Crise energética: “quanto mais se adiam medidas para redução do consumo, mais empurramos as consequências para 2022”

Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da RPS Capital

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O agravamento da situação dos reservatórios no Sudeste e Centro-Oeste, cujo volume útil nesta segunda-feira (30/8) estava em 21,57% de acordo ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), intensificou as preocupações do mercado quanto ao manejo da crise hídrica. Em conversa com o Blog (LINK), Adriano Pires, da CBIE, já havia defendido a urgência no reajuste da bandeira tarifária - que deve acontecer hoje - não só pela necessidade de compensação pela contratação da energia de termelétricas, mais cara, como pela importância de sinalizar ao consumidor a gravidade do quadro.

Não é uma decisão fácil, posto que no acumulado do ano a conta de luz já apresenta uma alta de 13,5%. Mas sua postergação poderá ampliar o risco de racionamento, que comprometeria a retomada da atividade econômica, ampliando os efeitos negativos da crise. Levando em conta a elasticidade PIB da demanda de energia brasileira, Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS, calculou que se o país tiver uma redução compulsória de carga de 15%, semelhante à ocorrida em 2001 (de 18% no ano sobre ano), a perda potencial de crescimento econômico poderá chegar a 2,1 pontos percentuais (pp) do PIB. “Parece uma estimativa muito forte, mas já temos previsões de piora do quadro hídrico até o início do período úmido, que vai de outubro a abril”, diz. Uma redução menor da carga, de 10%, impactaria o crescimento em 1,4%; no caso de 5%, a perda de PIB poderia chegar a 0,4%.

Correlação entre Carga de Energia e PIB (taxa de crescimento)


Fonte: RPS, ONS, IBGE.

 

Cenários para o impacto da redução compulsória de carga no PIB


Fonte: RPS, ONS, IBGE.

Afora o impacto potencial com problemas na geração elétrica, a crise hídrica já tem produzido efeitos em diversas atividades. Recentemente, o Ipea revisou sua estimativa de geração de valor adicionado do setor agropecuário de 2,6%para 1,7%. Um dos vetores para essa revisão para baixo é o impacto da crise hídrica na segunda safra de milho - para a qual o Ipea revisou a previsão de queda de 3,9% para 11,3% -, bem como na cultura de cana-de-açúcar, com queda de 0,1% no valor adicionado previsto para este ano. Outras atividades também impactadas pelo baixo volume de chuvas são as relacionadas a outros usos da água, como turismo, pesca e transporte. No fim da semana passada (27/8) empresas responsáveis pelo escoamento de produtos agrícolas como soja, milho e cana-de-açúcar pela hidrovia Tietê-Paraná anunciaram paralisação das atividades - em um ano em que previam aumento de atividade. De janeiro a maio, foram transportados 2 milhões de toneladas pela hidrovia. Os prejuízos calculados pelo Sindicato dos Despachantes Aduaneiros é de R$ 3 bilhões. “A regulação dos usos múltiplos de água é um tema que não avançou nesses 20 anos desde a crise de 2001. Seria importante aproveitar a oportunidade criada pela atual crise para aprimorar esse campo”, diz Barros.

No momento, entretanto, a prioridade é indicar medidas mais consistentes de incentivo à redução do consumo de energia. “O governo tem pincelado algumas iniciativas (a mais recente é de um desconto de menos de R$ 1 por quilowatt-hora economizado pelo consumidor), claramente receoso do impacto político que um racionamento possa ter”, diz, alertando que, sem ações mais efetivas agora, e se o volume de chuvas esperado para o último trimestre não acontecer, o problema será maior em 2022. “Teremos que acionar mais térmicas por mais tempo, e o racionamento poderá ser inevitável”, aponta, lembrando que as expectativas inflacionárias de 2022 já estão desancoradas, e as estimativas de crescimento, revisadas para baixo. É uma conjuntura de estagflação que não será fácil para o Banco Central. E o ideal é trabalhar para que o setor energético não piore esse quadro”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir