Boletim MACRO FGV IBRE

Com incertezas, a economia entra em uma nova fase

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

“Apesar de todos os percalços, o desempenho da atividade econômica neste segundo semestre continua favorável. O processo de reabertura econômica segue avançando, conforme a mobilidade urbana se normaliza sem aumentar o número de novos casos e de mortes por COVID-19. Ao contrário, o avanço da vacinação tem permitido uma abertura mais segura da economia, sem que se perca o controle da pandemia”, destacam Silvia Matos e Armando Castelar na edição de setembro do Boletim Macro FGV IBRE.

Para Silvia e Castelar, pesquisadores do FGV IBRE, “em 19 de setembro, a média móvel de sete dias de novos casos girava em torno de 19 mil por dia, enquanto a de mortes estava em 560, de acordo com o Worldometer, um nível relativamente baixo, similar ao observado em novembro de 2020. Também a taxa média de ocupação de UTIs continua a cair, indicando uma superação da pandemia, mesmo com riscos relacionados à variante Delta. Pelos menos por enquanto, todos os sinais são favoráveis e os riscos parecem contidos. A pandemia também segue sob controle nas economias avançadas, contribuindo para que a  economia mundial continue se recuperando neste semestre”.

Embora esse processo de maior vigor da economia tenha sido iniciado no primeiro trimestre do ano, ele perdeu ímpeto no trimestre seguinte quando o PIB avançou minguados 0,1%, frustrando as expectativas de um crescimento mais forte para este ano. Com isso, as previsões foram revistas para baixo – o Boletim Macro está com 4,9% de crescimento do PIB, com possibilidade de viés para baixo. Mas o quadro desenhado para o ao que vem não é nada animador.

O Boletim deste mês destaca, como lembrado na edição anterior, que o mundo está entrando em uma nova fase, menos assustadora que a do auge da pandemia, mas menos brilhante que a do primeiro semestre. E cada etapa dessa longa jornada tem novos desafios e, consequentemente, há muita volatidade e incerteza nessas transições. Aqui se combinam o desafio de desmontar os enormes e inovadores programas de estímulo adotados pelas autoridades fiscais e monetárias com o de lidar com os problemas que atrapalhavam a economia antes da pandemia, e que ganham outra vez proeminência, conforme a pandemia sai de cena.

Silvia e Armando ressaltam que “o tamanho dos desafios nessa nova fase explica por que, ainda que o Brasil siga a tendência mundial e o cenário seja moderadamente otimista, os indicadores antecedentes da economia brasileira são menos favoráveis que os de outras grandes economias. É o caso dos indicadores compostos avançados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mostram que o Brasil é a única grande economia que já entrou em desaceleração, em que pese o indicador continuar superior a 100, o que significa que está acima da tendência de longo prazo. A OCDE também aponta que países emergentes, como China e Rússia, terão crescimento constante acima da média mundial. No entanto, com relação à China, é importante ressaltar que o processo de desaceleração continua, devido à exaustão das políticas de estímulos, o aperto das políticas regulatórias e as restrições impostas pelo avanço da variante Delta no país e na Ásia como um todo”.

No caso da China um outro componente entrou em cena: a crise que se abateu cobre a gigante do setor imobiliário Evergrande que corre o risco de ir à bancarrota, com consequências imprevisíveis sobre o mercado chinês e as demais economias mundiais.

No dia 20, quando a empresa declarou que não teria condições de honrar os pagamentos de juros da dívida o passivo da empresa é estimado em US$ 355 bilhões, as bolsas despencaram no mundo. O pânico que se disseminou pelo mercado, que enxergam a possibilidade da volta do fantasma da crise de 2008, com a quebra do banco norte-americano Lehman Brothers por insolvência de créditos imobiliários, sem que o FED, o banco central dos Estados Unidos desse socorro. O que gerou um efeito dominó de perdas enormes para instituições financeiras em todo o mundo.

Há, no entanto, quem defenda que o pânico é infundado, apesar da grave crise, pois o governo chinês, para evitar um mal maior, irá socorrer a empresa (leia mais aqui).

Voltando para nosso quintal, as prévias das Sondagens do FGV IBRE de setembro mostram queda generalizada da confiança de empresários e consumidores, tanto na avaliação da situação atual como no componente das expectativas. Outro ponto negativo das pesquisas foi o Indicador de Incerteza, com destaque para o componente relacionado à incerteza política.

O Boletim ressalta que “ enquanto o impacto da pandemia retrocede, outros fatores contribuem para aumentar as preocupações com o desempenho da economia. O primeiro deles é a inflação, que segue muito elevada e tem surpreendido sistematicamente para cima.  A alta nos preços internacionais de commodities, da ordem de 40% desde o início da pandemia, com uma taxa de câmbio sistematicamente depreciada, jogou para cima os preços de alimentos, derivados de petróleo e outros bens comercializáveis, ainda que tenha beneficiado os setores exportadores, o que contribuiu para a recuperação mais rápida da economia doméstica. Além disso, com o expressivo aumento mundial da demanda por bens, em um contexto de desorganização de cadeias de suprimentos, devido à pandemia, a indústria tem sido afetada, contribuindo para as pressões inflacionárias nesse setor.

Os custos de transporte, somados à crise hídrica e energética, também acentuam o choque de preços nas atividades industriais. E, por fim, a normalização do consumo de serviços pelas famílias adiciona mais um ingrediente de pressão na inflação agregada. Em nossas projeções, o aumento esperado de preços de serviços não é compensado pela desaceleração de preços de bens”.

Para Silvia e Armando estamos em uma tempestade perfeita “ que tem gerado maior desancoragem nas expectativas para os próximos anos”. O Boletim estima que o IPCA feche este ano em 8,7% e, no próximo ano, em 4,1%. “A expressiva aceleração inflacionária, com destaque para os preços ao produtor amplo, pressiona o deflator do PIB. E, com isso, há temporariamente uma melhora dos indicadores fiscais, mas que esconde a gravidade da situação das contas públicas, às vésperas de um ano eleitoral em que o candidato incumbente não lidera as intenções de voto e o líder nas pesquisas promete acabar com o teto de gastos”, ressaltam os pesquisadores.

Diante desse quadro inflacionário e de elevados riscos fiscais, há uma rápida deterioração das condições financeiras, com aperto no crédito. Esse quadro leva a uma desaceleração da atividade agregada, a despeito da normalização do setor de serviços. Revisamos a previsão do PIB para 4;9% este ano, ante 5,2% anteriormente. Para 2022, a previsão foi revisada apenas ligeiramente, de 1,6% para 1,5%.

Essas projeções, como afirma o Boletim Macro, “não consideram os impactos de um possível racionamento de energia. Em que pese toda incerteza sobre as previsões de chuva, o racionamento não é parte do nosso cenário base, pois esperamos que o aumento de oferta de energia no sistema e a redução de demanda das famílias e do setor produtivo, devido ao expressivo aumento das tarifas, podem evitar a imposição de restrições diretas ao consumo de energia. No entanto, os impactos negativos da crise hídrica na atividade já estão presentes e devem permanecer até que os níveis dos reservatórios sejam restabelecidos.

O quadro energético atual mostra que, mesmo em um contexto de ociosidade no mercado de trabalho, e de algumas condições para uma recuperação cíclica mais expressiva, restrições de oferta impedem um crescimento mais acelerado, como já se observava antes da pandemia. Como destacado nas análises do “Observatório da Produtividade Regis Bonelli”, para a economia crescer mais rapidamente e ocorrer um novo ciclo de crescimento da produtividade e do produto potencial, temos de avançar em diversas questões estruturais já resolvidas pelos países desenvolvidos, como infraestrutura e capital humano e, simultaneamente, investir em inovação e tecnologia.

Esses diversos fatores negativos ofuscam os efeitos ainda positivos do cenário externo e da normalização da economia, com o fim das restrições para o consumo de serviços mais intensivos em trabalho e com maior interação social. O Brasil poderia estar passando por um período de intensa euforia, mas, no entanto, os riscos fiscais e políticos, somados aos nossos gargalos de oferta, impedem que um cenário mais otimista se concretize.

E, por fim, as respostas fiscais necessárias para amparar essa convergência da inflação à meta, nos horizontes relevantes da política monetária, são urgentes e factíveis dentro do arcabouço do atual regime. O teto de gastos sempre se prestou ao propósito de obrigar o país a fazer escolhas de políticas públicas. Se conseguirmos encontrar uma solução, podemos evitar cenários ainda mais negativos”.

• Atividade econômica

O desempenho da economia deverá continuar bastante heterogêneo entre os setores. Com o aumento da mobilidade e a superação do pior da pandemia, os serviços prestados às famílias, que foram os mais afetados pela Covid-19, já estão se recuperando e devem ser o destaque da atividade neste semestre. Vai depender do comportamento desse setor, com o maior peso na formação do PIB, se cresceremos mais ou menos este ano.

• Confiança

A prévia de setembro das expectativas sinaliza queda dos índices de confiança, tanto o empresarial quanto o do consumidor. A inflação alta, problemas de logística e a crise hídrica, além de instabilidades políticas, institucionais e fiscais, elevam a incerteza, tornando empresas e consumidores mais cautelosos quanto a projetos de investimento e consumo nos próximos meses. A maioria dos indicadores registra queda, resultante da piora tanto da situação atual quanto das expectativas.

Confiança de consumidores e empresários
(Com ajuste sazonal, em pontos)


Fonte: FGV IBRE.

• Inflação

Ainda que o IGP (Índice Geral de Preços) esteja registrando variação negativa, isso não indica que a inflação ao consumidor oferecerá trégua nos próximos meses. Os aumentos da tarifa de energia e dos combustíveis estão contribuindo para o espalhamento das pressões inflacionárias, antes contidas entre os alimentos. Câmbio, cadeias produtivas desmobilizadas e crise política completam o cenário favorável para o aumento da inflação.

• Fiscal

Mesmo diante dos incontestáveis avanços em matéria de administração pública observados a partir da LRF, a fragilidade do arcabouço de regras fiscais vigentes é acentuada pelas recorrentes tentativas de modificá-las. Criamos (e alteramos) regras ao sabor do vento, a fim de contratar (ou manter) um compromisso que apenas uma visão de Estado de longo prazo seria capaz de sustentar. Ainda que a discussão sobre o desenho das regras faça parte do jogo democrático, faz-se igualmente necessária a construção de bases institucionais sólidas e capazes de sustentar regras críveis e duradouras.

Suficiência da Regra de Ouro
Representação da base móvel para o cumprimento da regra de ouro nos últimos 12 meses em relação ao mês de referência


Elaboração Própria. Fonte: STN, https://www.tesourotransparente.gov.br/visualizacao/painel-da-regra-de-ouro.

• Internacional

Nos EUA, pressões inflacionárias recentes parecem derivar de algo novo, integralmente associado à pandemia. Referimo-nos à combinação de gargalos na produção e na distribuição de bens e ao desvio na demanda das famílias, que passaram a privilegiar a aquisição de produtos físicos, especialmente duráveis. Difícil prever quando tais pressões começarão a se dissipar. Enquanto isso não ocorre, ficamos com o risco de as elevadas taxas de inflação corrente acabarem provocando a desancoragem das expectativas de inflação. Disso, certamente, resultariam juros reais mais elevados, com impacto adverso sobre os países emergentes.

Ver a íntegra do Boletim Macro

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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