Corte de gastos também precisa abrir espaço orçamentário a políticas que amparem os mais pobres de forma permanente, apontam especialistas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nesta quinta-feira (18/2), representantes do governo e os líderes da Câmara e do Senado sinalizaram um acordo para viabilizar a volta do auxílio emergencial. A proposta é de que os gastos com o programa fiquem em uma conta separada, desobrigada de cumprimento das regras fiscais, tal como em 2020. Essa exceção seria garantida por uma cláusula de calamidade que deverá constar do texto da PEC Emergencial, a ser votada na próxima semana. Essa PEC também deverá contar com uma fusão de medidas previstas na versão anterior da PEC Emergencial e do Pacto Federativo, relativas a gatilhos que permitam a contenção de despesas orçamentárias.

Como apontou Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, ao Blog da Conjuntura Econômica, garantir que a aprovação do auxílio seja acompanhada de contrapartidas que abram espaço fiscal no orçamento é importante para se criar uma perspectiva positiva da agenda legislativa neste ano, bem como do compromisso com a trajetória fiscal. Quando apresentada, será possível avaliar se a nova PEC trará elementos suficientes para lançar esse sinal positivo ao mercado. 

Os desafios implícitos na questão do auxílio, entretanto, não se esgotam no equacionamento de como financiar mais três ou quatro meses de transferências extraordinárias. Para Daniel Duque, pesquisador do FGV IBRE, e Naercio Menezes Filho, do Insper, ainda é preciso saber qual a linha de corte que o governo criará para definir os elegíveis dessa nova fase do auxílio. E como fortalecer uma política permanente ao final do auxílio, hoje concentrada no Bolsa Família, para atender à camada mais pobre da população, que tende a ser maior do que antes da pandemia. Esses são alguns dos temas que ambos, junto ao pesquisador do FGV IBRE Fernando Veloso, discutirão no próximo dia 25 no webinar Novo Pico de Pobreza e o Auxílio Emergencial, promovido pelo FGV IBRE e o jornal Folha de S. Paulo, com moderação de Fernando Canzian, repórter especial da Folha.

Menezes lembra que essa nova rodada de auxílio emergencial tende a ser menor em população atendida, e será preciso um modelo mais eficiente de seleção de elegíveis. “Quando lançado, o programa atingiu quase metade das famílias brasileiras, muitas que não eram pobres, nem ficaram pobres depois da pandemia (2/3, de acordo a levantamento de Menezes publicado no jornal Valor Econômico). Essa nova fase de auxílio é necessária, mas precisa ser focada em quem realmente precisa”, afirma. Para Duque, mais do que mudar a linha de corte de rendimento – que originalmente era de uma renda familiar total de R$ 3.135, ou uma renda familiar mensal por pessoa que R$ 522,50 –, é preciso aprimorar monitoramento desse critério. “O auxílio acabou se tornando um benefício individual, o que gerou casos de três ou quatro benefícios por família. Como é difícil verificar além da renda formal, se poderia limitar o número de elegíveis por domicílio”, diz. Menezes, por sua vez, considera que o ideal seria manter o mesmo critério de seleção do Bolsa Família (renda mensal por pessoa menos que R$ 178), e o aprimoramento do uso do aplicativo criado para a inscrição no auxílio. “Com a declaração, pelo aplicativo, de membros da família, renda, ativos, dá para aprimorar a conferência”, afirma, defendendo também uma ampla campanha informativa. “Antes o processo foi difuso, ninguém sabia bem as regras, então muita gente se inscrevia no aplicativo e arriscava. Agora, se informarem claramente quem efetivamente pode receber, pode-se aumentar a pressão social para garantir que o auxílio chegue às pessoas certas”, diz.

Os pesquisadores lembram ainda que o aumento da pobreza gerado pela crise sanitária deverá perdurar após o controle da pandemia, e isso demandará o reforço das políticas sociais permanentes – especialmente do Bolsa Família – para amparar essas pessoas no longo prazo. Duque lembra que o programa está com valores defasados tanto na linha de elegibilidade quanto no valor do benefício – “no orçamento de 2021, o valor destinado ao pagamento do programa está 6% abaixo em relação a 2014”, compara –, e que a fila de espera para entrada no programa já era de 1 milhão de pessoas antes do estouro da Covid-19 no Brasil. “Somente essa correção já implicaria um aumento do investimento no programa, que depende de uma solução permanente. E isso implica criar espaço dentro do orçamento, não se resolve com recurso temporário”, ressalta.

Para Menezes, a discussão sobre uma nova versão do Bolsa Família, como foi ensaiada pelo governo no segundo semestre do ano passado com as propostas do Renda Brasil e, posteriormente, do Renda Cidadã, neste momento deveria ser substituída pela simples expansão do programa atual, para que o debate se concentre em seu financiamento. “Aumenta-se um pouco os valores, em especial para as famílias com crianças, e se incluem todos os que estão em situação de pobreza, desde os que entraram nela na recessão passada, aos que foram prejudicados com a pandemia. Isso é uma medida administrativa, nem precisa passar pelo Congresso. Aproveitamos o aplicativo do auxílio para fazer um Cadastro Único eletrônico, acelerando o processo. E vida que segue”, afirma.

Inscreva-se no webinar Novo Pico de Pobreza e o Auxílio Emergencial, dia 25/2, das 10h às 11h30

 


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