Associação defende na FGV a inclusão de motoristas e entregadores de aplicativos na previdência social

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No mundo, aplicativos de delivery e mobilidade tornaram-se importantes fontes de renda para aqueles que perdem o emprego ou buscam um rendimento adicional para complementar o orçamento. No Brasil, estima-se que 1,4 milhão de pessoas estejam envolvidas no trabalho como entregador ou motorista de aplicativos, atendendo a cerca de 60 milhões de usuários. Como pontuou o economista José Marcio Camargo (PUC-RJ) em evento recente, esse novo modelo de negócio traz consigo a inegável vantagem de, com ajuda da tecnologia, fazer a rápida intermediação entre a necessidade logística de algumas pessoas e aquelas interessadas em prestar esse serviço. Com a vantagem, para estes últimos, de ser uma alternativa de trabalho sem grandes barreiras de entrada, e com alta flexibilidade – permitindo jornadas de trabalho definidas pelo próprio prestador de serviço, conforme sua conveniência.

Mas a vantagem de ser uma tábua de salvação de fácil e rápido acesso apresenta problemas quando encarada como ocupação única de mais longo prazo, devido à falta de direitos desse trabalhador independente, por não configurar um vínculo que lhe garanta cobertura em caso de doença ou qualquer outro motivo que impacte o rendimento observado, tampouco direito à aposentadoria pela previdência pública – o que levou esse tipo de trabalho a ser relacionado à deterioração das condições laborais, sintetizada no termo “uberização”, e que as próprias empresas de aplicativos buscam mitigar, com medidas que ampliem a proteção dessas pessoas. Nesta quarta-feira, em seminário promovido na FGV em Brasília, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como Ifood, Uber, 99, Amazon e Buser, lançaram uma Carta de Princípios em que defende a definição de um modelo de inclusão dos entregadores e motoristas de aplicativos na previdência social. Aline Viotto, representante da diretoria executiva da Amobitec no evento, afirmou que a defesa da Amobitec é por uma proposta acessível tanto em termos de adesão, cadastro e pagamentos, como em relação à alíquota. “É importante que seja um sistema que não onere demais os entregadores, para que de fato contribuam”, diz. Outro ponto destacado na Carta é que o modelo respeite a flexibilidade e autonomia características dessa atividade, que permite ao trabalhador estar conectado a múltiplas plataformas simultaneamente, e cujo recolhimento seja proporcional ao faturamento auferido em cada mês. “As empresas representadas pela Amobitec também assumem o papel de atuar como facilitadoras da integração de motoristas e entregadores ao sistema, bem como uma cota de contribuição. Isso é importante não só para garantir que estes estejam em dia com seu pagamento como para facilitar o recolhimento”, afirma.  

No evento, Felipe Daudi, head de políticas públicas do Ifood, destacou dados de pesquisas que apontam que parte desses trabalhadores, que estão nos aplicativos para complementar renda, já contribuem para a previdência por terem um trabalho com carteira assinada. Entre os autônomos, entretanto, essa contribuição é mais errática. Levantamento realizado pela Ifood entre os 200 mil entregadores cadastrados demonstra que 64,7% são microempreendedores individuais (MEI), portanto já contribuem para a previdência. Desses, entretanto, apenas 27%, ou 19 mil, têm seus pagamentos quitados e 12 ou mais meses de contribuição. Em outra pesquisa, com amostra de pouco menos de 3 mil motoristas e entregadores, indica que os principais motivos para estes não contribuírem para o MEI é ter ganho variável, e as mensalidades por vezes serem altas em relação ao seu rendimento; desconhecimento; e considerar que o custo-benefício não compensa. A mesma pesquisa indica que 43% dos entregadores e motoristas com certeza contribuíram para ter um benefício previdenciário no caso de uma contribuição proporcional de 5% de seus ganhos. Esse percentual chega a 63% quando a contribuição sugerida é de 2,5%.

Estimativas do Uber de 2021 apontam que a renda mensal bruta de um motorista de aplicativo pode chegar a R$ 5.430, caso ele tenha 40 horas de engajamento por semana. Outra pesquisa, do Instituto Locomotiva, também de 2021, indica que para os entregadores com alto engajamento a renda mensal bruta poderia chegar a R$ 2.154. A média de horas em que estes ficam conectados por semana, entretanto, é de 18 horas para entregadores e 19h para motoristas. Em ambos os casos, cerca de metade desses trabalhadores independentes possuem outra fonte de renda.   

Lançada essa Carta de Princípios, agora a Amobitec pretende incentivar o debate público para definir propostas a serem defendidas no Congresso. “Entendemos que este é um tema urgente e é fundamental avançar nesse debate, em torno de um modelo que integre motoristas e entregadores ao sistema de previdência. Que não onere demais, seja flexível, respeite a autonomia desses profissionais e, por último, que considere empresas como facilitadoras da inscrição e recolhimento”, sintetiza.

No evento, a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania/SP) ressaltou a importância do debate sobre a proteção dos trabalhadores por aplicativos. “É um tema recente, e não podemos nos limitar a resolvê-lo com soluções tradicionais, sob pena de inviabilizar um novo mercado surgindo”, afirma. Já o deputado federal Rodrigo Coelho (Podemos/SC) defendeu a ideia de inclusão previdenciária de motoristas e entregadores de aplicativos, mas ressaltou o desafio de se trabalhar com uma contribuição variável. “De qualquer forma, é importante ressaltar que o fato gerador da contribuição previdenciária é o trabalho, não o vínculo empregatício –  nem esses trabalhadores querem perder sua flexibilidade – por isso deixo um protesto contra decisões de juízes do trabalho que têm reconhecido esse vínculo. O interesse do governo é que haja inclusão previdenciária desse grupo – que, depois da previdência rural e dos MEIS, será a maior registrada”, afirmou. O deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ), ressaltou a importância de, nesse debate, evitar adequar a realidade a modelos antigos, questionando a sustentabilidade de um modelo com baixa contribuição para suportar um sistema previdenciário que já enfrenta problemas de sustentabilidade em função da mudança do perfil demográfico brasileiro e do próprios mercado de trabalho. “Temos uma sociedade mais velha com mais necessidade de pagamentos previdenciários sem cobertura adequada. Uma proposta de contribuir com alíquota de 2,5% ajuda, mas só empurra o problema para frente”, afirmou. Daudi, do Ifood, reconheceu o desafio que envolve esse debate. “Temos avançado em soluções privadas, como seguros contra acidentes, contra lesão temporária – este lançado recentemente. Mas quando pesquisamos junto aos entregadores, mais de 60% consideram importante estarem incluídos na Previdência. E caso ele não gere renda até o fim da vida, será mais um beneficiário do BPC no futuro, o que também significará uma conta extra para o Estado pagar, de acordo com o modelo que temos hoje. Por isso, consideramos que garantir algum modelo de proteção  para esses trabalhadores é evitar um rombo fiscal maior lá na frente”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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