Análise Conjuntural

Pesquisadores defendem necessidade de se enfrentar custos políticos para o ajuste fiscal, em webinar FGV IBRE/Estadão  

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na segunda-feira (28/9) em que o governo anunciou uma estratégia polêmica para financiar o novo programa substituto do Bolsa Família, combinando recursos de precatórios e do Fundeb, pesquisadores reunidos no III Seminário de Análise Conjuntural, promovido pelo FGV IBRE em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo, defendiam a importância de o governo apontar com clareza como pretende equacionar o ajuste fiscal, chave para a retomada da economia a partir de 2021. “O desconforto com as contas públicas hoje está em toda parte - no câmbio, na bolsa, na inclinação da curva de juros – e demanda uma disposição mais firme de se enfrentar os custos políticos das medidas que precisam ser feitas para equilibrar o fiscal”, afirmou José Júlio Senna, chefe do Centro de Política Monetária do FGV IBRE. 

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, destacou a importância da ampliação das políticas sociais focadas à camada da população mais vulnerável, especialmente em um cenário incerto para o mercado de trabalho. “É uma demanda meritória por mais gastos, mas a discussão sobre achar espaço no orçamento para financiá-los passa pela revisão de políticas que já sabemos que são ineficientes, com impacto fiscal elevado e sem resultados em termos de produtividade”, afirmou. Entre elas está o abono salarial, cuja eliminação foi proposta pelo Ministério da Economia, e rechaçada pelo presidente. Silvia ressaltou que a estimativa do IBRE para a taxa de desemprego média este ano é de 13,4%, podendo abrir 2021 a 15%. “Além da redução do auxílio emergencial, a perda de renda disponível nessa camada da população também tende a se agravar com a inflação de alimentos, que tem maior peso na cesta de consumo desse grupo”, disse. 

Armando Castelar, coordenador da Economia Aplicada do IBRE, defendeu que a melhora do mercado de trabalho agora é muito mais um problema de saúde do que fiscal, já que o setor de serviços pessoais, o mais afetado pelas restrições provocadas pela pandemia e que emprega muito, depende de que se reduza o risco do contato direto entre pessoas para se restabelecer. “O fiscal já fez o seu trabalho. Gastar mais dinheiro não garantirá mais contato humano. O foco agora está na saúde e no aprimoramento de protocolos.”

No webinar, moderado por Adriana Fernandes, colunista de O Estado de S. Paulo, os pesquisadores do IBRE também comentaram o impacto das eleições americanas para o Brasil. Para Castelar, diferentemente do histórico de pouca mudança na dinâmica do mercado, este ano a disputa entre Donald Trump e Joe Biden deverá provocar alta volatilidade nos mercados nestas semanas que precedem as eleições, mas também nas seguintes, caso o resultado seja judicializado. “O Brasil sentirá isso porque está numa posição de investimento de risco muito grande por conta da questão fiscal. Nosso câmbio está 45% mais desvalorizado do que sugeriria a paridade do poder de compra, o que é muito alto.E nossa bolsa de valores, mesmo em real, se recuperou menos do que a bolsa em dólar de outros emergentes.” Outro motivo para o Brasil sentir mais acentuadamente esse impacto vem da relação entre os presidentes Bolsonaro e Trump. “Uma vitória de Joe Biden terá efeitos não triviais para o Brasil, pelo grau de isolamento que já enfrenta internacionalmente. Caso se confirme um cenário possível de democratas levarem tanto a presidência do país quanto a das duas casas do Congresso, nosso problema de inserção externa crescerá bastante”, avaliou Castelar. No caso de vitória de Trump, o economista identifica a chance de Bolsonaro ganhar um novo gás em sua relação com o Congresso. “Isso tanto poderia significar maior atrito, ou um Legislativo mais disposto a trabalhar com presidente, já que sua chance de reeleição, aparentemente, seria vista como maior.”

Para Senna, uma vitória de Trump somada ao aumento recente da popularidade de Bolsonaro poderia trazer o risco de o presidente brasileiro resistir a mudanças estruturais no campo dos gastos. “O presidente parece estar muito concentrado na questão da reeleição, mas ainda faltam dois anos. Se continuar o cabo-de-guerra quanto às reformas, o mercado continuará embutindo isso nos prêmios de risco a economia não deslancha”, afirmou, citando o deságio que já começa a aparecer nas letras financeiras do tesouro (LFTs). “Isso está mostrando uma baixa disposição dos investidores de adquirir títulos públicos nos leilões a juros modestos. Na cabeça de muita gente, isso não quer dizer muita coisa. Mas diz. Temos hoje mais de um quarto do endividamento público em mercado financiado praticamente no overnight por meio das chamadas operações compromissadas. Isso vai agravando a percepção de risco”, afirmou, defendendo que a única solução para reverter essa tendência é um ajuste fiscal firme. “Para quem está preocupado com eleição, do ponto de vista de um economista, digo que um ajuste bem-feito traria frutos melhores para o governo”, concluiu.

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