Desigualdade

“Reformas na assistência social devem focar mais em políticas pré-distributivas do que numa renda universal”, diz Braulio Borges, do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O debate sobre o tamanho ideal do Estado subjacente à pressão pelo aumento de gastos públicos, neste momento de travessia do que deve ser o período mais crítico da pandemia, precisa ser tomado com critério para evitar conclusões equivocadas. Para Braulio Borges, pesquisador-associado do FGV IBRE, da mesma forma que é errado pensar que Estado grande necessariamente gera menos crescimento, e por isso deve ser condenado, também é arriscado defender um Estado de bem-estar social estanque, sem abertura a reformas que respondam a mudanças estruturais como o envelhecimento populacional e as novas relações de trabalho, bem como a correções do que chama de desvios de finalidade, como sua captura por interesses corporativistas.

Borges tratou desse tema em capítulo no livro Contas Públicas no Brasil, lançado em webinar nesta quarta-feira (12/8), que conta com a participação de 20 autores – entre eles, Felipe Salto (IFI), Marcos Mendes (Insper), Ana Carla Abrão (Oliver Wyman) e José Roberto Afonso (IDP, articulista da Conjuntura Econômica). Em seu texto, Borges aponta evidências sobre a falta de incompatibilidade clara entre o aprofundamento de políticas atribuídas a um Estado de bem-estar social e o progresso econômico. Mas mostra que o desempenho do Brasil nesse campo é ruim, em geral, por arrecadar mal e gastar mal os recursos arrecadados. Tomando como base a despesa primária e o PIB per capita de 180 países, Borges mostra que o gasto médio brasileiro de 32,4% do PIB para um PIB per capita de US$ 14,3 mil (médias 2005-2017) o deixa descolado de economias com características semelhantes. “Dada nossa renda, o gasto primário deveria ser de cerca de 28%, ou, dado o nível de gasto, nosso PIB per capita deveria estar mais próximo dos US$ 22 mil, que se assemelha ao do Chile”, compara. Em outro exercício, comparando o gasto primário com o Inclusive Development Index (IDI), do Fórum Econômico Mundial – que analisa crescimento e desenvolvimento, inclusão, equidade intergeracional e sustentabilidade em 90 países –, depara-se com resultado semelhante. “O Brasil, com um score de 3,9 no IDI, deveria ter um gasto público próximo de 23% do PIB. Ou, dada a despesa primária efetiva de 32,4% do PIB nesse período, o IDI brasileiro deveria ser de 4,3 em 2018.”

Além de reforçar a importâncias das reformas tributária e administrativa, esse diagnóstico também aponta a necessidade de que, na reforma das políticas sociais, como a ampliação do Bolsa Família, se priorizem medidas pré-distributivas, que nivelem as oportunidades da população em sua vida laboral, mais do que as redistributivas, de transferência de renda, defende Borges. Um exemplo nessa direção é focar em políticas relacionadas à primeira infância. “Sabe-se que o desenvolvimento cognitivo nessa idade – que depende de cuidados como boa alimentação e acesso a creches em que se ofereça o estímulo adequado às crianças – é fundamental para a formação de um adulto bem-preparado para se desenvolver profissionalmente”, diz (sobre esse tema, reveja a matéria Arquitetura da Prosperidade, da Conjuntura Econômica de agosto de 2019). “Uma renda mínima universal pode dar segurança às pessoas diante de oscilações de mercado, mas é difícil garantir que o uso desse recurso garanta uma melhoria na qualidade de vida do beneficiário e sua família. Talvez esse não seja o melhor caminho”, pondera.

Outra tendência entre países bem-sucedidos em equalizar oportunidades e que deveria ser observada no Brasil, cita Borges, é o cuidado com o desenho das instituições que governam o funcionamento do mercado de trabalho. “Os países escandinavos, por exemplo, têm uma economia aberta, mas reconhecem que a alta exposição aos ventos globais pode deixar o trabalhador numa posição desfavorável. Dessa forma, buscaram protege-los, o que mitigou uma piora na desigualdade de renda, esta que foi uma tendência quase global”, diz, indicando que nessa região em média 70% das pessoas são sindicalizadas, contra uma média de 10% nos Estados Unidos. “Mas são sindicatos com S maiúsculo”, ressalta. Para o pesquisador, o Brasil deu um passo positivo ao acabar com a contribuição sindical obrigatória na reforma trabalhista de 2017– que, entre outras características, reduziu a insegurança jurídica na formalização, punindo litigância de má-fé em casos de demissão –, mas afirma que o ideal seria que esta viesse acompanhada de um redesenho do sistema, aprimorando seu papel na proteção e requalificação, que agora está sendo buscado na marra. “O que vemos é uma transição para um modelo que ainda não conhecemos, que acontece em uma conjuntura muito ruim do mercado de trabalho”, diz, apontando que reformas importantes feitas em momentos de declínio podem ter efeitos contraproducentes em um primeiro momento, que precisam ser corrigidos.

 


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