Aumento da produtividade está intimamente ligado com agenda de ajuste fiscal, dizem especialistas em webinar FGV IBRE e O Estado de S. Paulo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro 

Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou o fim do bônus demográfico no Brasil, quando a população em idade ativa (entre 15 e 64 anos) passou a crescer menos do que a população total, que inclui crianças e idosos. Além de gerar uma maior dependência econômica destes últimos, essa mudança indica que o caminho mais simples para ampliar a geração de renda per capita, que é incluir mais pessoas em idade ativa dentro do mercado de trabalho, definitivamente se estreitou para o Brasil. Desde então, o crescimento econômico depende cada vez mais do aumento da produtividade – quesito em que o país registra uma debilidade histórica, que se agravou a partir da recessão de 2014-16, especialmente em função do aumento da informalidade.

O drástico impacto provocado pela pandemia no setor de serviços, que concentra empregos sem carteira assinada, colaborou para um aumento da produtividade da economia em 2020. Os pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram que a produtividade aumentou 16,9% em relação ao mesmo trimestre de 2019, quando em sua medida são usadas as horas efetivamente trabalhadas. Por refletir um estado excepcional da economia brasileira, entretanto, esse resultado tende a se reverter rapidamente, como mostram os dados do terceiro trimestre, registrando uma redução do ritmo de crescimento para 3,6% na mesma comparação. “Foi um aumento provocado não pelas razões usuais, do produto crescendo mais que o trabalho, mas por uma queda generalizada de ambos, na qual o trabalho contraiu mais”, explica Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE. “Segmentos de serviços como alimentação e hospedagem, que são menos produtivos, foram os mais afetados, assim como trabalhadores de baixa escolaridade.  Foi um choque de enormes proporções, que acabou fazendo com que quem sobreviveu, em média, fosse o mais produtivo”, descreve. Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, também ilustra esse efeito composição a partir da última Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE. “Enquanto os serviços prestados às famílias ainda está 32% abaixo do nível de fevereiro, serviços de tecnologia da informação, que são mais produtivos, estão 12% acima”, cita. Com a retomada da economia ainda em ambiente de alto nível de incerteza, a tendência é de que a informalidade volte a predominar na recuperação do emprego, e o Brasil volte a enfrentar sua falta de eficiência produtiva.

Taxa de crescimento da PTF (em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

No webinar “Produtividade e Reformas”, promovido dia 14/12 pelo FGV IBRE em parceria com O Estado de S. Paulo – moderado pela repórter e colunista do jornal Adriana Fernandes –, Silvia, Veloso e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, reforçaram a mensagem de que, para aumentar a produtividade da economia brasileira, não há atalhos possíveis. “Precisaremos perseverar em reformas que melhorem a alocação de recursos, estimulem a concorrência, bem como de políticas horizontais que aprimorem nosso ambiente de negócios”, resume Silvia. No evento, Veloso ressaltou que o Índice de Incerteza da Economia medido pelo FGV IBRE registrou seu pico histórico com o choque sanitário, e ainda não voltou ao nível pré-pandemia. “Com isso, a tendência é de que empresários posterguem suas decisões relacionadas a aumento de produtividade. Eles deixam de fazer investimento em máquinas e equipamentos, adiam contratações formais, adiam decisões de adoção de novas tecnologias, bem como de reorganizações da empresa que geram mais eficiência”, alerta, apontando que esses projetos em geral só saem do papel quando os empresários enxergam um horizonte com aumento de demanda. Veloso reforça que esse ruído de incerteza só tenderá a diminuir com uma sinalização concreta da disposição do país a abraçar reformas estruturais, bem como perseverar na agenda microeconômica. “O que estamos vendo, entretanto, é um adiamento da votação dessas reformas”, diz, em sinal de preocupação. 

Marcos Mendes aponta que, entre os itens de maior impacto para a produtividade brasileira, o primeiro da lista é a reforma do sistema tributário. “Nosso sistema é de baixa qualidade, interfere no que a empresa vai produzir, onde e como, além de aumentar tremendamente o custo gerencial”, diz. O segundo ponto, enumera, é a precariedade da infraestrutura brasileira, tema que abre o leque para uma ampla agenda que vai do fortalecimento do sistema regulatório a agências reguladoras blindadas, bem como regras estáveis para que os investidores privados invistam em concessões e parcerias público-privadas (PPPs).  Na sequência, Mendes ressalta a importância da abertura econômica, que possibilita o acesso a insumos e máquinas de qualidade. “Essa abertura também nos levaria a um processo de destruição criativa, em que novas empresas vindas do exterior, ou com capital estrangeiro, competem com empresas nacionais que hoje, no conforto de sua proteção, não se preocupam investir em melhoria de qualidade e produtividade” diz. Por último, mas não menos importante, Mendes cita melhorias na educação, para aumentar o capital humano da população. Silvia ressalta a importância desse ponto ao observar que a faixa da população com 15 anos de escolaridade ou mais foi muito pouco afetada pela crise sanitária. Mas lembra que a realidade da maioria da população, em especial os jovens, é outra, de um cenário de difícil inserção no mercado de trabalho, o que tende a empurrar esse grupo para a informalidade. 

Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-BR)
(em média e em média móvel de seis meses)

Ainda que a mudança estrutural do mercado de trabalho e seu impacto nos jovens não seja uma questão exclusiva do Brasil, Veloso lembra que aqui ela ainda é mais desafiadora, pois envolve vários pontos vulneráveis das políticas públicas nacionais. “De um lado, tivemos tentativas de treinamento profissional de jovens malsucedidas, pois não olharam para a demanda das empresas. De outro, essa questão também é influenciada pela falta de melhorias no ambiente de negócios, onde o sistema tributário tem grande peso, para que as empresas tenham incentivos para crescer”, diz. O pesquisador do FGV IBRE também conectou esse tema com a necessidade de se desenhar políticas sociais mais eficazes. “As novas tecnologias que proporcionam aumento de produtividade em geral vêm acompanhadas de disrupções no mercado de trabalho, criando empregos de um lado, mas destruindo outros. É um processo natural, entretanto, demanda medidas de proteção social para pessoas que perderam seu emprego e têm dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho”, defende. Veloso e Mendes são coautores do projeto do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) que serviu como base da proposta de criação da Lei de Responsabilidade Social (LRS), apresentada no Congresso no início de dezembro pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), visando à substituição do Bolsa Família. Seu diferencial é a criação de uma poupança dedicada à proteção de trabalhadores informais nos momentos de oscilação de renda. Ela é formada a partir de depósitos mensais feitos pelo governo federal de até 15% do valor de rendimento declarado por cada trabalhador da família com renda até R$ 780, e pode ser sacada em caso de queda de rendimento ou de calamidade pública. Em artigo para o Blog do IBRE, Veloso ressalta a importância de se dar tratamentos diferentes ao extremamente pobre que não tem condição de gerar renda – que pelo projeto da LRS continuará recebendo transferência mensal, como no Bolsa Família – e o trabalhador que gera renda, mas que pode sofrer com variações bruscas. “O tema da informalidade vai continuar, e as novas modalidades de trabalho como serviços por aplicativos muitas vezes não geram uma proteção social adequada”, diz.

Veloso defende que a LRS parte de um princípio correto, de buscar uma melhor alocação dos recursos que já existem no orçamento. “Em geral as discussões de políticas sociais sempre giram em termos de gastos, mas pouco se discute sobre a efetividade de seu desenho. O mesmo passa em outras áreas, como o investimento público. Fala-se no aumento de investimento coo uma panaceia, mas pouco se fala em como melhorar a gestão dos recursos”, afirma Veloso, apontando que, com a trajetória da dívida pública na ascendente, é preciso reconhecer as discussões essenciais trazidas pelo teto de gastos, sobre como melhor gastar os mesmos recursos.”

Para Mendes, para se buscar medidas efetivas de aumento de produtividade da economia brasileira, também é preciso eliminar o falso dilema de incompatibilidade entre a agenda de reformas e o combate à pobreza. E dá alguns exemplos. “Na hora em que se privatiza uma estatal, pode-se eliminar um nicho de apropriação indevida de renda por determinados grupos. Na hora em que se faz reforma da Previdência, eliminam-se privilégios de camadas de mais alta renda e liberam-se recursos que podem ser aplicados em políticas sociais em favor das crianças, onde se concentra. Na hora em que se faz ajuste fiscal, diminui-se a taxa de juros de equilíbrio da economia e, portanto, o ganho da população de mais alta renda que é quem se beneficia disso. Temos um modelo de Estado que ajuda a concentração de renda. Quando se reformam essas políticas que geram privilégios, abre-se uma oportunidade de um tratamento mais igualitário. É isso que precisa entrar no debate”, afirma.

O pesquisador associado do Insper ressalta que nem todo o balanço dos últimos anos é negativo, lembrando de várias medidas de efeito importante para a produtividade: as reformas da Previdência e trabalhista, a agenda microeconômica do Banco Central, o novo Fies. “Mas também temos reformas que vêm na direção contrária, como o aumento de subsídios para a indústria automobilística e para a Zona Franca de Manaus. Além de reformas essenciais que deveriam andar e não estão andando como as de privatizações e de abertura da economia”, enumera. Neste fim de ano conturbado, em que pouco se pode esperar de aprovação relevante no Congresso, Mendes ressalta que o lucro será evitar jabutis – matérias incluídas de última hora na agenda legislativa – que também possam comprometer os avanços conquistados até agora. “O marco regulatório do gás é um exemplo. De oportunidade para tornar o mercado eficiente, corre-se o risco de converter o projeto em reserva de mercado para empresas de gasoduto. Outro exemplo é o relatório da PEC emergencial que circulou extraoficialmente, e cuja votação foi prorrogada para o ano que vem. Tinha questões de redação que, no limite, dava a entender que havia espaço para governo gastar fora do teto, o que seria negativo”, exemplifica.

 


LINKS DE INTERESSE

Reveja o Webinar Produtividade e Reformas: https://www.youtube.com/watch?v=3lLncyVn_rA

Observatório da Produtividade Régis Bonelli: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade

Produtividade na Conjuntura Econômica

Dezembro/2019: http://www.fgv.br/mailing/conjuntura-economica/2019/12-dezembro/36/

Maio/2019: https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-03/conjuntura-economica-2019-05-baixa.pdf

Abril/ 2018: https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-06/03capa18-simples.indd_.pdf

Maio/ 2017: https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-06/conjuntura-econ_mica-2017-05-baixa.pdf

Janeiro/2017: https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-06/01capa17-simples.indd_.pdf

Maio/2015: http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=Conjun_D10&Pasta=&Pesq=produtividade&pagfis=5774

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir