Carta do IBRE – A pandemia e seus impactos setoriais

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A pandemia da Covid-19 provocou uma recessão mundial e posterior retomada com padrões totalmente diversos das oscilações econômicas do passado. Com a quarentena e o isolamento social, o surto do novo coronavírus atingiu muito mais o setor de serviços do que a indústria, e quase não teve efeito na agropecuária. Com base nos processos de contrações anteriores da economia brasileira, a Carta do IBRE, publicada na edição deste mês da revista Conjuntura Econômica procura trazer elementos que ajudem a entender a recessão atual, com base na ampla série de indicadores produzidos pelo FGV IBRE.

A queda estimada pelo Boletim Macro IBRE de 4,4% do PIB no ano passado foi, em grande parte, reflexo do bom desempenho da indústria, especialmente da transformação. O auxílio emergencial e a quarentena, que impossibilitou as pessoas a consumirem outros serviços, acabou turbinando as vendas de eletrodomésticos, eletrônicos, mobiliário, entre outros.

Lançando mão dos indicadores produzidos pela Superintendência de Estatísticas Públicas do FGV IBRE (SUEP), com base em dados do Monitor do PIB, a Carta demonstra que em novembro de 2020 o PIB brasileiro já havia recuperado 87% das perdas de março e abril, e estava 1,7% abaixo do nível de fevereiro do ano passado. No caso da mediana das nove recessões anteriores à de 2020, datadas pelo CODACE (Comitê de Datação de Ciclo Econômico do FGV IBRE), passados sete meses de seu início, a recuperação verificada foi de apenas 48% da perda do PIB. Como se vê, após sete meses, a recuperação da economia em 2020 foi significativamente mais vigorosa do que a experiência pregressa poderia sugerir (87% contra 48%).

Quanto a economia recuperou nos sete meses após as recessões brasileiras (em % das perdas)

*Recessões datadas pelo CODACE. Fonte: Monitor do PIB.

Quando se analisam os setores do PIB pela ótica da oferta, após sete meses do início da atual recessão, a indústria de transformação registrava um ganho equivalente a 122% do total de perdas. O comércio, outro setor de destaque, avançava 112% na mesma base de comparação. O que contrasta com o ocorrido, sempre na mesma comparação, com indústria e comércio na mediana das noves recessões anteriores, com recuperação de, respectivamente, 22% e 16% das perdas.

Já os serviços, que sete meses após o início da recessão de 2020 haviam recuperado 84% das perdas iniciais, registraram na mediana das nove recessões anteriores um avanço de 128%, também no sétimo mês após o início. O resultado histórico tão expressivo se deve, em parte, ao fato de que o setor costuma perder muito pouco durante recessões. Na mediana das nove recessões anteriores, a perda de PIB dos serviços foi de apenas 1,8%, contra expressivos 11% em 2020. Para fins de cotejamento, a indústria recuou, em termos medianos, 11,9% nas recessões anteriores e, desta vez, perdeu 15,9% entre fevereiro e abril. Não muito distante.

No padrão clássico dos ciclos econômicos, as recessões e retomadas são puxadas principalmente pela indústria, com os serviços com o papel de estabilizador. Como fica evidenciado, esse esquema foi posto de pernas para o ar na recessão da Covid-19. Agora, os serviços contribuíram expressivamente para a dinâmica da queda e são o fator vital para a retomada, uma vez que a indústria vem apresentando robusta recuperação.

Aloisio Campelo, superintendente da SUEP, relata na Carta do IBRE que a confiança empresarial e do consumidor subiram até outubro. A partir daí, no caso dos consumidores, recuaram primeiro as expectativas e, a partir de dezembro, a avaliação sobre a situação atual. Segundo o economista, a confiança do consumidor é um pouco menos aderente ao ciclo econômico – afinal, a economia se recuperou bem no final do ano –, e nela pesam preocupações com saúde, aceleração da inflação e medo de desemprego. Em janeiro, por outro lado, já foi registrada queda, tanto por parte de consumidores como de empresários, das expectativas e da percepção sobre a situação atual.

A última safra de indicadores econômicos, tanto quantitativos como qualitativos, indica que as assimetrias do ciclo de recessão e retomada no Brasil iniciado em 2020 não estão se abrandando. Há sinais de arrefecimento na indústria, cujos indicadores de confiança desaceleraram em dezembro e janeiro, mas o movimento foi acompanhado por piora também nos serviços – de forma que o desequilíbrio setorial na retomada não diminuiu. Pela importância dos serviços na dinâmica da retomada, acelerar a vacinação da população brasileira é absolutamente essencial.

Índices de Confiança

Veja a íntegra da Carta do IBRE

 


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