Desemprego de longa duração aumenta com a pandemia e ameaça reinserção de brasileiros no mercado de trabalho

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Uma das questões que ficaram evidenciadas na análise de mercado de trabalho desde a pandemia é que olhar para a taxa de desemprego muitas vezes é insuficiente para entender  a real fragilidade desse mercado. Como mostrado na Conjuntura Econômica, o aumento do desemprego aquém do projetado pelos analistas no início da pandemia não significou necessariamente uma reação do mercado melhor que a esperada, pois muitas pessoas que perderam o emprego no seguntro trimestre de 2020 simplesmente deixaram de procurar uma nova vaga – por medo do vírus ou necessidade de cuidar das tarefas domésticas – saindo dessa forma do cálculo do desemprego.

Levantamentos realizado pela equipe de Mercado de Trabalho, Produtividade e Renda do FGV IBRE têm mostrado outras facetas dessa fragilidade, agora que o desemprego retomou os níveis pré-pandemia com o nível de ocupação de fevereiro deste ano superando em 0,8% o registrado em fevereiro de 2020. Por exemplo, a manutenção de um perfil pouco auspicioso de recuperação, já observado no pré-pandemia, apoiado na geração de vagas informais. “Em 2021 a recuperação do emprego foi muito puxada pela informalidade, com aumento de  8,9% de ocupações informais e 2,3% de formais”, descreve Paulo Peruchetti, pesquisador do FGV IBRE. Outro dado observado pelo grupo foi o aumento de subocupados por insuficiência de horas – ou seja, pessoas que gostariam de ter contratos que lhes garantissem 40 horas ou mais de trabalho por semana, mas trabalham menos. Como mostrado no Blog, no trimestre móvel encerrada em fevereiro deste ano esse grupo ainda somava cerca de 6,6 milhões de pessoas, ou 7% do total dos ocupados. “Sabemos que pessoas que vão para mercado de trabalho buscam uma atividade que lhes dê segurança. Mas nesses casos se trata de atividades que não lhes provê essa tranquilidade”, diz Janaína Feijó, pesquisadora do FGV IBRE.

Agora, os pesquisadores do FGV IBRE avançaram na análise das vulnerabilidades identificadas ao se analisar o perfil do desemprego depois da pandemia. Um dos dados preocupantes levantados pela equipe é o do aumento do tempo em que o trabalhador demora até achar uma nova vaga. Usando microdados da PNAD, identificou-se que o desemprego de longa duração – como é classificado o desemprego daqueles que levam mais de dois anos em busca de uma colocação – tem ganhado cada vez mais participação dentro do total dos desempregados do país, chegando a 30% em 2021. Peruchetti ressalta que é um movimento que já vinha sendo observado depois da recessão de 2014-16. “No final de 2012, esse grupo representava cerca de 1,25 milhão de pessoas; no fim de 2019, saltou para quase 3 milhões e fechou 2021 em 3,6 milhões”, descreve.

Desempregado de longa duração
(estão procurando emprego por dois anos ou mais)


Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados da Pnad Contínua (IBGE).

 

Evolução da população desocupada de longa duração 
Em milhões de pessoas


Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados da Pnad Contínua (IBGE).

O pesquisador lembra que a lenta recuperação do mercado de trabalho – que levou praticamente dois anos para chegar ao nível de emprego pré-pandemia – colaborou para esse aumento, que é preocupante, reforça, por alimentar um círculo vicioso, reduzindo cada vez mais as chances de emprego. “Quanto mais tempo essa pessoa fica longe, mais seu capital humano vai se depreciando, suas habilidades vão se perdendo, até por falta de atualização”. diz. Alerta que já havia sido dado pelo pesquisador associado do FGV IBRE Bruno Ottoni, que em conversa para o Blog ressaltou a preferência, pelo empregador, de quem tem conhecimento mais fresco. "Do ponto de vista da sociedade, um alto nível de desocupação de longo prazo tende a limitar as perspectivas de crescimento econômico do país, com a subutilização de pessoas que ficam menos produtivas e poderiam estar colaborando para a geração de renda, crescimento e riqueza", afirmou, à época.

Para Janaína, esse aumento de quase 10 pontos percentuais do desemprego de longa duração reforça a importância de se pensar em políticas públicas voltadas a melhorar a capacidade de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, salvando-as do fim da fila de preferências. “Esse esforço passa, por exemplo, por facilitar a intermediação entre trabalhador e empresário, pois muitas vezes as pessoas com baixo nível educacional sequer sabem como buscar emprego. Também é importante investir nos chamados soft skills, ou habilidades socioemocionais, como apontado na última Carta do IBRE. E aperfeiçoar a identificação de demandas das empresas, para promover cursos de capacitação profissional alinhados com a realidade do mercado”, enumera.

Janaína também destaca a importância cada vez maior da educação na inserção laboral. Levantamento da equipe do FGV IBRE entre os desalentados – aqueles que estão fora dos índices de desemprego por não mais procurarem trabalho, mesmo querendo exercer uma atividade remunerada – mostra que, no último trimestre de 2021, 66,4% desse grupo tinha menos que o ensino médio completo. Ela indica que mesmo antes da pandemia, entre 2017-19 já havia certa tendência de redução dos grupos menos escolarizados no mercado de trabalho. “Na crise sanitária, o emprego poupado foi predominantemente entre trabalhadores com superior completo, alocado em ocupações formais e com alto potencial para trabalho remoto. Ainda que em 2021 passou-se a observar uma recuperação do emprego também entre grupos menos escolarizados, um cenário macroeconômico adverso pode agir contra essa recuperação. Além disso, a maior tendência de digitalização da economia gera mudanças no mercado de trabalho, ampliando a exigência de conhecimentos e qualificações específicas, o que reduz as chances de inserção de pessoas menos escolarizadas”, descreve.

Peruchetti também destaca que o desalento segue concentrado entre a camada mais jovem de trabalhadores – 34% entre pessoas com 14 a 23 anos -; entre mulheres (56,9%), pretos e pardos (73,4% do total) e no Nordeste (59,9%) – ainda que neste último caso o peso da região será mais bem-avaliado se ponderado pelo peso da região na população em idade ativa do país, ressaltam os pesquisadores.

Distribuição etária dos desalentados
4º tri de 2021


Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados da Pnad Contínua (IBGE).

 

Distribuição por nivel educacional dos desalentados
4º tri de 2021


Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados da Pnad Contínua (IBGE).

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir