Candidatos à Presidência terão de apresentar proposta de solução para PEC dos Precatórios, se aprovada, dizem pesquisadores

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Caso a PEC dos Precatórios – que deve ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado amanhã (30/11) –, seja aprovada com o plano de postergação de pagamento a previsto no relatório do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), os candidatos à Presidência que preparam sua lista de propostas de governo deverão incluir nela uma solução para o restabelecimento desses compromissos, assim como um plano de reforma do arcabouço de regra fiscais que dê um destino ao combalido teto de gastos. Esse foi um dos alertas dados pelos economistas reunidos no webinar Como recuperar a credibilidade da política fiscal, promovido pelo FGV IBRE dia 25/11, em parceria com O Estado de S. Paulo e moderação da repórter especial e colunista do jornal Adriana Fernandes.

Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, coordenador do Observatório de Política Fiscal,  considera que a mudança do teto de gastos neste momento é inevitável posto que, de acordo ao próprio governo, há quase R$ 100 bilhões de despesas previstas fora do orçamento para 2022. “Ainda que exista gordura nas projeções, e com cortes orçamentários se pudesse chegar a R$ 70 bilhões, ainda assim é muita coisa para ficar de fora”, diz, lembrando que há muitos gastos inevitáveis, como o reajuste dos gastos previdenciários de acordo à inflação, e a própria ampliação do Bolsa Família, agora Auxílio Brasil, tanto em valores quanto em número de beneficiários. Mas reitera a defesa de que a solução dada pelo governo, de postergação do pagamento dos precatórios, não é adequada. “Em primeiro lugar, porque pode gerar uma bola de neve. Pode acontecer de, ano após ano, a geração de precatórios ser superior ao teto de despesas. Como vai ficar o caso das pessoas que já tiveram pagamento adiado em anos anteriores se esse limite ficar preenchido permanentemente? Isso gera insegurança jurídica. Se crescer muito, pode virar um esqueleto lá na frente, tendo que ser absorvido pelas contas públicas de outra forma.” Para o pesquisador, a questão apontada pelo ministro Paulo Guedes de haver um “mercado de precatórios” deve ser tratada de forma estrutural, “diagnosticando a questão de fragmentação das decisões judiciais que levam ao excesso de litígio para se chegar a um bom termo, e onde houver problemas no campo legislativo, avaliar onde aprimorar a legislação para se proteger os cofres públicos”. Pires considera que a proposta de postergação tem um grau importante de experimentalismo, citando dúvidas quanto à operacionalização de questões previstas na PEC com a negociação de compensações tributárias como pagamento de precatório, ou as que envolvem patrimônio do setor público. “Isso tudo está no ar. Difícil ver decisões como essa sendo viabilizadas. Temos que entender as consequências dessa proposta e trabalhar dentro de um arcabouço futuro levando em conta os riscos que ela envolve, que são relevantes”, aponta.

Fabio Giambiagi, também pesquisador do FGV IBRE reforçou no evento que a posição de não pagar os precatórios vai na direção contrária ao esforço de recuperar a credibilidade fiscal “que o país tem feito aos trancos e barrancos há 30 anos”. Para ele, optar por esse expediente levará ao que chamou de uma “argentinização” da economia brasileira.  “A Argentina faz defaults em série. Em quatro décadas, por exemplo, conseguiu a proeza de dar quatro calotes na dívida externa”, cita. Giambiagi critica a ideia de que um calote no pagamento de precatórios seja inevitável, questionando a origem dos cálculos que definem R$ 400 como valor mínimo para a sustentação da população vulnerável em 2022. “Esse discurso não se coaduna com a lógica do Bolsa Família, que é de um benefício de natureza permanente. Se há um elemento emergencial, ele tem que ser tratado emergencialmente”, diz, defendendo que o valor adicional ao de um benefício permanente deveria ser financiado via crédito extraordinário. 

Tal como Pires, Giambiagi concorda com a inevitabilidade da mudança do teto de gastos, e reconhece que o descasamento de indexadores – de reajuste dos gastos sujeitos ao teto e do próprio teto – tem gerado imprevisibilidade para o planejamento orçamentário. “Mas a escolha do IPCA leva a duas possibilidades, ambas problemáticas: aprova-se o orçamento até 31 de dezembro sem indexador, o que pode se tornar um passaporte para a judicializaão, pois se trata de uma aprovação com base em estimativas. Ou aguardar o IPCA ser divulgado, o que ocorrem em 10 de janeiro, o que significaria aprovar o orçamento sempre em fevereiro, aos o recesso legislativo, ficando dois meses sem orçamento – o que não chega a ser o fim do mundo, mas é ruim”, afirma. A alternativa apontada por Giambiagi é a de se optar pelo IPCA-15, negociando com o IBGE a antecipação de seu resultado em dezembro, para possibilitar uma aprovação do orçamento ainda em dezembro, com o cálculo definitivo dos reajustes. 

Pelos cálculos do economista, com um IPCA 15 fechado em 10,5% para este ano, a folga adicional no teto de gastos seria de R$ 55 bilhões, o que comportaria elevar o número de beneficiários do Auxílio Brasil de 14,5 milhões para 17 milhões de famílias, com um valor de benefício de R$ 271, além de garantir o reajuste dos demais benefícios sociais (INSS, LOAS, seguro desemprego).  “Isso pagando todos os precatórios, sem calote, nem furo no teto”, ressalta, reforçando a ideia de se colocar na PEC um valor adicional específico para 2022, para os 22 milhões de beneficiários do auxílio emergencial, financiados fora do orçamento do Auxílio Brasil. 

Credibilidade das regras

Em sendo o calote favas contadas, Giambiagi aponta que o próximo presidente terá mais uma tarefa na lista para recuperar a credibilidade da política fiscal brasileira. “Será preciso encontrar uma solução para o restabelecimento do pagamento dos precatórios”, diz. O que se somará ao já complexo desafio de reorganizar as regras fiscais brasileiras, com especial atenção para revisão ou substituição do teto de gastos. Um dos primeiros princípios serem observados nessa tarefa, defende Pires, é a lição deixada pelo teto de que não adianta se trabalhar com margens apertadas, na intenção de incentivar um ajuste rápido. “Regras apertadas implodem, não viabilizam reformas. Além disso, uma regra fiscal implica longevidade para se direcionar corretamente a conduta do gestor ao longo do tempo”, diz. Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), reforça a mensagem de Pires. “A proposta de mudança do teto surge por conta de um choque na despesa com precatórios de R$ 30 bilhões. É alto, mas frente a um teto de R$ 1,5 trilhão, indica que nossa regra fiscal não foi capaz de acomodar um choque de 2% do teto” ilustra. “A mensagem que fica é de que teremos que trabalhar cláusulas de escape, exceções à regra. Não considero que seja desejável que a gente se permita caminhar tão no limite, a ponto que um impacto de 2% obrigue a uma mudança constitucional”, reforça. Couri destaca que o episódio Auxílio Brasil / PEC dos Precatórios é um capítulo a mais numa história de perda de credibilidade das regras fiscais que não é nova, marcada pela sobreposição de políticas. “Se olharmos o capítulo de finanças públicas da Constituição, veremos que em 1988 havia cerca de 80 dispositivos, e hoje são quase 200. É humanamente impossível ter credibilidade, previsibilidade e controle com tantas regras em camadas, sem revisar arcabouços. Temos uma discussão marcada para 2023 rediscutir não só arcabouço de regras fiscais como orçamentária como um todo”, afirma, indicando que o país está chegando ao um ponto em que ajustes incrementais na política fiscal não serão suficientes para disciplinar as contas públicas.

Pires defende a eliminação de regras, especialmente as constitucionais. “Regras têm que ser simples, facilmente aplicáveis, e têm que apresentar sentido de correção de desvios quando esses são inevitáveis”, define.  Ele considera que regras de despesa, como a do teto, são positivas para o caso brasileiro, em que o ponto de partida é de insustentabilidade fiscal, o que demanda uma redução de gastos gradual, em busca de equilíbrio. “Além disso, países produtores de commodities em geral sofrem de muita volatilidade, e ter uma política fiscal pro-cíclica amplifica o ciclo econômico. Uma regra de despesa, nesse caso, atenua o problema. Pois, quando a economia cai, a receita cai e despesa fica fixa; e quando a economia cresce, usa-se esse excedente de receita para poupar”, ilustra. Pires ressalta, entretanto, que regras de despesa têm que ter boa capacidade de absorver choques, para não perder credibilidade ao longo do tempo, e garantir equilíbrio fiscal estrutural de longo prazo. “Uma regra com mais flexibilidade pode ser importante para o Brasil. Se tem características positivas, pode se tornar permanente garantindo melhor coordenação de expectativas quanto ao equilíbrio do longo prazo.”  

O pesquisador ainda ressaltou a necessidade de, além de aprimorar as regras fiscais, se avançar na discussão do gasto público. “Há boas experiências sobre esse tema, como Ai tem boas experiências que melhoram gasto público, como tecnologias de spending review, de avaliação de gasto, e de fazer reorganizações orçamentárias para melhorar a eficiência da despesa e gerar economia”, cita. “Acho que nisso até avançamos bem tecnicamente nesse sentido, com estudos, mas o processo político é algo que precisa ser aprimorado”, afirma, citando ainda outras iniciativas para melhora da eficiência do gasto, como uma reforma administrativa que aumente a profissionalização do serviço público e a revisão de gastos como o abono salarial.

Reveja o webinar Como recuperar a credibilidade da política fiscal

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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