“Com uma reforma tributária apresentada em pedaços, fica difícil prever qual o resultado líquido, seja em termos de arrecadação, eficiência ou oneração”

Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Qual sua avaliação sobre a segunda fase da reforma tributária proposta pelo governo, focada no imposto de renda?

O princípio dessa reforma é muito importante, pois atinge uma parte da população que até hoje praticamente não era taxada. Por isso há uma reação forte em relação a ponto dos lucros e dividendos, por exemplo. No início do mês, o secretário especial da Receita Federal José Tostes deu uma entrevista (O Estado de S. Paulo, 3 de julho) em que mostrou vários dados a esse respeito. (afirmou, entre outros, que 20.858 pessoas receberam R$ 230 bilhões em 2020 pagando 1,8% de todo o rendimento; e que tributar renda de pessoa física sócia de pessoa jurídica é comum na maioria dos países). Então, a direção é correta, mas claro que é possível aprimorar o desenho. Se conseguir aprovar essa reforma, será ótimo, mas considero um momento politicamente difícil para o governo ter sucesso – levando em conta, entre outros fatores, que parte de sua base de sustentação está no mercado financeiro. Espero que não, mas propor uma taxação com essas características, na atual conjuntura, pode ter sido pensado como uma moeda de troca, para na verdade se conseguir aumentar a faixa de isenção do imposto de renda pessoa física, que é uma medida mais popular. Se for só isso, o governo ganhará apoio, mas perderá arrecadação. E isso terá que ser compensado depois. 

Quais pontos considera que precisam ser ajustados na proposta original?

Parece-me que é preciso equilibrar a redução da carga tributária das empresas e o aumento da carga tributária sobre pessoa física, que é um ponto importante (recente nota executiva da Receita Federal indica que a proposta de reforma, de acordo a seu texto original, não é neutra, gerando aumento de arrecadação – ver tabela no final da entrevista). Tem gente que está aplaudindo o fato de as alíquotas para aplicações financeiras terem ficado lineares, mas acho melhor manter a progressividade de alíquotas, para estimular aplicações de longo prazo, como já é hoje, estimulando a poupança de longo prazo. Outro ponto que poderia mudar é a faixa de isenção de lucros e dividendos – definida em R$ 20 mil ao mês, quando os dividendos forem pagos por micro ou pequenas empresas. Talvez possa ser ajustada para pegar realmente os mais ricos. A proposta também busca tributar parte dessa renda desestimular a pejotização. Nesse caso, considero que seriam necessárias medidas complementares. Outro tema importante é a questão da declaração simplificada, mas esse é um ponto fácil de se resolver na discussão com o Congresso.

Até há pouco tempo, o foco da discussão estava na reforma dos tributos sobre consumo – com as PECs 45 e 100, de 2019, que propõem a unificação de cinco impostos (PIS Cofins IPI ICMS e ISS), e o projeto do governo, que limita a mudança ao PIS Cofins, que seria substituído pelo CBS. Com avalia a colocação em pauta da reforma do imposto de renda? Considera que alguma deveria ser prioritária?

Mais do que estabelecer prioridade, acho que o ideal seria apresentar o projeto completo. Colocar todas as fases da proposta à mesa. À medida que se apresenta a reforma em pedaços, que por sua vez podem ser votados de forma retalhada, ninguém consegue prever qual será o resultado líquido, seja em termos de arrecadação, seja em termos de eficiência e oneração. No caso da primeira fase, da tributação indireta, tampouco sabemos bem qual o impacto, para que a população avalie se deve apoiar ou não. Quando se vota tudo separadamente, o resultado final pode virar um mostrengo.

Entendo que o governo pense que, fracionando a proposta, terá mais facilidade em avançar nas discussões, pois não é uma reforma simples. Por outro lado, é pior politicamente, pelos motivos que acabo de citar. E não tenho dúvidas que a equipe da Receita Federal sabe olhar para esse conjunto de impostos e indicar a forma mais eficiente e progressiva de estruturar o sistema.

Considera viável a aprovação de uma reforma em momento de recuperação econômica, em que as empresas ficam mais ciosas de um aumento de carga de impostos?

Fazer uma reforma nesse contexto é temeroso e difícil politicamente. Isso aumenta a importância de o governo sinalizar onde pretende chegar, e como se darão as compensações. Ainda que, como eu disse, o princípio esteja correto, é importante ter as contas claras.

Pensando em que se avance com a reforma, qual o maior risco?

Veja, levando em conta que a reforma administrativa pode acontecer através da legislação que já temos, sem mudanças propriamente ditas (como apontou recentemente Carlos Ari Sundfeld ao Blog), a reforma tributária é a mais importante neste momento. E, apesar de enfraquecido, o governo está fazendo o seu papel, de tentar encaminhá-la. Sem dúvida, seria pior se estivéssemos parados.

Mas é claro que há riscos, e os principais já tratamos aqui.  O primeiro, de só aprovar a ampliação da faixa de isenção, restringindo-se à seara de aumento de popularidade do governo. O segundo, de que passe a vigorar uma alíquota uniforme para aplicações financeiras, o que pode prejudicar os investimentos de longo prazo. E, não menos importante, que a combinação final acabe por onerar mais o setor produtivo.

Impacto da segunda fase da reforma tributária
Estimativa – R$ bilhões (cálculos da Receita Federal)


Fonte: Receita Federal – Nota técnica 8/7/2021.

 


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