“Desequilíbrios na transição do auxílio emergencial podem sair caros para o Nordeste”

Luiz Alberto Esteves, economista-chefe do Banco do Nordeste

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como tem sido a recuperação econômica nos estados do Nordeste?

Vale sempre destacar que há vários Nordestes dentro do Nordeste. Em linhas gerais, no primeiro semestre deste ano temos observado alguma recuperação do emprego, com exceção de Alagoas, que ainda não reagiu nesse indicador. Quem cresceu mais foi Piauí (5%), Bahia (4,12%) e Maranhão (3,99%). A arrecadação nesses nove estados da região também tem crescido. Em ICMS, no acumulado do primeiro semestre, o aumento foi de 20,1% em relação ao mesmo período de 2020, resultado similar ao de São Paulo, com 20,7%.

Também registramos um aumento importante das exportações, com crescimento de 26,5% em relação a 2020, em valor, beneficiado pelo preço das commodities agrícolas, minério de derivados de petróleo. No caso do agro, está relacionado à Matopiba (região que abarca 337 municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, considerados de cerrado). Outro driver importante de investimento tem sido o de infraestrutura em energias alternativas, especialmente eólica e solar. Para se ter uma ideia, o Banco do Nordeste passou a fazer investimento em infraestrutura por esse vetor, com fundo constitucional. E agora esperamos o mesmo movimento no setor de saneamento. Tem muito projeto entrando na carteira, e isso é positivo.

Mas ainda temos o processo de recuperação dos micro e pequenos empreendimentos. No setor rural, de uma agricultura familiar com dificuldade de obter ganhos de produtividade. Além de vários microempreendimentos urbanos que, sem crédito, não conseguiriam se manter abertos. Aqui no banco, também nos chama a atenção um grupo de 40 municípios – entre os quais se somam alguns de Minas Gerais e Espírito Santo, por onde se estende nossa atuação –, que batizamos de G20 + 20 (ver mapa). São cidades com mais de 100 mil habitantes que se beneficiaram de políticas sociais – não só o Bolsa Família, mas uma maior oferta de educação, saúde infraestrutura –, como também pelo agronegócio, e que apresentavam um bom ritmo de crescimento, algumas até atraindo indústrias. Mas desde a recessão de 2014 esse movimento passou a desacelerar, e hoje estão com seu potencial prejudicado, como uma obra inacabada.

Veja, muito do crescimento de algumas regiões têm relação com o aumento da aglomeração urbana, da expansão de cidades. Até a recuperação dos Estados Unidos da crise financeira de 2008/09 foi impulsionada pelas cidades médias. No caso do Brasil, esse potencial de expansão se encontra no Nordeste, pois no Sul e Sudeste esse movimento já aconteceu. Veja o caso de Santa Catarina: há cidades maiores que a própria capital. Se bem explorado, o potencial dessas cidades faria ampliar o crescimento da região nos próximos anos, que seria mais alto do que o do Brasil, no agregado. Pois a vantagem de quem está atrás é de poder pegar impulso e ter mais margem para crescer, e mais rapidamente. Mas é preciso ver como será daqui para frente em termos de políticas de capital humano, infraestrutura e de proteção social.

PIB do Nordeste


Fonte: Etene/BNB - Projeção para 2021 da LCA.

 

Desempenho setorial


Fonte: LCA; elaboração Etene; Projeção 2021 da LCA.

Como se comportou a demanda por crédito?

O aumento foi generalizado. No Banco do Nordeste, dentro do microcrédito (linha Crediamigo), foi importante, pois abarca muito do empreendedorismo liderado por mulheres informais (em 2020, o programa contratou R$ 12,1 bilhões, dos quais 67% foram para mulheres, 88% foram a empreendedores do setor de comércio, e 53% para registrados no Cadastro Único). O Pronampe foi de grande ajuda para pequenas e médias empresas. E foi importante a norma do Banco Central que permitiu conceder carência nos contratos, sem mexer na nota de crédito. Monitoramos o desempenho dos setores nesse período, e quando a carência terminou, pudemos renegociar os contratos daqueles em situação ainda mais crítica, com critério, pois para isso já tivemos que aumentar a provisão, o que implica custo de capital. Nos demais casos, nos surpreendeu que o avanço da inadimplência não foi alto – em maio, para a região como um todo, chegou a 2,85%. Mesmo assim, ainda observamos com atenção a evolução do crédito direcionado com taxa pós-fixada no IPCA, pois contratava-se uma linha com a inflação em 3,5%, 4%, e agora ela dobrou. Claro que alguns setores têm hedge natural, como o de infraestrutura, que tem menos dificuldade de fazer repasses e recompor margens. Mas com as micro e pequenas empresas não é assim.

A impressão que tenho, entretanto, é de que a pressão do IPCA não irá durar tanto. A alta que registramos hoje foi decorrente de problemas relacionados à pandemia, e considero que até o segundo semestre do ano que vem voltará a um nível de normalidade – em torno de 3,5%, com Selic na casa dos 7%.

Já temos visto a volta de projetos de infraestrutura ligados a energia. No ano passado tivemos dificuldade de cumprir nossas metas nessa área, que em geral batemos fácil, pois a tendência foi de segurar projetos devido à incerteza da pandemia. No primeiro semestre deste ano, entretanto, já ultrapassamos a meta, e isso é positivo.

Também é preciso destacar a perspectiva de crescimento do financiamento via mercado de capitais, com IPOs, emissão de debêntures. O cenário tem se mostrado de recuperação vigorosa, e temos visto isso aqui, empresas com risco baixo, que poderiam pegar empréstimo com nossas melhores taxas, preferindo emissão de debêntures. A tendência é de que essa concorrência – e complementariedade – com o crédito de longo prazo continue.

Como avalia que o fim do auxílio e o futuro do Bolsa Família podem influenciar a retomada da economia nordestina?

Recentemente o FGV IBRE fez um levantamento sobre o aumento da pobreza, que foi forte no Nordeste mas também no Sudeste, mostrando que o auxílio emergencial foi importante, mas não conseguiu blindar completamente essa evolução. Vemos com preocupação esse tema das transferências, afinal, ainda não sabemos como será a reinserção dos desempregados no mercado de trabalho depois desse choque adverso grande, somado a uma mudança estrutural que já vinha acontecendo, apoiada na adoção tecnológica. Sabemos que as condições fiscais do país não são fáceis, mas no curto prazo não haverá solução de mercado para mitigar esse impacto, e os desequilíbrios decorrentes da falta de uma transição adequada do auxílio emergencial podem sair caros. O semiárido nordestino é gigantesco. Como mencionei, há uma população do interior que graças a políticas de proteção social, investimento em infraestrutura, educação, conseguiram se manter em seus municípios, gerar polos atrativos de desenvolvimento. Interromper esse processo pode significar uma migração forçosa ás grandes cidades, com impactos negativos inclusive em termos de pegada ambiental.

Impacto da pandemia
Parcela de pobres em relação ao total da população


Fonte: FGV IBRE; considera renda per capita de até US$ 5,5 por dia, cerca de R$ 450 por mês, considerando a taxa de cãmbio pela paridade do poder de compra.

Qual a sua avaliação sobre a proposta do governo de permitir o uso do benefício do Novo Bolsa Família para pagamento de crédito consignado?

Veja, uma coisa que se diz muito é que um programa de microcrédito bem desenhado pode ser a porta de saída de programas sociais, com custo menor. Isso é verdadeiro. Mas é importante lembrar que, para que isso aconteça, esse crédito deve ser direcionado para empreendedorismo, e nem todos têm essa pegada. E, se não tiver, corre o riso de dar dinheiro para a pessoa se enforcar financeiramente.

É um tema difícil. Por um lado, é fato que as pessoas mais pobres poupam, e que algumas soluções financeiras podem ajudá-las. Mas não serão substitutos perfeitos, pois o problema delas é maior. Como disse, parte desse público que já tem perspectiva de empreendedorismo é candidata a microcrédito. Mas o contingente de pessoas que é amparado pelo Bolsa Família é muito grande para imaginar que isso pode funcionar bem para todo mundo. Não sei se a proposta do governo se baseia em alguma experiência piloto. Pessoalmente, posso falar com base na experiência de microcrédito do banco e dizer que tão importante quanto a concepção do programa é sua operacionalidade. Como esse sistema funciona aqui no banco? Como a pessoa não conta com garantias, a primeira experiência dela é através de grupos solidários, e com um tíquete baixo (30% dos empréstimos do Crediamigo são de R$ 1 mil a R$ 2 mil, e apenas 6% estão na faixa mais alta, entre R$ 8 mil e R$ 21 mil). Para conseguir um valor mais relevante, ela precisa passar um tempo no programa, aprender, mostrar evolução. Quando vemos que ela está indo bem, aí então ela migra para uma linha individual, e pleiteia valores mais altos. No longo prazo, conseguimos ver a evolução desse processo. Não sei qual seria o impacto de virar essa chave rapidamente. Na realidade, muitas dessas pessoas sequer viram um banco na vida antes de passar pelo programa. Então, a parte do aprendizado é fundamental para se garantir bons resultados.

Quem são os G20+20


Fonte: Banco do Nordeste.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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