China: preocupação com risco de bolhas pode influenciar mercado de commodities

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Tal como esperado por analistas, o primeiro trimestre de 2021 foi de espetacular crescimento para a economia chinesa: 18,3% em termos interanuais. Ainda que todos os segmentos da atividade tenham colaborado para esse resultado, destacou-se nesse período o impulso dado pelo consumo e, pelo lado da oferta, da construção e indústria de transformação, esta última ajudada não só pelo dinamismo doméstico como pela demanda externa.

Observado no detalhe, entretanto, esse desempenho apresenta nuances que, se não devem alterar as estimativas para o PIB de 2021, podem mudar sua composição, afirma Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, sócio da consultoria BRCG. Ribeiro – que prevê um crescimento de 9,1% para a economia chinesa este ano, acima da mediana de mercado, de 8,7% –, aponta que um dos elementos que merece atenção é o desempenho do setor de serviços. Mesmo com o país emplacando a desejada recuperação em V, e sem registros de agravamento da pandemia, a contribuição do setor de serviços para o PIB chinês não retornou à casa dos 60%, na qual se encontrava desde 2015. “No primeiro trimestre de 2021, o setor fechou com uma participação relativa de 45%”, aponta Ribeiro.

A retomada dos serviços ainda enfrenta desafios, especialmente nos segmentos “Covid sensíveis”
Setor terciário: componentes selecionadas (2014=100)


Fonte: NBS, elaborado por BRCG

Dentro desse resultado, há histórias heterogêneas. Enquanto o segmento de tecnologia da informação intensificou uma tendência de crescimento verificada desde 2017, atividades como acomodação e alimentação fora de casa, intermediação financeira e comércio reagiram mais lentamente. Ribeiro destaca que, em alguns casos, esse resultado pode estar relacionado a uma mudança mais persistente no comportamento de consumo da população. Além disso, o pesquisador aponta que, por não estar desagregado entre famílias e gasto público, o bom nível de consumo registrado no início deste ano pode encobrir uma disposição menor das famílias chinesas de irem às compras. “Seria um mecanismo precaucional totalmente justificado para uma economia com alto nível de poupança como a chinesa”, diz.

Ribeiro considera que, para retomar o crescimento pré-pandemia – seja em nível, que deve se reduzir nos próximos trimestres, seja em composição – o governo chinês deverá atuar com impulsos direcionados no setor de serviços, além de algumas correções de excessos na indústria, que a amarram a práticas da “velha China”. E, dessa forma, reposicionar a economia nos trilhos da transição de modelo econômico que o país opera há quase uma década. “Será preciso trabalhar com ajustes finos, atento ao balanço de riscos, que piorou do início do ano para cá”, afirma Ribeiro, ressaltando em especial o receio da formação de bolhas tanto no mercado imobiliário quanto no financeiro. “A diretriz agora é para que bancos reduzam crédito imobiliário tanto para compradores – que em geral financiam uma pequena parcela, preferindo usar poupança – quanto para incorporadores, estes sim, mais alavancados. E tanto na concessão de novas operações quando em estoque, estabelecendo um limite sobre a carteira total”, diz. O pesquisador recorda que, em 2019, o país registrou aumento do endividamento das famílias e redução de renda disponível devido ao aumento da inflação e do preço de imóveis, e que a hipótese de que isso se repita acende o alerta do comando chinês. 

Sinal de alerta
Setor imobiliário responde por 27% dos defaults registrados na China no primeiro trimestre de 2021

Fonte: Bloomberg, elaborado por BRCG

Desde o ano passado, o governo tem buscado atuar nesse campo, visando à desaceleração de incorporações e à redução de oferta de colateral para shadow banking. Na ponta, a construção já começou a dar sinais de acomodação. As concessões de crédito, entretanto, ainda registraram um salto em fevereiro. No agregado, registraram alta de 80% na comparação interanual. O preço de terras para novas incorporações imobiliárias também se mostrou aquecido, levando o governo a discutir uma nova dinâmica de leilões em março. “Receosas das novas regras, as incorporadoras fizeram a demanda explodir nesse mês, levando o ágio das operações a subir, chegando a 45% em alguns casos”, descreve Livio. O ritmo das vendas ainda corre acima do de construções, trabalhando a favor da pressão nos preços. “O efeito colateral desse quadro é uma explosão de defaults privados este ano. Para se ter uma ideia, do total registrado no país até março, 27% eram de empresas imobiliárias, contribuição até então inédita”, afirma Ribeiro.

Outra fonte de preocupação no radar do governo é a pressão de custos provocada pelo aumento do preço das commodities, complementa Ribeiro. Além do minério de ferro, puxado pela construção, o pesquisador cita proteína suína – devido a um novo episódio de gripe suína que afetou a produção local – e grãos. “Frente ao cenário de mudança prudencial traçado pelo governo para o mercado imobiliário, a maior possibilidade de queda de preços parece se concentrar no minério de ferro. De qualquer forma, são movimentos para se observar dentro do debate sobre um novo superciclo de commodities”, afirma.

 


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