China e América do Sul são destaques no superávit comercial recorde registrado pelo Brasil no acumulado do ano
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Postado por Conjuntura Econômica
Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
No acumulado do ano até o mês de maio, o Brasil registrou superávit da balança comercial de US$ 27,1 bilhões, o maior da série histórica, iniciada em 1997. Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE, aponta que uma característica positiva desse resultado é que o saldo foi provocado não por um recuo das importações, mas por aumento de fluxo de ambos os lados: crescimento de 30,6% das exportações e de 20,9% das importações. Entre os destaques das compras brasileiras no exterior estão produtos farmacêuticos, de fumo, têxteis, de fabricação de coque, de veículos automotores e de móveis, com aumentos entre 40% e 50%. “Na comparação interanual apenas de maio, a importação de bens intermediários pela indústria subiu 47,9%, o que é um bom sinal para a atividade do setor”, completa – ressaltando, entretanto, que a comparação se dá contra um dos piores meses da pandemia no ano passado.
Volume importado de máquinas/ equipamentos e de bens intermediários utilizados na agropecuária e na indústria (%)
Fonte: http://comexstat.mdic.gov.br/. Elaboração FGV IBRE.
Do lado das exportações, chama a atenção o bom desempenho da indústria de transformação, que em termos de volume apresentou o maior aumento de vendas no acumulado até maio, com 10,3%. O principal destaque na categoria não commodities são veículos para transporte de mercadorias, com 70% de aumento no acumulado do ano na comparação interanual, e dos veículos de automóveis de passageiros, que somente em maio registrou aumento de mais de 1000% em relação a maio passado. Esse resultado é atribuído especialmente aos países da América do Sul, como Lia aponta no Boletim Macro de junho, que apresentaram o maior crescimento no volume agregado de exportações: de 45,1% nos envios para a Argentina e de 31,8% para os demais países da América do Sul, contra 1,4% para a China, 12% para os Estados Unidos e 0,5% para a União Europeia. Lia aponta que a melhora nos termos de troca e a desvalorização do real explicam parte desse resultado, além de uma melhora econômica gradual verificada na região. Esse movimento, diz colabora para outra marca: pela primeira vez desde 2018 se registram seis meses consecutivos de variação positiva e crescente no volume exportado de não commodities, na comparação interanual mensal.
No caso das commodities, que representaram 69% do total das exportações brasileiras até maio na comparação com o mesmo período de 2019, o principal crescimento se deu via preço, com 27% na comparação interanual de janeiro a maio, contra 4,8% de aumento no volume comercializado. Nas vendas para a China, a variação dos preços no total das exportações foi ainda maior, de 32,3%, contra uma expansão de 1,4% do volume. Lia recorda que não é a primeira vez que essa ampliação se dá ancorada em preço. “Observamos o mesmo comportamento em 2009/10. Mas, depois da queda nos preços, o aumento de volume compensou e mantivemos o mesmo nível”, afirma. Resta observar se haverá a mesma substituição após este novo salto nos preços.
Variação volume e preços para os principais mercados do Brasil
(%) jan/mai 2021/ jan-mai 2020
Fonte: http://comexstat.mdic.gov.br/. Elaboração FGV IBRE.
Com o resultado desses cinco primeiros meses do ano, a China alcançou uma participação de 34% no total exportado pelo Brasil até maio. “Percentual que supera, com folga, a concentração das exportações nos Estados Unidos na década de 1990, destino de 28% das vendas brasileiras, mas com maior diversificação de produtos”, afirma Lia. Ainda para ilustrar a dimensão desse número, a pesquisadora cita estudo do Atlantic Council de abril, de coautoria da ex-secretária de Comércio Exterior do Brasil Tatiana Prazeres, que projetava que, mantendo o padrão de comércio observado até 2020, a participação chinesa nas exportações brasileiras seria de 32% em 2035. “Mantendo-se o desempenho observado até maior, já ultrapassaremos essa estimativa em 2021”, diz Lia.
O estudo do Atlantic Council desenha quatro possíveis cenários para o comércio da América Latina e o Caribe com a China até 2035 que levam em conta, entre outras variáveis, a evolução da dependência comercial dos países. No caso do Brasil, todos os cenários apontam a um aumento da importância da China como parceiro comercial, o que poderia elevar esse grau de concentração de vendas a até 42% do total. Mas a intensificação no intercâmbio comercial prevista pelos autores tende a se dar muito mais pelo aumento da presença chinesa como supridor de produtos ao Brasil do que como destino das exportações brasileiras. O principal motivo para esse giro será, de acordo ao estudo, a perda de dinamismo das exportações agrícolas ao país quando comparada aos anos 2000/20. Com isso, o superávit brasileiro no intercâmbio comercial da China tenderia a se reduzir nos próximos anos e, no cenário mais grave, o Brasil chegaria a 2035 com déficit comercial de 0,7% com a China.
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