Comparação internacional reforça hipótese de que relutância ao isolamento não colaborou para sustentar emprego

Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Enquanto países desenvolvidos começam a testar a normalização de suas atividades com o avanço da vacinação, na esperança de definitivamente retomar as rédeas da economia, no Brasil estudo recente fortalece a hipótese de que a relutância em assumir restrições mais rígidas ao convívio social desde 2020 não apenas resultou em um dos mais altos índices de mortalidade por Covid-19 do mundo como não colaborou para conter a deterioração do mercado de trabalho, tornando a retomada ainda mais desafiadora. Panorama que se agrava sob um ritmo incerto de vacinação.

Trabalho de Marcos Hecksher, assessor especializado da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, divulgado há dez dias compara a perda de vidas e de ocupações registradas no Brasil em relação a outros países em 2020. Ainda que deixe claro que seus resultados não apontem uma relação causal, o estudo ressalta a correlação negativa entre esses dois fatores. No caso da letalidade da doença, análise feita por Hecksher ajustando a distribuição populacional por faixa etária e sexo mostra que, de 179 países, apenas dez tiveram menos mortes por Covid-19 que o Brasil. No caso do nível de ocupação, entre 64 países compilados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), apenas dez registraram queda mais intensa do que o Brasil nos três últimos trimestres de 2020 em relação ao mesmo período de 2019.

Hecksher afirma que tal relação não chega a ser surpreendente. “No início da pandemia, economistas analisaram em paper a evolução econômica em diferentes cidades americanas durante a gripe espanhola, e já identificavam que as que foram mais estritas em seu fechamento tiveram uma evolução econômica melhor e mais sustentável depois da pandemia”, diz. O pesquisador também cita o caso da Suécia na atual crise sanitária. “No início da pandemia, o país foi mencionado como exemplo a se seguir, de resposta inteligente, mais flexível, poupadora de emprego”, cita. No balanço de 2020, entretanto, o país havia registrado quase cinco vezes mais mortos que os demais países nórdicos, e uma taxa de desemprego ligeiramente mais alta. “No final, é o medo de contágio que determina a resposta econômica”, diz. 

Outro ponto de destaque no estudo de Hecksher foi a determinação de comparar as mortes entre países ajustando sua distribuição populacional por faixa etária e sexo. O pesquisador mostra que, para o caso brasileiro, a mudança do resultado comparando ao número calculado por cem mil habitantes nem chega a ser um salto: saímos de ser piores do que 89% dos países a 95%. “A principal diferença é a ordem dos demais, pois incluindo a variável etária já não ficamos tão parecidos com alguns países desenvolvidos como a Itália, cuja população acima de 60%, faixa em que a letalidade do vírus é mais alta, é de quase 30%, contra 14% no Brasil”, diz, questionando a falta dessa ponderação nos sites criados para comparar a mortalidade por Covid-19 entre países. Quando comparado em relação à população total, o Brasil se aproxima de países como Bélgica, Reino Unido, Estados Unidos e França, além da própria Itália, mais adiantados em sua transição demográfica. Após o ajuste feito por Hecksher, sete dos nove países com indicador pior que o brasileiro, passam a ser latino-americanos, sendo o Peru o país com pior resultado, superando em 42,8% o resultado brasileiro. Em relação à média mundial, o exercício de Hecksher aponta que o risco de morrer de Covid-19 no Brasil foi 3,6 vezes.

Mortes por covid-19 observadas em 2020 em relação às esperadas com o padrão brasileiro de mortalidade por idade e sexo
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Fonte: Marcos Hecksher, IPEA, com dados Portal da Transparência, IBGE, OMS e ONU.

Ainda que o avanço da vacinação entre idosos, ou a hipótese de aumento da letalidade entre mais jovens promovido por novas variantes do vírus se confirme, Hecksher ressalta que o importante estimular a manutenção das medidas de proteção individual, além do aumento da vacinação. “Se houver confiança de recuperação sanitária mais rápida e sustentável, a confiança na economia também tende a evoluir de forma mais intensa e mais sustentável. Caso contrário, manteremos a dominância sanitária na economia”, diz, contaminando a expectativa dos agentes econômicos e, consequentemente, a geração de emprego. 

O estudo de Hecksher aponta que, entre 64 países analisados, o Brasil saiu de ter o 25º pior nível de ocupação em 2019 para a 16ª pior taxa, com 48,8%. Foi a 11ª pior queda, na qual o país novamente é acompanhado por outros países latino-americanos. Informalidade, concentração de mão de obra em setores menos complexos e de maior interação social, baixa escolaridade são alguns dos fatores que justificam esse resultado, e que deverão ser tratados daqui para frente visando à recuperação. “Até agora, tivemos um programa bem-sucedido para evitar uma maior queda no nível de ocupação formal (o programa de manutenção de emprego e renda, BEm). Do lado dos informais, entretanto, não podemos dizer que o auxílio teve como objetivo preservar a atividade geradora de renda. Nesse ponto, ainda temos uma tarefa pendente”, diz. 

Variação do nível de ocupação entre os três últimos trimestres de 2019 e 2020
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Fonte: OIT e Pnad Contínua/IBGE.

Impacto na geração de renda

Recentemente, Juliana Trece e Claudio Considera analista e coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE, realizaram um estudo preliminar que ilustra o impacto econômico da pandemia sob outro ponto de vista.  Com base na média de rendimento e de anos de estudo dos brasileiros, calcularam quanto as 430 mil pessoas que morreram de Covid-19 no Brasil entre março do ano passado e meados de maio deste ano poderiam ter gerado de renda. Entre as vítimas de 20 a 69 anos a potencial geração de renda mensal é de R$ 492 milhões. No estado de São Paulo, que respondeu por 27,2% de todas as mortes por Covid-19 do país, o rendimento mensal das 58,9 mil pessoas dessa faixa etária representa R$ 154,5 milhões mensais. Juliana afirma que o estudo não pondera a taxa de desemprego, ressaltando que muitas poderiam se encontrar em situação mais vulnerável.

No caso das pessoas acima de 70 anos – 211 mil, segundo o Portal de Transparência do Registro Civil –, o rendimento médio mensal real de aposentadorias e pensões a preços de 2019 seria de R$ 413 milhões; R$ 112,6 milhões em São Paulo, que perdeu 57,4 mil pessoas nessa faixa etária. Aqui, a ressalva dos autores é de que algumas dessas mortes levarão a pagamento de pensão, o que afetaria essa conta. “De qualquer forma, é um impacto importante, levando em conta o fato de que em muitas famílias brasileiras a aposentadoria dos avós é fundamental como renda garantida de um domicílio, para o sustento de famílias em que país estão em desalento e há crianças para se alimentar”, diz. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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