Construção: Sondagem reflete receio do setor com efeitos inflacionários da guerra

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A semana de divulgação das sondagens empresariais de março pelo FGV IBRE foi aberta com a esperada reação dos setores aos efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia. O Índice de Confiança da Construção anunciado nesta segunda-feira (28/3) registrou queda de 0,8 ponto, anulando a melhora registrada em fevereiro, de 0,9. O índice se mantém em território considerado de pessimismo moderado, com 92,9 pontos, abaixo do nível neutro, de 100 pontos. Na média móvel trimestral, o recuo foi maior, de 1,3 ponto, terceiro consecutivo. 

Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos e Estudos da Construção e Mercados Imobiliários do FGV IBRE, classifica esse resultado como uma quebra da expectativa anterior, de gradual desaceleração do preço dos materiais usados no setor. “A indústria desses materiais é eletrointensiva, depende de energia. Há também o efeito sobre as commodities metálicas e o frete. São canais pelos quais não se esperavam novas altas”, afirma. “A atenção do setor, neste início de ano, estava fixada no resultado dos acordos coletivos que acontecem no primeiro semestre e na escassez de mão de obra qualificada, como engenheiros e mestre de obras”, diz Ana Maria, ressaltando que a guerra fez com que empresários acendessem a luz amarela. Somada à alta dos juros, uma aceleração dos preços dos materiais, pode reforçar a tendência de desaceleração da demanda no setor, afetando projetos futuros. 

De fato, o Índice Nacional dos Custos da Construção (INCC) de março - que ainda não reflete os efeitos da guerra - segue o roteiro estimado previamente pelos representantes do setor, com a taxa relativa a custos de materiais, equipamentos e serviços marcando redução de 0,75% em fevereiro para 0,37% em março. “No acumulado do ano até março, o INCC registra variação de 1,85%, contra 4,04% ano passado”, compara Ana Maria, ressaltando que essa variação maior refletia o peso da inflação de materiais. No caso da mão de obra, em contrapartida, a taxa registrada em março foi de 1,12%, conta 0,19% no mês anterior. “Esse resultado reflete os acordos já fechados em Salvador e Belo Horizonte - ambos da ordem de dois dígitos para as categorias de base - e os efeitos do reajuste do salário mínimo”, indica a economista, afirmando que ainda será preciso observar o resultado de outras praças importantes como Brasília, Rio de de Janeiro e São Paulo - esta última com o maior peso de todas. Ana Maria ainda lembra que os preços relativos ao trabalho de profissionais mais especializados também tendem a pesar nessa conta, dada à dificuldade do setor em lidar com a falta destes no mercado. “Essa é uma queixa que já havia desde o final do ano passado, e em parte se dá devido à desorganização da oferta observada com a pandemia. Com a demanda se aquecendo, agora se observa o efeito reverso.” 

Índice Nacional de Custo da Construção - INCC (taxa em %)
mar/22


Fonte: FGV IBRE.

Ana Maria afirma que a preocupação dos representantes do setor quanto ao risco da escalada de preços de materiais está claramente refletida na evolução das respostas sobre os fatores limitativos à operação das empresas. “Em janeiro, o item custo das matérias-primas havia registrado 26,9% das assinalações”, ressalta, lembrando que é o menor nível de menções desde dezembro de 2020. “Em março, subiu para 36%.” A economista considera, entretanto, que a tendência de desaceleração dos custos do setor irá se manter. “No ano passado, o INCC fechou em 14,03%. Nos 12 meses fechados em março, ficou em 11,63%. Acredito que esse movimento seguirá, ainda que perca alguma intensidade em função de uma possível pressão do preço dos materiais”, diz. “De qualquer forma, é uma preocupação pertinente, já que diante de um mercado imobiliário que já sofre o impacto da alta da taxa de juros, um aumento do preço dos insumos que encareça os imóveis tende a tornar essa compra inacessível a mais pessoas”, diz. 

Ainda que o contexto seja desafiador, o setor da construção ainda apresenta índices de confiança mais altos que no mesmo período do ano passado. Ana Maria lembra que o setor trabalha com ciclos longos, e que a atividade presente é reflexo de um ciclo de vendas passado. “É provável que o cenário atual venha a repercutir na decisão sobre novos negócios. Mas parte das expectativas ainda podem estar amparadas na possibilidade de que a taxa de juros para financiamentos imobiliários não suba no mesmo ritmo que a Selic, bem como na sinalização dos bancos de que continuarão ofertando crédito”, diz. Ana Maria também ressalta que os extremos do mercado - o de alta renda, por suficiência de recursos próprios, e o de baixa, beneficiado pelo financiamento via FGTS do programa Minha Casa Verde Amarela - não estão expostos diretamente à variação dos juros, e podem mitigar parte do impacto sentido pelo público dependente do crédito imobiliário de mercado. 

Fatores limitativos para o setor da construção - em frequência de menções (%) 


Fonte: FGV IBRE; fatores selecionados.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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