Crescimento chinês balança, mas governo tem instrumentos para controlá-lo

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Há várias décadas, falar de China é pensar em uma economia de crescimento vigoroso. Na retomada da pandemia até aqui, não foi diferente. Epicentro do choque sanitário, o país também trilhou à frente dos demais seu caminho de recuperação, sendo a única entre as principais economias do globo a fechar 2020 com crescimento positivo. Este ano, a trajetória previamente cantada pelo governo chinês é de acomodação do ritmo do crescimento, indicação já absorvida pelo mercado. Mas o cenário conturbado apontado para este semestre ainda pode trazer ruídos nessa leitura. “Alguns dados apontam que a evolução da atividade está mais lenta que o esperado, rodando abaixo da tendência pré-Covid. São indicadores que merecem atenção, ainda que não faltem instrumentos ao governo chinês para mitigar uma queda maior, caso seja de seu interesse”, diz Ribeiro. A previsão do economista para o PIB chinês este ano é de expansão de 8,9%. 

O primeiro fator vai na direção das tensões observadas globalmente, fruto de problemas na cadeias de suprimentos industriais, da inflação e da variante Delta, como apontado na análise dos Barômetros Globais. O segundo elemento principal nesse cálculo são os efeitos das medidas regulatórias aplicadas pelo governo que devem provocar, entre outros, uma redução drástica do crédito, que vem atingindo especialmente o setor da construção civil. 

A desorganização na cadeia de insumos, somada a choques na demanda por produtos chineses, pode ser observada nos PMIs da manufatura chinesa, com queda nas importações e pedidos de exportações. No caso do contágio com a Delta, é o maior pico desde o episódio original da série, em Wuhan. E, ainda que não haja restrições em nível nacional, bolsões de contágio em ao menos 16 cidades têm afetado a retomada nas mesmas. No caso da inflação, Ribeiro aponta que com o índice de julho o aumento dos preços ao produtor no acumulado de 12 meses chegou a 9%. Para o consumidor, essa variação é de 1%, indicando certa dificuldade, ainda observada pelas empresas, em repassar o aumento dos seus custos aos consumidores. O progressivo avanço da inflação do atacado ao consumidor ainda é esperado, somado à volta da inflação de serviços, que no agregado já registra alta de 1,6% no anualizado até julho. “A acomodação do crescimento na segunda metade do ano, entretanto tende a amenizar esse repasse”, diz Ribeiro, lembrando que os ajustes regulatórios em mercados como o das commodities metálicas e no setor de construção civil acentuam essa tendência.

China: segundo semestre de desaceleração
crescimento do PIB (%, ano sobre ano)


Fonte: NBS e BRCG.

 

Contribuições para o crescimento
(acumulado no ano, oferta, por setor)


Fonte: NBS, elaborado por BRCG.

Ainda que a retomada de segmentos como transporte e comunicação, e cultura e entretenimento sejam responsáveis por essa alta de preços, Ribeiro aponta que atividades como de acomodação e lazer ainda não demonstram aceleração consistente – o que não impediu que o setor de serviços no agregado fosse o principal vetor de crescimento do lado da oferta, ressalva. Um sinal de alerta para os demais países? Não. “É preciso lembrar que, enquanto no mundo ocidental vimos um grande movimento de transferências diretas a famílias, e que algumas acumularam poupança, na China o governo concentrou sua ajuda às empresas, e às famílias coube recorrer a suas poupanças para passar o período mais crítico do choque sanitário. Por isso, nada mais compreensível que agora estas recomponham o nível precaucional de sua poupança”, lembra Ribeiro, o que tendem a se refletir em um movimento mais lento de retomada do consumo de serviços de lazer.

Ao final, o que os dados de alta frequência mostram é que a retomada do setor industrial ainda é superior à de serviços. No caso das manufaturas, ganhou destaque no primeiro semestre a demanda externa, com a participação das exportações líquidas na recuperação pelo lado da demanda. Impulso, entretanto, que tenderá a ser menor daqui para frente, diz Ribeiro. No caso do setor da construção, desde setembro do ano passado o setor já vive com freios regulatórios impostos pelo governo, que primeiro limitou o grau de endividamento das incorporadoras, e em janeiro deste ano estendeu às concessões e à carteira de crédito imobiliário.  Em julho, a concessão de crédito amplo contraiu 37,4% em termos interanuais, e 3,8% no acumulado de 12 meses. “O mercado de crédito está sob evidente sintonia fina – representada, por exemplo, pelo corte dos compulsórios bancários. Isso não significa, entretanto, que a queda este ano não seja forte”, diz Ribeiro.

Regulação: é preciso conter desequilíbrios sistêmicos
(dívida total na economia - % do PIB)


Fonte: Ceic, elaborado por BRCG.

Outra frente regulatória a que o governo tem se dedicado é à das big techs chinesas. Ribeiro lembra que essa ação é a que tem gerado mais ruído midiático pela polêmica suscitada quanto às suas reais motivações. “Medidas no campo financeiro para regular a formação de oligopólios no setor, entretanto, tendem a ser positivas”, diz, reforçando que, no curto prazo, o ponto de maior atenção continua sendo a evolução do mercado de crédito. “De qualquer forma, a expectativa é de que o governo consiga manter a acomodação do crescimento sem ter de alterar a trajetória de apertos regulatórios que mitiguem problemas sistêmicos na economia chinesa daqui em diante”, diz, lembrando que não falta capacidade ao país para modificar a sintonia fina operada nos estímulos governamentais para uma intervenção mais potente, levando em conta especialmente a melhora da posição fiscal chinesa desde o início do ano, fruto do aumento da arrecadação.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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