana já aportou por lá. No Brasil, a variante foi identificada no Maranhão na última quinta-feira (20), em seis tripulantes do navio Shandong Shi, vindo da Àfrica do Sul.

Mas, por enquanto, por aqui, a esperança aumentou ao ver os números diários de contágios e mortes caindo. Depois dos picos de março e abril – perderam a vida 148.799 pessoas nesses dois meses, recordes de mortes desde que a pandemia chegou –, a média móvel de casos e óbitos completou duas semanas em queda, embora ainda em patamares elevados, fato que não acontecia desde novembro. No entanto, a curva de novos casos parece começar a ganhar fôlego, novamente, iniciando uma trajetória de alta, o que só poderá ser comprovado nos próximos dias.

Média móvel de novos casos e mortes no BRASIL


Fonte: Worldometer. Média móvel dos últimos 7 dias.

Hoje, as pessoas ficam de olho no calendário de vacinação de seus estados. Fazem contas de quando poderão ser vacinadas, se alimentando de esperanças. Quase sempre, o calendário muda, por falta de vacinas, empurrando para mais longe o esperado dia da imunização, gerando decepções, angústias e temor do inimigo invisível. Uma expectativa, guardada as devidas proporções, semelhante a “Ninguém escreve ao coronel”, conto de Gabriel Garcia Marques, onde um coronel reformado, morando com a mulher e um galo, em uma cidadezinha do interior, espera chegar sua aposentaria por carta. Sempre às sextas-feiras, vai ao cais do porto esperar as correspondências. Para ele, entra e sai semana, mas nada chega.

E isso tem tudo a ver com a queda no ritmo de vacinação que, em maio, ficou mais lento. Segundo notícia do site UOL, até o dia 18 deste mês a média de vacinação no país era de 681 mil pessoas por dia, representando uma queda de 17% em relação a abril, quando a média de pessoas vacinadas estava na casa de 822 mil por dia. O Brasil tem capacidade para vacinar cerca de 2,4 milhões de pessoas por dia.

Pesquisa feita pelo Datafolha apontou que sete em cada dez brasileiros, ou seja 70%, acham que a velocidade da vacinação no país está mais lenta do que deveria.

Média diária de vacinas aplicadas


Fonte: Dados das secretarias estaduais de saúde compilados pelo consórcio de veículos de imprensa.Publicado pelo site UOL. *Até 18/5.

Com a queda nos contágios e mortes pela COVID-19 pelas estatísticas que muita gente acompanha todos os dias, melhorou o número de brasileiros que acreditam que a situação da pandemia está, em parte, sob controle. Outra pesquisa Datafolha mostra que os 62% que acreditavam que a situação estava fora de controle em janeiro, e havia saltado para 79% em março, despencou para 53% na terceira semana de maio.

Não querendo ser o arauto de más notícias, vivemos sempre em sobressalto. Essa semana, os números sobre ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em São Paulo começaram a embicar para cima outra vez, voltando a ficar na faixa dos 80%. Em algumas cidades do interior paulista, o quadro se agravou: em Barretos e Registro, 98% das UTIs estavam ocupadas quando escrevia esse Em Foco. Em Marília, 95%, e em Araraquara, que decretou um duro lockdown recentemente, 96%.

Com a vacinação andando morosamente – só 9,54% da população recebeu duas doses do imunizante-, e a flexibilização de medidas restritivas – o nível de isolamento dos brasileiros é o mais baixo desde que se começou a impor restrições para conter o avanço da pandemia – já se fala numa possível terceira onda por aqui. O que nos dá mais desalento e o que tem se chamado de definhamento, como escrevi no Em FocoO feitiço do tempo", de 30 de abril.

Essa má notícia, que todos esperamos não vingar, é engrossada por outras informações preocupantes. Por falta de insumos, tanto o Butatan como a Fiocruz tiveram que paralisar a produção de vacinas, o que vai atrasar, ainda mais, o cronograma de imunização. Há falta da CoronaVac em vários locais para que as pessoas recebam a segunda dose, extrapolando o tempo determinado – de três semanas –, para a imunização. Não se sabe se isso irá diminuir, ou não, a eficácia da vacina.

Já estamos em segundo lugar no número absoluto de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos. Se for feita a comparação de mortes por milhão de habitantes, já lideramos o ranking numa amostra selecionadas de países desenvolvidos e em desenvolvimento (números mais atualizados mostram que já superamos a Itália, que liderava o ranking). A testagem da população é extremamente baixa – pouco mais de 220 mil testes foram aplicados, segundo o Worldometers – contra mais de 2,5 milhões do Reino Unido e 1,4 milhão dos Estados Unidos. E como há uma corrida por vacinas, e não nos preparamos, estamos tentando entrar na fila, mesmo que seja nos últimos lugares.

Mortes pela COVID-19


Fonte: Wordometers. Posição em 19/5.

São números muito ruins, que mostram a fragilidade do País no combate a essa terrível pandemia.

Resta aguardar que a espera de milhões de brasileiros que ainda precisam ser vacinados, não seja tão angustiante quanto a do velho coronel, que todas sextas-feiras ia ao cais do porto aguardar a sua tão esperada aposentadoria, prometida por outro coronel, Aureliano Buendía, que viria a se tornar, tempos depois, principal personagem de “Cem anos de Solidão”, a obra prima de Garcia Marques.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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