Economistas apontam um 2022 difícil para o Brasil, com cenário desafiador para a política monetária

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A tarefa de dosar a política monetária e colaborar com a recuperação econômica de olho nos sinais inflacionários da retomada, para agir assim que a persistência dos choques comprometer a ancoragem das expectativas, tem desafiado bancos centrais em todo o mundo. No Brasil, onde a inflação de curto prazo já se desviou da meta e a pressão dos preços contamina as expectativas, essa batalha é ainda maior, como apontaram o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore e os ex-diretores da instituição José Júlio Senna e Mario Mesquita no VII Seminário Anual sobre Política Monetária, promovido na última quinta-feira (26/8), com moderação do jornalista Alex Ribeiro, repórter especial do Valor Econômico. No evento online, a mensagem dos economistas foi clara: 2022 será um ano difícil. Demandará uma política monetária restritiva e, ainda assim, para convergir a inflação à meta – provavelmente, em 2023 – o BC ainda precisará de ajuda nas esferas fiscal e político-institucional. “O BC sozinho terá muita dificuldade de levar a inflação a 3,5% no ano que vem. Ainda não descartei essa possibilidade, mas será difícil que essa convergência aconteça sem a cooperação do governo como um todo”, afirmou Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE.

Na sexta-feira, a mensagem do presidente do FED Jerome Powell no simpósio anual de Jackson Hole, de não haver pressa em mexer nos juros americanos, ainda que a retirada de estímulos monetários deva começar este ano, corroborou as expectativas apontadas pelos economistas no dia anterior. Para Senna, a redução gradual da ação do BC, que hoje representa US$ 120 bilhões mensais de compra de ativos – está ocorrendo no momento oportuno, e não haveria motivos para qualquer indicação quanto aos juros no momento. “A inflação americana está bem-comportada. É um processo centralizado: a variação do CPI de julho, por exemplo, esteve concentrada em três itens. As estimativas para cinco anos são de inflação de 2,5%, e a média de cinco anos depois dos próximos cinco é ainda menor”, enumerou. Senna lembra que, no primeiro trimestre, o contexto de euforia com a vacinação e com os estímulos fiscais alimentou dúvidas sobre o peso das mãos do FED para lidar com as pressões de preços, sob risco de o BC americano acabar atrás da curva. “A ficha foi caindo devagarzinho, e percebeu-se que a mão do FED não é fraca. Ao que tudo indica, o mundo lá fora está voltando para o que era antes da pandemia: inflação modesta, crescimento modesto, juros relativamente baixos”, disse. Para Mesquita, economista-chefe do Itaú-Unibanco, ainda será preciso conferir se os Estados Unidos não terão surpresas com as rodadas de estímulo que ainda estão por vir. “A variante delta está jogando contra, mas se a vacinação conseguir debelar o vírus e se adicionar estímulo fiscal, ainda poderá haver mais pressão inflacionária que o FED gostaria de ver”, disse.

O sinal emitido por Powell foi positivo para o Brasil, mas está longe de representar um alívio frente a um cenário de política monetária indiscutivelmente mais complexo, apontou Pastore, da AC Pastore & Associados. Aqui, ressaltou, o aumento de preços já supera 70% dos itens da cesta do IPCA, e abandonou a configuração da sequência de choques inicialmente observada, de commodities e a derivada do desvio de demanda de serviços para produtos industriais. “A inflação já é um processo aberto, e quando isso acontece o efeito atrator da expectativa ancorada na meta se reduz e a inércia sobe”, disse. Mesquita comparou esse descolamento das expectativas de curto prazo e inflação de curto prazo com o observado no final do governo Dilma Rousseff – em 2015, o IPCA superou os 10%, e no início de 2016 sua variação mensal ainda era maior que 1%. “A pergunta que fica é se hoje o BC terá que levar a taxa de juros acima do neutro de forma tão intensa quanto foi necessário naquele período para conduzir as expectativas para baixo”, questionou. Pastore considera que a intensidade desse movimento hoje é menor, “ainda que tenha à frente uma crise hídrica, e outra político-institucional”, ressaltou. O ex-presidente do BC considera, entretanto, que em 2022 será inevitável levar a taxa de juros para o nível contracionista, o que colaborará para um crescimento, estima, abaixo do potencial – que antes da pandemia era calculado em 2%. “Até agora, nossa economia se recuperou bem, ajudada pelo comércio internacional, com o crescimento de Estados Unidos, Europa e China. Mas esse impulso externo se reduzirá e estaremos com a política monetária no campo restritivo”, contextualiza. “Um crescimento abaixo de 2% permite que em um trimestre ou outro tenhamos PIB negativo. E manteremos esse quadro econômico durante o ano inteiro”, descreve.

Pastore reforça o coro de Senna de que o sucesso de política monetária nessa conjuntura dependerá também da política fiscal. “Quando a inflação jogou de mocinho e fez o PIB nominal crescer, resultando nessa bruta expansão da arrecadação tributária, na redução do déficit primário e na queda da relação dívida/PIB, parte do mercado festejou com rojões que o problema fiscal estaria resolvido, e sabemos que ele continua existindo”, disse. “E isso acontece em um contexto de um governo politicamente fraco, que cria um clima de crise institucional resultando em um cenário extremamente complicado.” Mesquita compartilha da preocupação fiscal de Senna e Pastore. “Temos instituições de política monetária muito consolidadas, com o Copom, meta transparente, e agora a autonomia formal do BC. Na política fiscal, entretanto, o quadro é mais complicado. Tentativas de enfraquecer o teto de gastos são vistas por investidores com bastante preocupação”, destacou. “O mercado está olhando para frente, de que sem instituições fiscais fortes o quantitativo de curto prazo não vai se estender no tempo. E isso pesa nos ativos. Dada a Selic, e os preços de commodities, era para o real estar abaixo de US$ 5.”

Para Mesquita, desafio do Banco Central agora é evitar que a desancoragem de expectativas de 2021, e a já contratada para 2022, atinjam 2023. “O principal número que tenho olhado toda segunda feira é o Focus e, por enquanto, ele está alinhado com a meta. Se ele se descolar, significa que BC terá um trabalho ainda mais intenso”, afirmou. Os riscos, entretanto, são altistas. Nos cálculos do Itaú-Unibanco, o emprego formal já recuperou as perdas ocasionadas pela pandemia, e diz Mesquita, essa dinâmica é mais importante para o comportamento dos preços do que a do emprego como um todo. “Se olhar dissídios, estão acompanhando a inflação, o que é bom para o assalariado, pois protege o poder de compra, mas também indica que pode haver mais persistência no processo inflacionário.” Ao que se soma, lembra, a crise hídrica, que deverá levar o IPCA para próximo dos 8% no final do ano, conforme for definido o novo aumento da bandeira tarifária. “Por enquanto, o governo fala de reduções voluntárias no consumo, então a principal manifestação da crise hídrica permanece sendo a inflação. Mas, se houver restrição de consumo, pode ser um freio para a atividade também lá na frente. Que se somará a um contexto menos favorável que o atual”, alerta Mesquita, prevendo um crescimento da economia brasileira de 1,5% em 2022, dos quais 1% seria efeito carregamento deste ano para o ano que vem. “Isso se não tiver um racionamento de energia. E Se a inflação deste ano for mais alta, e as expectativas de curto prazo descolarem ainda mais da trajetória de metas, o BC pode ser forçado a subir a Selic por mais tempo, o que também pode trazer consequências para a atividade econômica”, afirmou. Ou, pondera, um adiamento da convergência à meta. “De qualquer forma, o BC não poderá baixar a guarda totalmente, para impedir que as expectativas saiam de controle”.

Senna reconhece a preocupação sobre o custo desse ajuste para a sociedade como um todo, mas ressalta a importância de se persistir no combate à inflação. “Temos uma lista de problemas imensa: sociais, políticos, e econômicos de diversas formas. Queremos colocar a inflação nesse alista em caráter permanente?”, questionou. “Se a opção é não, o BC tem que fazer o necessário, que já é difícil. E precisará da ajuda do governo como um todo”, reforçou.

Reveja o webinar VII Seminário Anual sobre Política Monetária

 


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