Assistência

A intenção do Ministério da Economia recentemente sinalizada de reformular o Bolsa Família e expandir seus beneficiários após a vigência do auxílio emergencial – que, pelos planos do governo, deveria ser estendido por mais dois meses, com valor reduzido – pode ser uma oportunidade de resgatar o debate sobre reformas do sistema de proteção social brasileiro em bases mais adequadas para uma política de longo prazo. A avaliação é do economista Vinicius Botelho, reincorporado recentemente à Economia Aplicada do FGV IBRE como pesquisador associado, após atuar como secretário nacional nos ministérios de Desenvolvimento Social e da Cidadania. 

Botelho ressalta que a urgência e o impacto da pandemia alteraram o curso das conversas que vinham sendo travadas no ano passado sobre a reformulação das políticas de assistência, trazendo à pauta legislativa propostas que excedem o propósito de ajuda emergencial, como o do estabelecimento de uma renda básica universal – que, conforme declarou à Conjuntura Econômica na edição de junho, considera menos eficiente para a redução da pobreza extrema no Brasil do que o programa Bolsa Família. 

“Ainda não temos clareza do programa Renda Brasil, como anunciado pelo ministro Paulo Guedes. Não há detalhes de como vai funcionar, quais programas seriam fundidos ou alterados. Mas uma agenda que fortaleça a rede de estrutura de proteção social – tanto do ponto de vista orçamentário quanto de desenho – vem em um excelente momento”, afirma. Ele lembra desde a criação do Cadastro Único, em 2001, as políticas de assistência social ganharam instrumentos mais finos para identificação da população mais pobre, o que torna medidas como o abono salarial – um dos mais visados para corte, com gastos anuais da ordem de R$ 19 bilhões – sejam menos eficientes. No caso do abono salarial, este foca uma camada da população com emprego formal que em geral não é a mais vulnerável. 

Outro ponto que deve ser tema no debate em torno do Renda Brasil é como este se integraria na proposta do ministro Guedes de aumentar a formalização da economia. “A princípio, é difícil dar o mesmo tratamento para quem está na pobreza extrema e quem está na informalidade. Portanto, espera-se que esse novo programa dialogue com outros, incentivando à participação no mercado de trabalho”, analisa. Algumas alternativas possíveis, cita o pesquisador, são conexões do Renda Brasil com iniciativas de qualificação e políticas específicas de cotização de emprego, ou os que constarão do também anunciado programa Verde Amarelo, do qual tampouco há detalhes.

Botelho reconhece normal a desconfiança gerada em torno de mudanças no Bolsa Família, que é uma política de eficácia mundialmente reconhecida, com 90% dos beneficiários entre os 40% mais pobres do país. “É natural a preocupação de que se alterem os eixos do programa. Mas considero que nesse ponto há clareza do que funciona bem e o que deve ser aprimorado, ainda que o risco político sempre exista”, diz. 

Um dos elementos que indicarão a intenção de melhoria, cita, será a forma como as informações obtidas dos beneficiários do auxílio emergencial que estavam fora do Cadastro Único serão tratadas. A ideia passada pelo ministro Guedes de que o programa “tirou 38 milhões de brasileiros da invisibilidade, que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho” deve ser tomada com cautela. “É preciso tomar cuidado antes de assumir esses dados como adequados para operar uma política social nova e permanente, como uma leitura de quem são os informais no Brasil”, alerta Botelho. Até o último levantamento disponível, os habilitados ao auxílio fora do cadastro eram 20 milhões de pessoas. “Podemos chegar aos 30 milhões, mas para definir bem esse grupo ainda é necessário cruzar as informações com outras bases, discutir a caracterização socioeconômica a ser usada, bem como de rendimento das famílias”, cita o pesquisador. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir