Em Foco

Um março sombrio

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Março caminha para ser o pior mês desde que o novo coronavirus desembarcou no Brasil, com a notificação do primeiro caso em fevereiro do ano passado. A curva de infectados e mortos disparou nos últimos dias, tornando iminente o colapso no sistema de saúde (ver ilustração abaixo), se ações rápidas e enérgicas não forem tomadas. A vacinação, por negacionismo, disputas políticas, trapalhadas nas negociações, uma diplomacia que criou inimigos poderosos e isolou o Brasil do mundo, anda a passos de tartaruga num País com possibilidades de vacinar mais de um milhão de pessoas por dia. Não posso deixar de mencionar que a falta de consciência social e cidadania de parcela significativa da população, que não atende aos apelos de isolamento, uso de máscara e distanciamento social, contribui, decisivamente, para o quadro que começamos a viver este mês.

Nos tornamos o epicentro da pandemia do planeta, enquanto os Estados Unidos que liderava essa triste estatística sob o comando de Donald Trump, deu uma guinada de 360 graus, vacinando cerca de 1,5 milhão de pessoas por dia sob a administração de Joe Biden que já declarou que, até maio, possivelmente, todos os adultos norte-americanos serão vacinados. Outros países, como Israel e Reino Unido, seguem o mesmo caminho, só para citar alguns exemplos. Evidentemente, ainda há muitos países onde a situação de vacinação é deficiente e o contágio permanece alto, como a Argentina, só para mencionar um de nossos vizinhos, mas o nível de mortes e infectados não se compara ao brasileiro que, para piorar, gerou novas variantes do vírus, mais contagiosas e mortais.

Os Estados Unidos permanecem como o país com mais casos, mas o índice de novos casos por lá tem decrescido com o processo de vacinação. A média móvel de 7 dias atingiu 64 mil novos casos, de acordo com os dados do Worldometers. Há um mês atrás, este valor estava em torno de 120 mil novos casos.  No Brasil estes valores estão se aproximando de 60 mil novos casos, em média, e continuam a crescer diariamente. Ou seja: praticamente poderemos ultrapassar, rapidamente, os Estados Unidos nessa sombria estatística. E o Ministério da Saúde estima que nas duas próximas semanas as mortes diárias no Brasil cheguem à casa das três mil. Filas se formam nos centros de vacinação. Hoje, em Duque de Caxias, no Rio, que começou a vacinar pessoas a partir dos 60 anos, as filas chegavam a cinco quilômetros.

São números que assustam, afligem e nos levam a uma impotência, já que as sinalizações de que teremos vacinas suficientes para imunizar pelo menos 70% da população, como recomendam alguns especialistas, só no segundo semestre. E, isso, se houver, realmente, compra de outras vacinas, seja pelo governo, seja pela iniciativa privada, já que estamos restritos a apenas duas, por ora: a Coronavac e a AstraZeneca.

Como afirmou Paulo Hartung, ex-governador do Espirito Santo, em entrevista ao Blog da Conjuntura em 29 de dezembro de 2020, se o desejo é a retomada econômica, o caminho é a vacina. E isso tem sido, insistentemente, repetido por economistas, infectologistas e grande parcela da sociedade que quer se vacinar.

No último dia 3, o IBGE anunciou que o PIB recuou 4,1% no ano passado. Com isso, na última década, o Brasil cresceu insignificantes 0,3% ao ano e o PIB per capita recuou 0,6% ao ano, nesse mesmo período, o que explica a grave situação fiscal e social que se espalha por todas as unidades da Federação. Para piorar, se antes havia esperança de que o segundo trimestre deste ano apresentasse números robustos de recuperação, já que na conta dos economistas o primeiro trimestre estava perdido, com o acirramento da pandemia isso está indo por agua abaixo.

Além do estrago na economia que já estava nas cordas, pronta para o nocaute, a pandemia se espraiou para vários segmentos fundamentais para o País. Enquanto bares, restaurantes, praias, cultos religiosos, futebol são consideradas atividades essenciais, a educação sofre com um sistema de abre e fecha, comprometendo de forma irreparável, nos próximos anos, a formação de mão-de-obra e, com isso, o crescimento, a redução do desemprego, a desigualdade e a inclusão social.

Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (FGV Ceipe), afirma que “o que a pandemia está fazendo é interromper, insuportavelmente, a lenta solução para o caminho na universalização da educação, e agrava-lo ainda mais. É importante lembrar que 81,7% dos alunos da educação básica brasileira estão em escolas públicas”. Para ela, perdemos a chance de mostrar para a população que a educação é atividade essencial para o futuro do país, quando decidimos manter as escolas fechadas por tanto tempo (ver mais no Blog da Conjuntura).

Sem formação de mão-de-obra qualificada, nossa produtividade que tem caminhado a passos de tartaruga, tende a piorar, como mostra o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE.

Mas como sair desse imbróglio, recheado de trapalhadas, incompetência e descaso com a vida dos brasileiros?

A partir do movimento Unidos pela Vacina, Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, defende transformar esse sentimento de impotência diante da pandemia do coronavírus em uma rede de apoio para acelerar a imunização e, consequentemente, a retomada da economia. Para Luiza, é preciso aproveitar o despertar da sociedade civil e, a partir dele, pensar o país no longo prazo.

Já Marcos Nobre, cientista social e professor da Unicamp, faz um mergulho na política nacional para analisar como o presidente Jair Bolsonaro tem conseguido manter um nível de aprovação popular constante, mesmo sendo continuamente criticado por sua posição negacionista frente à pandemia. O apelo de Nobre é para que as forças políticas organizadas repactuem suas regras de convivência e, com isso, fortaleçam a democracia para imunizá-la contra outra doença: o autoritarismo.

Tanto Luiza como Nobre, que são os entrevistados do mês da revista Conjuntura Econômica, que circula a partir da semana que vem, no fundo defendem ações que tirem o país desse momento sombrio em que vivemos. Cabe a todos, que acreditam na ciência, na necessidade da vacinação, única arma até agora para combater o vírus, auxiliem nesse esforço hercúleo de combater a pandemia, para que a economia volte a crescer, o desemprego diminua e a desigualdade seja reduzida, já que com a pandemia um novo contingente de milhões de brasileiros foi jogado para a linha da pobreza.

Taxa de ocupação de leitos de UTI Covid-19
Evolução percentual do uso por Estados desde julho de 2020

Fonte: Fiocruz. Notas: (1) O estado de Minas Gerais tem divulgado taxas de ocupação de leitos de UTI, sem distinção entre leitos de UTI gerais e de Covid-19. (2). Na ausência de dados do estado do Rio de Janeiro nos dias 17/07, 27/07, 10/08 e 24/08/2020, foram considerados dados da capital. (3). No mapa do dia 22/02, corrigimos aqui um erro observado no boletim correspondente, mostrando que o Mato Grosso já estava na zona de alerta intermediária.

Agradeço ao Braulio Borges, pesquisador-associado do FGV IBRE e a Silvia Matos, pesquisadora do FGV IBRE, pelas valiosas contribuições para esse texto, cujos eventuais erros de compreensão são de inteira responsabilidade do autor.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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