“A agenda de reformas terá que ser reconstruída” – Fernando Abrucio

Fernando Abrucio – Professor da FGV Eaesp

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Conjuntura Econômica – Em meio à tríade de crises – sanitária, econômica e política –, o presidente Jair Bolsonaro passou a ceder cargos no governo em troca de apoio de partidos, rendendo-se ao que chamava de velha política. Isso pode colaborar para a retomada da agenda de reformas?

As contas respondem por si. Esse novo Centrão conta com cerca de 200 deputados. É um apoio insuficiente para aprovar emendas constitucionais. Só salva o presidente da abertura de impeachment, que é barrada com 172 votos. E os outros 313 deputados na Câmara não serão fáceis de ser convencidos, pois parte gostaria de ganhar algo do governo, e não vai ganhar. Além disso, o governo está brigando fortemente com DEM e MDB, que juntos ao PSDB –- como brinco, os partidos do governo Fernando Henrique –- foram os que coordenaram a reforma da Previdência no ano passado, que fizeram o trabalho pesado, conseguindo apoio até de parte do PDT e PSB.  Esses três não estarão com o governo. E os interesses deles vão bater cada vez mais de frente com os de Bolsonaro nas eleições municipais.  

Da mesma forma que ocorreu na Previdência, será possível pensar na continuidade da agenda de reformas com uma concertação legislativa independente do apoio ao governo?

Depois que a pandemia arrefecer – a tendência é que isso aconteça a partir de outubro –, teremos eleições municipais, em dezembro ou fevereiro. Aí não se vota mais nada na Câmara. E, nesse momento, estaremos falando de outra realidade. Há estimativas de que até setembro teremos contabilizado 120 mil mortos por Covid-19. É muita coisa, irá desestruturar a vida de muitas famílias. Além disso, o governo ainda não teve sucesso em prestar ajuda às empresas, e não sabemos qual impacto isso terá. Então, para recuperar uma agenda de reformas, ela terá que ser reconstruída, pois muita coisa terá mudado.

Tome o exemplo da PEC do Pacto Federativo. Como se pode pensar em apoio à desvinculação de receitas depois do que aconteceu na saúde? A classe médica vai se juntar como nunca depois do que passou. Os prefeitos se unirão. Na educação, é provável que se aprove um Fundeb igual ao que temos hoje, mas acho que nunca mais se aprovará desvinculação. Pois todo o grosso de educação – estou falando de um grupo de 180 deputados na Câmara – não vai apostar nisso. Essa agenda já foi.  Imagine defender agora que desvinculação é uma forma de estados e municípios decidirem melhor os seus gastos com educação e saúde. Há estados que sequer conseguiram comprar equipamentos, e entre os que conseguiram teve casos de roubo… Não dá para voltar ao mesmo ponto.

Quais conjugar responsabilidade fiscal e social numa agenda de reformas?

É possível pensar numa fórmula de ajuste fiscal com aumento de gastos sociais, e provavelmente isso também incluirá mexer na receita. Uma agenda só fiscalista em meio à depressão econômica não vai resolver, ainda que considere correta algumas das medidas fiscais colocadas no Congresso. 

Isso não quer dizer, insisto, que seja irresponsabilidade fiscal. Mas que terá que haver um modelo de responsabilidade fiscal que preste mais atenção na à desigualdade e nas às questões que afloraram com a pandemia. Veja, Os os países que conseguiram conter mais rapidamente a Covid-19 têm uma diferença importante com o Brasil, pois eles não têm desigualdade social. Aqui, a desigualdade ficou escancarada na nossa cara. Não tem ninguém que ganhará a eleição de 2022 sem falar desse tema.

 


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