“Cooperação precisa estar à frente na agenda internacional tanto quanto o meio ambiente”

Lia Valls – pesquisadora associada do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Enquanto cientistas avançam no desenvolvimento de vacinas para conter a Covid-19, organizações internacionais passam a contabilizar os efeitos da pandemia e apontar o que pode ser uma das maiores crises humanitárias do globo, revertendo um progresso de 30 anos no combate à pobreza. Nas palavras do subsecretário geral da ONU para assuntos Humanitários Mark Lowcok, que lançou nesta terça (1/12) o Panorama Global Humanitário para 2021, até o final do ano que vem 150 milhões de pessoas terão entrado para o grupo de extremamente pobres. E a recuperação da atividade econômica esperada para o ano que vem não deverá reverter esse quadro por completo. Homi Kharas, sênior fellow do programa de economia global e desenvolvimento sustentável do Brookings Institution, estima que ao menos metade do contingente de novos pobres não conseguirão se recuperar no curto prazo, o que em seus cálculos significa ao menos 60 milhões de pessoas em 2030.

Lia Valls, pesquisadora associada da FGV IBRE, afirma que esse cenário dramático demandará uma inversão de postura de muitos países. “A pandemia estimulou a ideia de aumento do protecionismo, impactando áreas como a de segurança alimentar nas nações ricas, logística para abastecimento de produtos, o que tende a prejudicar os países mais vulneráveis”, descreve. “Mas é preciso reforçar a percepção que certos bens públicos são tão fundamentais, tal como a temática ambiental, e devem ser priorizados na agenda internacional. Se não avançarmos na cooperação, o mundo poderá caminhar para um desastre”, diz.

Lia recorda que esse diagnóstico já está claro em regiões como a zona do euro, em que os pacotes de estímulo à economia liderados pelos países mais ricos como França e Alemanha contemplam o apoio aos membros mais impactadas do bloco, como Grécia e Espanha, para que retomem sua atividade e mitiguem o aumento da desigualdade. Mas outras regiões e países que antes da pandemia que já sofriam problemas estruturais para se desenvolver, e que não contam com uma rede de proteção similar, precisarão de esforços concentrados para mitigar os efeitos regressivos desse novo choque. Estimativas da ONU apontam a uma demanda, somente em 2021, de US$ 35 bilhões para cuidar da população vulnerável em 56 países.

Este ano, iniciativas do Banco Mundial também apontaram nessa direção. Desde abril, a instituição tem liderado um pacote de programas de assistência a países em desenvolvimento – incluindo o chamado Covid-19 Fast-Track Facility –, que deverá somar US$ 160 bilhões em 15 meses. Para a América Latina e o Caribe estão previstos US$ 4,5 bilhões, voltados tanto para o fortalecimento dos sistemas de saúde quanto para a atenuação do impacto econômico. O Brasil está contemplado com a extensão de ajuda a programas no Rio Grande do Norte, Salvador e Acre, além de um empréstimo de US$ 1 bilhão, aprovado em outubro, para extensão da cobertura do Bolsa Família, que deverá beneficiar 3 milhões de pessoas.

Lia recorda que o momento de fragmentação política observado na América do Sul intensifica a dificuldade existente na região de concertações para a solução de problemas comuns. “E os resultados da última Sondagem da América Latina mostram que os indicadores de todos os países continuam em níveis desfavoráveis, indicando um cenário complexo de recuperação”, acrescenta. A pesquisadora lembra que as principais dificuldades enfrentadas pelas economias da região advêm de questões estruturais pré-existentes à pandemia, entre as quais está a desigualdade de renda. “Levando em conta que situações como o problema de acesso à educação remota nas redes públicas tendem a acelerar a desigualdade, dificultando a inclusão de parte da população às oportunidades relacionadas ao crescimento da economia digital, o desafio tenderá a ser ainda maior”, conclui.

Leia mais sobre Covid-19 e desigualdade na Conjuntura Econômica de julho 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir