“Acordo entre Executivo e Congresso viabilizou medidas para tratar a pandemia”

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Qual sua avaliação sobre o acordo entre Executivo e Congresso que retira as despesas relacionadas à Covid-19 do Orçamento de 2021? 

Ainda não temos todas as informações necessárias para uma avaliação mais detalhada. As despesas relacionadas à Covid-19 são importantes, e o acordo viabilizou tratar da pandemia. Parece-me que o governo buscou construir políticas menos custosas do ponto de vista fiscal. Falta saber, da parte do Orçamento, como esse acordo vai ser implementado, se pode resultar em um shutdown da máquina pública.

Do lado da pandemia, o total de despesas que ficarão fora das regras fiscais – da meta de resultado primário e do teto de gastos – está previsto em R$ 125 bilhões. Hoje já se tem R$ 85 bilhões programados – que envolvem o auxílio emergencial, a compra da vacina, e resíduos do programa de manutenção o emprego (BEm), do Pronampe, bem como de despesas do Ministério da Saúde –, que se somam aos novos gastos nessas três áreas: saúde, apoio ao emprego e crédito.

Já o acordo de aprovação do orçamento envolveu o cancelamento de emendas parlamentares de ordem de R$ 10 bilhões. Isso leva o valor total de emendas a R$ 32 bilhões, dos quais R$ 16 bi fazem parte de uma média normal, e outros R$ 16 bi do acordo do Ministério da Economia com os parlamentares, referentes emendas do relator. Com o PLN aprovado, o governo ganhou autorização de mudança no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para recompor despesa obrigatória e cortar discricionária. A grande pergunta é como vai implementar isso sem criar uma situação de shutdown, que já estava na iminência de acontecer. Essa é a grande questão para a qual ainda não temos resposta clara, e é o que na prática viabilizará o Orçamento.

A meu ver, será preciso fazer uma nova estimativa da despesa obrigatória colocando-a em um nível seguro, mas sem excessos. E cortar uma parte da despesa discricionária. Isso deverá acontecer preponderantemente no orçamento de investimento e custeio do governo, resguardando a maior parte das emendas que foram objeto do acordo. Como já se estava numa situação de orçamento muito delicada, a grande questão é se isso criará algum tipo de inviabilização do orçamento. Uma possibilidade de equacionamento é colocar as despesas da saúde fora das regras fiscais, aproveitando a margem dada para as despesas com a Covid-19. Dessa forma, acomodaria outra parte do custeio. Isso ainda não sabemos. Pode ser que nesse encontro de contas se consiga achar uma forma de viabilizar o orçamento.  Entendo que é em torno desse ajuste que o Governo está trabalhando nesse momento.

Considera que esse arranjo pode ser bem recebido pelo mercado, receoso da trajetória fiscal?

Acho que o “pacote Covid-19” que está sendo construído é inevitável. E, como disse, me parece que o governo está buscando um desenho de políticas menos custoso do ponto de vista fiscal. Se comparar o auxílio emergencial de antes com o que era hoje, é um programa de envergadura completamente diferente. O governo também tem dito que a nova rodada de crédito pode chegar com taxas um pouco mais altas, para que se possa emprestar a um número amplo de empresas sem ampliar o custo total do programa. Então, do ponto de vista das políticas relacionadas à pandemia, o governo está conseguindo reduzir o custo fiscal.

O ponto negativo, e que deve se tornar um aspecto mais permanente, é o relativo às emendas de relator. Esse tipo de emenda permite uso livre dos recursos, não há fiscalização, portanto, é difícil uma avaliação e retorno social que justifique esses gastos. Será fundamental para o governo e o Congresso trabalharem de forma a reduzir a importância desse programa ao longo dos próximos anos. Esse é o segundo aspecto da atual discussão, que trata das finanças públicas no longo prazo, de como o país constrói um caminho de reequilíbrio fiscal numa conjuntura em que provavelmente ainda precisaremos ampliar alguns gastos para garantir a retomada econômica. Isso implica um impacto fiscal adicional, que deve ocorrer na forma de um Refis que é uma saída ruim, mas que pode se tornar inevitável se não houver um planejamento econômico que produza uma solução específica. Me refiro à necessidade de avançar em torno de políticas que possam fortalecer o balanço das empresas que sairão da crise com as finanças estranguladas. Ao mesmo tempo, será importante construir um caminho para recuperar o déficit fiscal e retomar trajetória de sustentabilidade.

Considera que, no curto prazo, os setores mais afetados pela pandemia estão mais próximos de obter ajuda?

As políticas relacionadas ao emprego e ao crédito, a meu ver, são as mais importantes de toda a discussão orçamentária, nesse momento, dada a sua emergência. São elas que vão gerar maior resultado para o país. Se é suficiente ou não, é difícil dizer, porque é uma crise sobre a qual se pode prever quase nada. Com a mudança da LDO, o governo resolveu o impasse da meta fiscal, tirando essas despesas da meta de primário, deixando em aberto o montante a ser destinado a cada programa. Isso é positivo, pois temos que lembrar que vacinação não gera imunização, mas proteção. Não sabemos quanto a pandemia pode se arrastar, por isso é difícil defini um valor de conjunto de políticas capaz de atravessar qualquer situação.

Então, fechou-se o acordo sobre o que fazer, que era importante, mas tem ainda a questão sobre como implementar essas políticas para elas começarem a rodar. E primeiro lugar definir a forma de obtenção dos recursos estimados para essa nova rodada de apoio, se via crédito extraordinário ou PEC, e verificar a necessidade de se recriar a lei que estabelece cada programa, como foi o caso auxílio emergencial. E cuidar da burocracia interna de cada programa, seja de fechar contratos trabalhistas, seja de aprovar pedidos de crédito. 

O importante é o pacote sair, pois estamos no ápice dessa onda de contágio desde meados de março, e muito provavelmente as medidas não entrarão em vigor antes de maio. Essa ajuda está mais atrasada do que na primeira onda. Se os valores se mostrarem insuficientes é possível repactuar os programas.

E a pressão dos setores mais afetados têm aumentado...

A decisão de recriar o BEm e o Pronampe ajuda a arrefecer esses ânimos. A segunda onda parece ter um impacto econômico menor, pois vemos menos contundência nas medidas de isolamento aplicada, em várias cidades há serviços que estão conseguindo funcionar de alguma forma. Ao mesmo tempo, essa nova onda de contágio pega as empresas em uma situação mais debilitada.

Isso mostra a necessidade de se começar a pensar também o pós-pandemia. Países que estão vacinando mais rapidamente já começaram a fazer esse planejamento, de como reconstruir a economia com uma parte dos empregadores muito fragilizada, sem conseguir investir, com um estrangulamento financeiro significativo. É um tema que acho que temos que debater.

Despesas relacionadas à Covid-19


Fonte: Ministério da Economia e Congresso Nacional, elaborado pelo Estadão.

 


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