“Bolsonaro defenderá uma agenda de costumes que o reconecte com o núcleo conservador, fundamental para suas ambições eleitorais”

Carlos Pereira, cientista político, professor da FGV Ebape

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro 

A eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, que serão responsáveis por controlar a agenda legislativa na segunda metade do mandato de Jair Bolsonaro, é considerada fundamental para determinar o rumo das reformas estruturais de que o Brasil precisa. Esse será o tema do próximo evento online que o FGV IBRE realizará em parceria com a Folha de S. Paulo, no dia 28 de janeiro. O webinar A sucessão na Câmara e no Senado será mediado pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian e terá a participação do pesquisador do FGV IBRE Samuel Pessoa, do professor de ciência política da UFPE Marcus Melo, e de Carlos Pereira, que nesta entrevista apresenta alguns dos pontos que pretende debater no evento.

Considera que uma vitória do candidato apoiado por Jair Bolsonaro para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), poderia comprometer a agenda de reformas e privilegiar temas de interesse do presidente Bolsonaro? 

Existe esse risco, mas considero baixo. Todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização procuraram, de uma maneira ou de outra, ter nas presidências da Câmara e Senado alguém próximo, confiável. A princípio, não vejo problema que Bolsonaro queira o mesmo. Temos exemplos importantes na democracia recente de quando essa presidência da Câmara e do Senado foi ocupada por pessoas independentes do Executivo, e a coisa não acabou bem para o presidente. Veja o caso de Fernando Collor (então PRN-AL) com Ibsen Pinheiro, do PMDB na época, como presidente da Câmara. Ele aceitou o pedido de impeachment de Collor. Na época, Collor teve uma postura muito desrespeitosa com o Legislativo, de tentar passar o rolo compressor, e isso gerou animosidades. Aconteceu a mesma coisa com Dilma Rousseff (PT). Ela jogou pesado para eleger o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), e perdeu para o Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A relação entre a Câmara e a Presidência ficou instável, complicada. Não ter alguém próximo do presidente é um risco para o Executivo, não só pelo ponto de vista do sucesso na aprovação de leis, mas da própria sobrevivência do governo.

Mas há também o exemplo inverso. Quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) era presidente, quem liderou a Câmara no segundo mandato foi justamente Aécio Neves, que também era do PSDB. Mas mesmo a despeito dessa congruência, Neves impôs uma das maiores derrotas para o Executivo, que foi a limitação do número de reedições de medidas provisórias, limitando o poder do presidente. Isso mostra que não necessariamente a congruência de interesses vá facilitar o jogo para o presidente. Isso mostra que, a despeito de Bolsonaro ter uma postura conservadora, retrógrada, ou mesmo com viés autoritário, o fato de ele garantir ou não congruência com o Legislativo, especialmente com a presidência das casas, não necessariamente vai tornar o Legislativo mais subserviente ou mais independente. A ideia de que se Bolsonaro conseguisse sair vitorioso tudo estaria perdido não é garantida, pois existe uma burocracia própria no Legislativo brasileiro, com regras e procedimentos legislativos muito estáveis. Além disso, Bolsonaro não tem uma coalizão majoritária. Por mais que ele venha se aproximando dos partidos do Centrão, ele não dispõe de maioria orgânica na casa. Então, essa preocupação de o Legislativo ficar subserviente ao executivo em função dessa potencial congruência de interesses é um risco, mas não está garantido. O Legislativo tem comissões permanentes muito estáveis, as comissões obedecem uma lógica partidária, e consequentemente os líderes dos partidos continuarão compondo as comissões de acordo com o interesse desses partidos, e não do interesse do Executivo.

Considera que, se conquistar essa congruência, Bolsonaro privilegiará uma pauta de costumes, no intuito de gerar uma cortina de fumaça para os problemas econômicos e sociais?

Em primeiro lugar, eu não acho que o Brasil vá descambar para um populismo econômico, para uma irresponsabilidade fiscal. A sociedade brasileira, os grupos de interesse mais importantes da sociedade brasileira, são muito favoráveis ao equilíbrio macroeconômico e ao equilíbrio das contas públicas. Então, qualquer governo que desvie dessa crença é politicamente punido.

Com relação à agenda de costumes, é bem provável que aconteça. Pois a partir do momento que Bolsonaro se aproximou dos partidos do Centrão, ele perdeu aderência com seu núcleo duro. Foi uma certa traição ao discurso de campanha, da antipolítica, antipartidário, de que iria governar de forma independente. Para se reconectar com esse núcleo duro, é preciso que ele coloque para frente essa agenda de costumes. Acho que será uma estratégia de Bolsonaro defender, nestes dois anos que lhe resta, uma agenda de costumes que o reconecte com o núcleo duro, fundamental para suas ambições eleitorais.

É paradoxal, mas no momento em que Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão, por mais que seja numa posição minoritária, isso o fragiliza. Pois com isso ele perde autenticidade frente a esse grupo com o qual possui conexões identitárias, não só ideológicas ou políticas. Então, para que ele consiga manter esse núcleo coeso e disciplinado, é fundamental que ele marque posição, mesmo que venha a perder, mesmo que o Judiciário venha derrota-lo, mesmo que Legislativo venha a derrota-lo. Mas uma posição que sirva para unificar o grupo, para dar razão de ser a esse grupo identitário.

O candidato Baleia Rossi (MDB-SP) já declarou que impeachment é uma prerrogativa da qual não se deve abrir mão. Isso pode ser lido como indício de um posicionamento mais duro que o de Rodrigo Maia (DEM-RJ) quanto ao tema?

Neste momento, o deputado Baleia Rossi está buscando marcar posição, se construir como candidato independente, alternativo a Bolsonaro. Mas um processo de impeachment dependerá de outras condições. Sabemos que um impedimento só acontece sob a condição de tempestade perfeita, de crise econômica aberta, escândalos de corrupção, povo na rua, perda de maioria. Acho que isso ainda não está configurado. Com certeza, se o candidato vitorioso for oposição a Bolsonaro, as chances de se chegar a um impeachment. Mas não acho que isso necessariamente aconteceria. Baleia Rossi é experiente, é um político de centro. Acho que com esse discurso ele está tentando sinalizar um perfil de independência, e alguns compromissos de forjou com partidos de esquerda, PSOL, PT, que estão apoiando a candidatura dele em troca de uma postura mais independente. Mas não considero que sua vitória implique a formação de uma arena adversarial entre Legislativo e Executivo. Apenas Bolsonaro terá que buscar uma postura mais benevolente com o Legislativo do que se Arthur Lira saia vencedor.

Até a primeira metade da gestão do presidente Bolsonaro tivemos um Congresso considerado atuante, que saiu à frente em debates como o da reforma tributária. Acha que essa característica corre o risco de desaparecer junto com a saída de Rodrigo Maia?

Não sei. Acho que o Executivo continuará sendo o ator preponderante. O Legislativo no Brasil é reativo à preponderância. Obviamente que, se for vencedor um candidato que preze pela independência do Legislativo, obrigará o executivo a negociar mais. Mas não acho que o Legislativo passe a ser o ator preponderante no jogo.

As regras do presidencialismo multipartidário são muito favoráveis ao presidente. Ele tem poder em suas mãos instrumentos como o veto total e parcial, medidas provisórias, poder de urgência. Os líderes partidários que fazem parte da coalizão do presidente podem interferir nas comissões do Congresso. Então, acho que o Congresso continuará sendo um ator reativo a essa preponderância do presidente. O importante é que não seja venal, nem subserviente. Mas ofereça um ponto de inflexão, em que o Executivo seja obrigado a negociar e não tenha condições de passar o rolo compressor.

No segundo semestre, deveremos iniciar o aquecimento para as eleições de 2022. Em recentes entrevistas da Conjuntura Econômica, como com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o cientista político Jairo Nicolau, ressaltou-se que uma oposição bem-sucedida a Bolsonaro dependeria de uma aliança ampla de partidos, especialmente os de centro. Pela fotografia de hoje, considera viável a construção desse cenário?

Acho que a pandemia trouxe algo novo, que foi um desgaste muito grande para as alternativas polares, extremas. Diante de uma crise tão aberta como é a sanitária, medo de contágio, de morte, nesse cenário de muita incerteza, o que as pessoas precisam é de horizontes livres de surpresa, que sejam mais previsíveis.

Houve uma decepção muito grande de parcela considerável do eleitorado de Bolsonaro com a gestão da pandemia, e esse eleitorado rompeu com Bolsonaro. Mas nas pesquisas que realizo, quando pergunto a esse eleitorado de Bolsonaro se votaria novamente nele, a resposta é que só o faria para evitar um candidato de esquerda, ou diretamente do PT.  Ou seja, se surgir alguém competitivo de centro, esse eleitor que votou em Bolsonaro e foi decisivo para sua vitória em 2018 não estará mais com o presidente. Hoje existe um mercado eleitoral disposto a um candidato com esse perfil, que se opõe aos extremos.

As eleições municipais deram esse recado, pois foram de vitória da moderação, dos partidos que têm conexão local, que conseguiram alimentar suas bases de interesse e de rejeição tanto de alternativas de direita – os candidatos de Bolsonaro foram fragorosamente derrotados – como do PT. Isso mostrou que eleitor está em busca dessa meiuca. As eleições norte-americanas também deram esse recado. E 2022 provavelmente reforçará a mensagem do previsível, do estável. Consequentemente, os candidatos de centro tendem a ser mais capazes de preencher essa expectativa. A discussão toda se dará em torno do nome. Acho que o governador João Doria (PSDB-SP) é um fortíssimo candidato para ocupar esse espaço, mas existem outros potenciais candidatos, de Sergio Moro ao apresentador Luciano Huck. Se houver capacidade de coordenação, escolha de um nome relativamente de consenso entre as várias forças, acho que o centro tem fortíssimas chances de se tornar vitorioso.


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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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