Comércio e serviços já refletem piora da confiança dos consumidores

Rodolpho Tobler, Analista econômico da Superintendência Adjunta de Ciclos Econômicos do FGV IBRE 

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Sondagem do FGV IBRE divulgada ontem aponta que empresários dos setores de comércio e serviços já sentem a piora do ânimo dos consumidores e mostram mais preocupação com o cenário macroeconômico, especialmente pela pressão inflacionária e os efeitos da crise hídrica. O Índice de Confiança do Setor de Serviços caiu 2 pontos em setembro em relação ao mês anterior, para 97,3 pontos, interrompendo cinco altas seguidas. Já no comércio a retração observada foi de 6,8 pontos, para 94,1, segunda queda consecutiva.

Rodolpho Tobler, analista responsável pela divulgação de ambos os índices, afirma que o resultado de serviços ainda não deve ser considerado um sinal de reversão de tendência, mas uma possível desaceleração do ritmo de recuperação do setor. A queda de setembro foi influenciada especialmente pela percepção dos empresários quanto ao futuro, com uma retração do Índice de Expectativas de 3,4 pontos, mas que ainda mantém o índice acima de 100 pontos, que é o nível de neutralidade. “A instabilidade no ambiente macroeconômico traz incerteza, e possivelmente o mini boom que se esperava com a ampliação das medidas de flexibilização venha menos expressivo”, diz. Tobler lembra, entretanto, que mesmo com a piora na ponta a confiança do setor fechou o terceiro trimestre do ano acima do nível pré-pandemia. Nesse período, destaca-se o segmento de serviços prestados às famílias, que sozinho registrou alta de 15 pontos em relação ao trimestre anterior.

Confiança do setor de serviços: ainda acima do nível pré-pandemia

Para o comércio, a fotografia é mais preocupante, afirma Tobler, com o resultado de setembro apontando uma tendência desfavorável para o quarto trimestre, comprometendo as expectativas para o Natal e início de 2022. “A queda observada em agosto, além de ter sido menor (-0,1 ponto em relação ao mês anterior), foi mais concentrada no segmento de materiais de construção, o que poderia estar relacionado a certa acomodação, depois do pico de demanda observado no ano passado”, diz. Tobler também lembra que parte dessa demanda de materiais foi gerada por pequenas obras residenciais, e que um aperto nas condições financeiras das famílias pode levá-las a priorizar o consumo de produtos essenciais, mantendo cautela quanto aos demais gastos. “Em setembro, entretanto, todos os segmentos passaram a registrar queda - mesmo aqueles que tiveram bom desempenho no ano passado, como móveis e eletrodomésticos”, descreve, apontando que segmentos mais impactados pela pandemia, como veículos e autopeças, tecidos e calçados poderão levar mais tempo para se recuperar.

Confiança do comércio: possibilidade de reversão no quarto trimestre

Diferentemente do setor de serviços, que desde maio de 2020 registrou o índice que capta as expectativas sempre à frente ao da situação atual, na maior parte da pandemia os empresários do comércio demonstraram mais otimismo com a situação atual do que com a futura. “Foi um comportamento muito relacionado com as medidas restritivas. Após o primeiro choque, muitos empresários percebiam que seu volume de vendas não tinha caído tanto quanto esperavam, representando certo alívio naquele momento, mais ainda mantiveram certo receio com os meses seguintes e a possibilidade de recrudescimento da pandemia”, explica Tobler.  Mesmo com a situação sanitária mais controlada, especialmente com o avanço da vacinação, o analista lembra que o restabelecimento de certas atividades de serviços, disputando o interesse do consumidor, passa a entrar no radar dos empresários de comércio, que sentem o impacto em seus resultados no volume de vendas do mês corrente e projeta essa tendência para o futuro.

Tobler ressalta, entretanto, que o maior desafio para a confiança dos empresários daqui adiante será – além do avanço no controle da pandemia – o cenário inflacionário e o do mercado de trabalho. Ele lembra que o Índice de Confiança do Consumidor de setembro recuou ao menor patamar desde abril, na segunda onda da pandemia, e se encontra muito abaixo do nível de neutralidade, com 75,3 pontos, e distante da confiança dos empresários. “Ambos os setores dependem de como ficará o humor do consumidor. Com o poder de compra cada vez mais restrito pela recuperação incompleta do mercado de trabalho – seja do ponto de vista da taxa de desemprego, ou do rendimento médio – e pelo aumento dos preços, a tendência é de que este ano fechará não tão bom quanto pensavam”, conclui.

Confiança do consumidor recua em todas as faixas de renda
(indicador em pontos; 100 é o nivel de neutralidade)

Mesmo com os últimos dados do Caged apontando um desempenho do mercado formal de trabalho melhor que as expectativas de mercado, e a PNAD Contínua divulgada hoje (30/9) registrar uma queda na taxa de desocupação de 1 ponto percentual entre maio e julho em relação ao trimestre terminado em abril, fechando em 13,7%, altas como a da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas (7,7 milhões, recorde da série histórica, com crescimento 34% frente ao mesmo trimestre de 2020) e da informalidade, que hoje representa 40,8% da população ocupada, e uma queda de 8,8% no rendimento real habitual frente ao mesmo período de 2020, apontam a um cenário de recuperação do emprego ainda preocupante.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir