BC ajusta sua rota, mas equilíbrio depende do quadro fiscal, apontam economistas em webinar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em suas aulas no Departamento de Economia PUC-RJ, o professor Marcio Garcia gosta de usar analogias médicas, homenagem à profissão de seus pais, para explicar o funcionamento da macroeconomia. Costuma chamar os especialistas em política monetária de cardiologistas, e os de política fiscal, de nefrologistas. E mostrar que os cardiologistas não têm como salvar sozinhos o paciente Brasil, já que o principal problema do país é renal.

“Analogias à parte, hoje o problema brasileiro efetivamente é de saúde, pela falta de vacina contra Covid-19, por incentivos a aglomerações e tratamentos ineficazes, enquanto outros países que aceleram o ritmo de imunização já vêm resultados na economia”, aponta Garcia. Isso não elimina, entretanto, a condição inicial do paciente, dependente de ajustes fiscais que recoloquem a trajetória da dívida pública em um caminho sustentável. “Estamos numa semana de discussão sobre o Orçamento em que esse tema está em destaque. E é dele que vai depender o que a política monetária poderá fazer”, afirma.

As implicações fiscais para a rota da política monetária deram a tônica do webinar Política monetária e seus impactos na economia, promovido dia 15/4 pelo FGV IBRE em parceria com O Estado de S. Paulo, moderado por Fabio Alves, colunista do Broadcast, serviço de informações financeiras em tempo real do jornal. Carlos Viana, sócio fundador da Asset 1, ex-diretor do Banco Central, ressaltou no evento que o teto de gastos deixou de ser condição suficiente para a estabilização da relação dívida/PIB, tornando o quadro fiscal ainda mais desafiador. “Isso se reflete nos preços de ativos brasileiros, prêmios de risco. E pode resumir o que vem acontecendo com a taxa de câmbio. Enquanto a maior parte dos países conseguiu reverter a depreciação de suas moedas observada na pandemia, no Brasil estamos perto dos níveis mais depreciados nominalmente, que foram atingidos em maio do ano passado”, afirma.

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, destacou o comportamento de alta das taxas reais de juros nos leilões recentes do Tesouro, reflexo do que considera uma piora gradual do regime fiscal. “A PEC Emergencial revelou ausência total de disposição para fazer ajuste”, diz, ressaltando que própria alcunha recebida pela emenda, de PEC fura-teto, já ilustra os sinais negativos que o contexto fiscal hoje envia ao mercado. “Todos no mercado estão fazendo suas contas e interpretando as atitudes do Executivo e do Congresso”, lembra.

No evento, tanto Senna quanto Vianna avaliaram que a adoção do forward guidance pelo Banco Central no ano passado, apontando a uma expectativa de manutenção de juros baixos no médio prazo, foi negativa por tomar um risco excessivo ao deixar o balanço de riscos de lado. “Na dimensão fiscal, esse foi um erro grave, pois o BC condicionou a manutenção desse instrumento a uma questão quase binária, de valer enquanto o regime fiscal estiver em vigor”, afirma Vianna. “Mas o mundo é mais complexo. O risco de romper com o regime fiscal oscila muito, flertamos fortemente com o risco de ruptura, mas do ponto de vista formalista ele foi respeitado.” O economista lembra que o forward guidance acabou caindo no início do ano não pela questão fiscal, mas pelo aumento da projeção de inflação, e quando o BC voltou a olhar para o balanço de riscos, a situação estava bem mais deteriorada. “O BC acabou se vendo atrás da curva, e agora está fazendo uma correção de rota que é bem-vinda”, avalia.

Senna considera que o gradualismo adotado pelo BC para as altas da Selic – de 75 pontos na reunião do Copom de março, apontando a um novo aumento do mesmo porte para a próxima reunião – foi correto, por garantir a “eloquência de atitude” necessária para sinalizar a preocupação com as expectativas da inflação para 2022. “Temos chance de que o desvio da demanda – de consumo de serviços para o de bens, que pressionou a inflação – perder força, mais ainda corremos o risco de que, ao menor sinal de aquecimento da economia, os repasses nos preços comecem a surgir. Ainda, assim, sou otimista com a capacidade do BC de ancorar as expectativas inflacionárias” diz.

“Hoje nossa política monetária não, é, de forma alguma, um problema. Temos que torcer para que políticos e economistas cheguem a um acordo que respeita a essência das regras fiscais, que é evitar uma explosão de gastos de coloque em dúvida a sustentabilidade da dívida, e nos esforçarmos para explicar à sociedade que esse cenário será pior para todos”, reforça Garcia. “O BC, por sua vez, está num caminho correto de ajuste. Tenho plena confiança de que ele perseguirá o cumprimento das metas de inflação e, se for necessário subir juros mais rapidamente, ele o fará para garantir as expectativas de um 2022 com a inflação na meta”, conclui Viana.

Reveja o Webinar A política monetária e seus impactos na economia

 


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